Publicidade encolhe, mas consumidor quer anúncio

O mercado publicitário esperava crescer neste ano, com a expectativa de retomada da economia e de eventos como a Olimpíada, que acabou sendo adiada para 2021, e as eleições municipais. Mas o novo coronavírus mudou o cenário. As projeções foram revistas para baixo, com boa parte dos anunciantes adiando investimentos. Mas o consumidor, que está em casa e com mais tempo para ver anúncios, espera que as marcas se posicionem nesses tempos de covid-19. 

Uma pesquisa da Kantar mostra que apenas 9% dos brasileiros dizem que as empresas devem parar de anunciar em meio à pandemia. Para um quarto delas, as marcas devem servir de exemplo e guiar mudanças. Outros 21% avaliam que devem ser práticas e ajudar o consumidor no dia a dia. E um quinto espera que elas ataquem a crise e demonstrem como ela pode ser derrotada. “Em momentos de crise, em que é preciso pensar positivo, as marcas têm que prestar algum tipo de serviço, passar mensagem. Depois que a crise passar, vai vir a pergunta: o que essa marca fez durante o momento mais complicado?”, diz Cristiano Muniz, presidente do grupo ABC. 

Segundo Melissa Vogel presidente da Kantar Ibope Media, o tema coronavírus tem crescido de importância para os anunciantes. Na semana de 16 a 22 de março, 135 marcas tinha campanhas específicas sobre o tema. Foram 1.347 inserções de TV, sendo que o pico ocorreu no domingo (22), com mais de 500. Na semana seguinte, houve um aumento de 283% no número de campanhas. Os bancos se destacaram, com aumento de 69% nas inserções. 

As agências têm adotado novas rotinas de trabalho. Na Talent Marcel, a equipe se reúne pela manhã, virtualmente, para debater o noticiário e as movimentações dos consumidores. A ideia é gerar propostas novas diante de um cenário que muda rapidamente. “O apelo de duas semanas atrás provavelmente não vale mais hoje. As pessoas já estão mais cansadas. Você precisa falar sobre coisas novas, saber se pode ser mais otimista ou utilitário [oferecer um produto ou serviço]. E fazer mais com o mesmo. Em vez de uma coisa por um mês, fazer quatro”, diz João Livi, presidente da agência. 

Sobre o faturamento de 2020, “o empate [com 2019] é boa notícia para o ano”, diz Luiz Sanches, presidente da agência AlmapBBDO. Segundo ele, o primeiro trimestre teve um ótimo desempenho. E, tradicionalmente, o segundo semestre concentra 60% dos gastos com publicidade no ano. Mas a retração das vendas nas últimas semanas, em vários setores, talvez não seja revertida neste ano, diz Sanches. 

 “A grande maioria dos anunciantes e clientes das agências se viu impossibilitada de continuar investindo no estímulo a vendas pois, simplesmente, estão sem ter para quem vender”, disse Daniel Queiroz, presidente da Federação Nacional das Agências de Propaganda, em nota. André Lima, co-presidente da NBS, diz que os clientes tem preferido adiar em vez de cortar gastos em publicidade. “Não vai ter um padrão igualitário de cortes de investimento. Vai depender [do perfil de clientes da] carteira. Tem gente de serviços essenciais que vai continuar a falar com as pessoas”. 

Assim como outros setores, o de publicidade espera apoio governamental. No fim de março, oito associações do mercado publicitário enviaram ao governo federal uma lista com pedidos de apoio para combater os efeitos da pandemia. Na lista estão itens como linhas de crédito e suspensão do pagamento de impostos federais. Dentre os executivos de grandes agências ouvidos pelo Valor, as demissões ainda não entraram na lista de medidas para proteger o caixa. Mas já estão renegociando contratos com fornecedores e reduzindo salários. Na WMcCann, o presidente Hugo Rodrigues reduziu em 25% seu próprio salário, do diretor de operações e dos vice- presidentes por tempo indeterminado para evitar cortes de pessoal. Uma reavaliação está prevista para maio, e, se necessário, diretores também podem ter a remuneração reduzida. Se a situação continuar complicada, um novo ajuste pode ser feito no alto comando da agência em junho. “Só nisso chegamos ao segundo semestre sem atingir ninguém”, diz o executivo. 

Para Marcelo Tripoli, sócio-associado da consultoria McKinsey, o atual momento vai impulsionar um movimento que já vinha acontecendo: “As agências mais estratégicas, mais próximas do negócio, que não trabalham só a questão do posicionamento da marca sairão fortalecidas”, diz. 

Fabiano Coura, presidente da R/GA, diz que o maior leque de produtos tem ajudado. Ele cita como exemplo a exportação de serviços a outras unidades da agência e a produção de conteúdo para anunciantes. “O alcance das mídias nunca foi tão alto. Se tem mais gente ouvindo, prestando atenção [porque estão em casa] a eficiência será maior. O consumidor espera que as marcas se posicionem”. 

https://valor.globo.com/empresas/noticia/2020/04/13/publicidade-encolhe-mas-consumidor-quer-anuncio.ghtml

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