Pandemia modifica demografia mundial

A pandemia deve alterar a demografia mundial, levando a um encolhimento da população em muitos países não apenas pelo maior número de mortes, mas também pela queda da taxa de natalidade. Para completar, o fechamento de fronteiras internacionais congelou fluxos migratórios, que ainda não retornaram aos patamares pré-covid-19, contribuindo para a desaceleração do crescimento populacional. 

Dados mais consolidados sobre população global de 2020 só devem ser disponibilizados em meados de junho pela Divisão de População do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas. Mas estatísticas dos próprios países apontam para quedas populacionais não vistas há anos e até mesmo décadas. 

No ano passado, por exemplo, a Alemanha não teve crescimento da população pela primeira vez desde 2011. O Escritório Federal de Estatística da Alemanha (Destatis) atribui esse cenário à menor imigração por conta da covid-19 e ao aumento do número de mortes. Na Rússia a população encolheu no ano passado pela primeira vez em 15 anos por conta da pandemia. O mesmo em relação ao total de habitantes de Londres, que deve diminuir pela primeira vez em 31 anos, indo de 9 milhões em 2020 para 8,7 milhões, segundo a PricewaterhouseCoopers. 

Até agora, os maiores efeitos da pandemia na demografia se dão por meio da mortalidade, natalidade e migração. “A primeira mudança é o aumento da mortalidade e também de comorbidades, um impacto enorme que ainda não acabou”, afirma Jamie Chamie, consultor e ex-diretor da Divisão de População da ONU. 

“Há mudança também na taxa de natalidade, com duas reações diferentes. Em alguns países da África e do sul da Ásia as taxas de fertilidade subiram porque as mulheres não conseguiram acesso a contraceptivos no início da pandemia. Já em países desenvolvidos, os nascimentos estão caindo porque as pessoas estão preocupadas com o futuro e esperando ter mais segurança no emprego e ver a pandemia sob controle para retomar planos de ter filhos”, acrescenta. 

Segundo o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), a agência de saúde sexual e reprodutiva da ONU, cerca de 12 milhões de mulheres em 115 países perderam acesso a serviços de planejamento familiar no início da pandemia, o que resultou em 1,4 milhão de gravidezes não intencionais em 2020. 

Chamie pontua ainda as interrupções nos fluxos migratórios pelo fechamento de fronteiras internacionais em quase todo o mundo, o que deve contribuir para mudanças demográficas. Ele avalia que os movimentos migratórios internos, de grandes conglomerados urbanos para cidades menores, tendem a ser permanentes, enquanto a imigração internacional deve retomar aos níveis pré-pandemia à medida em que a economia global se recupera. 

No curto prazo, o impacto mais óbvio da pandemia na demografia mundial é o maior número de mortes, com excesso de mortalidade em muitos países, diz Gunnar Andersson, diretor da unidade de demografia da Universidade de Estocolmo. “Mas os padrões devem voltar ao nível normal logo depois de o vírus ser controlado”, diz. 

Segundo o “Tracking covid-19 excess deaths across countries”, da “The Economist”, dentre os países com mais mortes excedentes no mundo estão o Peru, com mais de 164,9 mil mortes excedentes ou 503 por 100 mil habitantes. Em seguida vêm Bulgária, com 433 por 100 mil habitantes, e o México, com 353 por 100 mil. O Brasil ocupa a 19a posição do ranking com 80 países, com 204/ 100 mil. Os EUA estão na 25a, com 182/ 100 mil. 

Tomas Sobotka, diretor do grupo de pesquisa sobre Europa do Instituto de Demografia de Viena, afirma que a mortalidade é um efeito de curto prazo da pandemia na população mundial, enquanto natalidade e migração são consequências de mais longo prazo. 

