Semana mais curta: as quintas-feiras são a nova sexta?

Financial Times; O maior experimento mundial da semana de trabalho de quatro dias está em andamento há mais de dois meses no Reino Unido e alguns dos primeiros resultados são encorajadores. “Extremamente promissores”, frisa um dos incessantes e-mails que inundaram minha caixa de entrada. “Transformador de vida”, disse um gerente cujo banco está entre as cerca de 70 empresas que participam do teste de seis meses.

Duvido que tudo seja cor-de-rosa, mas ultimamente comecei a me perguntar se realmente precisamos desse piloto. As ruas de Londres dão cada vez mais a impressão de que a semana de quatro dias já está entre nós. Digo isso meio brincando, mas não tanto, depois de meses passando à frente de vários pubs, ao voltar pedalando do escritório para casa nas noites de dias de semana.

Antes da pandemia, nas noites de sexta-feira em geral, a necessidade de ficar desviando de multidões de bebedores empolgados que transbordavam dos pubs para as ruas era bem maior do que nas outras noites. No entanto, à medida que o trabalho híbrido mais flexível, foi sendo mantido, os pubs visivelmente foram ficando mais movimentados às quintas-feiras. 

O pub tem cinco ou seis funcionários às quintas, mas apenas três ou quatro às sextas, contou Minina, acrescentando que outros pubs próximos adotam padrões semelhantes. 

Tal alocação faz sentido, considerando os dados mais recentes sobre hábitos de trabalho em dias de semana. 

Terças, quartas e quintas são, de longe, os dias mais populares para as pessoas trabalharem no escritório, em vez de em casa, segundo pesquisa com quase 80 mil funcionários em 13 países em agosto. A frequência ao escritório nas sextas-feiras cai para insignificantes 12% no mundo, e para 13% no Reino Unido, mostram dados da Advanced Workplace Associates. 

desaceleração das sextas-feiras também se reflete nos números do metrô de Londres. Nas semanas anteriores ao primeiro lockdown da capital, em março de 2020, cerca de 4 milhões de viagens diárias eram feitas no metrô tanto às quintas quanto às sextas. Após as mudanças observadas nos últimos meses, as viagens de quinta-feira agora superam regularmente as das sextas-feiras em 200 mil viagens ou mais. 

Autoridades da área de transporte público dizem que as pessoas ainda estão usando o metrô às sextas para sair à noite, mas o número de passageiros é claramente menor. 

Pode não ser justo dizer que esses números representem o equivalente a uma semana de trabalho de quatro dias. Eles não significam, de forma alguma, que quem bebe uma ou duas cervejas a caminho de casa na quinta-feira não trabalhe nada na sexta-feira. 

Por sua vez, também é verdade que, antes da pandemia, muitas pessoas já encerravam o expediente mais cedo nas tardes de sexta- feira, em Londres e em outros lugares. A pandemia, no entanto, parece ter intensificado essa tendência. Qual a importância disso? 

Executivos das áreas de hotelaria e de transporte dizem que o problema que os preocupa não é a “morte” dos negócios na sexta- feira. Mais do que isso, é a relativa falta de funcionários no escritório durante toda a semana. 

Hoje, o metrô de Londres contabiliza cerca de 1 milhão de viagens a menos durante os dias de semana em comparação às 4 milhões de viagens diárias de antes da pandemia, em razão da queda no número de visitantes estrangeiros e no de passageiros diários indo ao trabalho. 

A rede de hambúrgueres Shake Shack é uma das várias empresas que neste mês culpou a continuidade do trabalho remoto pela sua receita decepcionante. Os proprietários de prédios comerciais, claramente, se deparam com profundas incertezas. Dados da Advanced Workplace Associates mostram que os trabalhadores comparecem ao escritório menos de 1,5 dia por semana, ante os quase 4 dias antes da pandemia. 

Os trabalhadores parecem estar satisfeitos com isso. A maioria dos londrinos acha que a mídia exagera as desvantagens do home office. Cerca de 35% temem que o trabalho remoto represente um risco para os empregos na cidade, mas a parcela que discorda é um pouco maior, segundo estudo do King’s College London, em junho. 

Ainda não sabemos o que uma recessão econômica poderia fazer com esses números – ou com o movimento que defende a semana de trabalho de quatro dias. Por enquanto, apostar que a vida voltará exatamente ao que era antes da covid-19 ainda é para os que gostam de arriscar. 

Pilita Clark é colunista do “Financial Times” 

https://valor.globo.com/carreira/coluna/semana-mais-curta-as-quintas-feiras-sao-a-nova-sexta.ghtml

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