“Os efeitos em relação à mortalidade podem durar um ou dois anos, depende do quão rápidos os países vacinarem suas populações”, diz. Mas os impactos em nascimentos e taxa de fertilidade pode ser mais duradouro, argumenta, porque as pessoas continuarão lutando por algum tempo contra o legado da pandemia, que está afetando renda, famílias e relações. 

Na Europa, por exemplo, casais adiaram planos de ter filhos durante o lockdown implementado em março e abril de 2020, segundo o estudo “The impact of COVID-19 on fertility plans in Italy, Germany, France, Spain and UK”. 

“Em países de alta renda, o impacto negativo da incerteza econômica sobre as intenções reprodutivas parece ter prevalecido, levando a um adiamento dos nascimentos desejados, pelo menos no curto prazo”, afirma Alessandro Rosina, do departamento de estatística da Università Cattolica del Sacro Cuore, em Milão, e um dos co-autores do estudo. 

“Em outros contextos, como aconteceu em países desenvolvidos após a Grande Recessão de 2007 a 2013, incluindo a Itália, a incerteza econômica e social pode permanecer elevada, com a consequente redução da fertilidade”, diz Rosina, sobre o número médio de filhos que uma mulher teria ao longo da vida. 

Nos EUA, o número de nascimentos no ano passado caiu para o menor nível desde 

1979, o que somado à taxa de mortes excedentes deve resultar em desaceleração do crescimento populacional. A taxa de fertilidade caiu para 1,64, a menor desde o início dos registros, em 1930. 

A França, que tem tradicionalmente a maior taxa de fertilidade dentre os 27 membros da UE, teve queda de 7% nos nascimentos em 2020. Foram 735 mil bebês nascidos no ano passado, menor número desde o fim da Segunda Guerra. 

A Itália registrou 21,6% menos nascimentos em dezembro de 2020, em comparação ao mesmo mês de 2019. Segundo a agência de estatística Istat, foram 400 mil nascimentos e 647 mil mortes, a maior diferença entre nascimentos e mortes desde a gripe espanhola, em 1918. Na Espanha, os nascimentos caíram 20% para 23.266 em dezembro, menor nível desde o início da série histórica, em 1941. 

Dados divulgados na segunda-feira mostram que a taxa de fertilidade da China chegou a 1,3 filho por mulher no ano passado, nível semelhante aos de países como Japão e Itália. O vizinho Japão registrou o menor número de nascimentos da história em 2020 – 872,6 mil, 25,9 menos do que no ano anterior. Enquanto a Coreia do Sul teve pela primeira vez mais mortes do que nascimentos no ano passado. Foram 275,8 mil nascimentos, 10% menos do que em 2019, e cerca de 307,7 mil mortes. 

O Brasil teve queda de 6,2% dos nascimentos em 2020, segundo dados do Portal da Transparência dos Cartórios. Pesquisadores preveem que em abril o país pode registrar pela primeira vez mais mortes do que nascimentos. 

Na Argentina, dados do Ministério de Governo da Província de Buenos Aires indicam que a pandemia acelerou a tendência de queda de nascimentos na região mais populosa do país. Foram 179 mil nascimentos em 2020, 14% a menos do que no ano anterior. A queda é superior às observadas em 2019 (4%) e 2018 (6%). 

Sobotka prevê que, assim como os nascimentos, os fluxos migratórios devem permanecer em baixa por algum tempo. “Isso variará muito de país para país. Em alguns lugares, a pandemia está congelando a migração já que a perda de empregos e incertezas econômicas continuarão por mais um ou dois anos”, afirma. 

“Depois disso, dependerá muito do ritmo da recuperação econômica e das oportunidades que migrantes podem ter nesses países.” 

Relatório Destaques da Migração Internacional em 2020, da Divisão de População da ONU, mostra que a pandemia pode ter desacelerado o número de migrantes internacionais em cerca de 2 milhões em meados de 2020, 27% menos do que o crescimento esperado desde meados de 2019. 

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2021/05/17/pandemia-modifica-demografia-mundial.ghtml

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