Países ricos lideram em política industrial 

Apesar de muito criticadas na era de hegemonia do pensamento liberal, nos anos 80 e 90, as políticas industriais nunca deixaram de ser praticadas em todo o mundo, e com destaque pelos países mais ricos. Antes mesmo dos eventos recentes da pandemia, da guerra da Ucrânia e do acirramento da rivalidade entre China e Estados Unidos, que estão levando à maior intervenção do Estados nas principais economias do mundo, a política industrial já estava em alta.

Essas são algumas das revelações e conclusões de recém-publicado estudo dos economistas Réka Juhász, Nathan Lane e Dani Rodrik, intitulado (tradução do inglês) “A Nova Economia da Política Industrial”.

O trabalho revisa e discute a recente literatura econômica sobre o funcionamento das políticas industriais, que supera ou contorna problemas dos estudos antigos. No geral, essa nova literatura apresenta uma visão mais positiva da política industrial, ainda que ainda com muitas lacunas e nuances.

O paper de Juhász, Lane e Rodrik começa por definir política industrial, como intervenções do governo para transformar a estrutura da economia com algum objetivo de política pública. A definição inclui setores não propriamente “industriais”, como serviços. Eles apontam que modernamente a tendência é de políticas industriais orientadas para o mercado externo, em detrimento da substituição de importações.

Os autores detalham as principais razões para a política industrial, como promoção de externalidades positivas e correção de falhas de mercado, e as principais críticas, que podem ir desde a incapacidade de o governo fazer a intervenção certa, mesmo que queira, até a captura dos benefícios por lobbies e grupos de pressão.

Boa parte do ‘paper’ se debruça sobre as dificuldades de medir, e, portanto, de estudar objetivamente e avaliar os resultados das políticas industriais. Uma das principais razões é que o conceito de política industrial inclui uma enorme gama de instrumentos e atividades: proteção tarifária, subsídios de crédito, isenções tributárias, políticas de inovação, treinamento e suporte gerencial, regras favorecendo empresas nacionais, regulações do investimento estrangeiro etc. Nem sempre esses instrumentos são usados para política industrial. Um aumento de tarifa de importação, por exemplo, pode ter motivação fiscal.

Apesar das dificuldades, os economistas mostram como a pesquisa econômica avançou na mensuração e avaliação das políticas industriais – no primeiro caso, utilizando-se até de instrumentos como os “grandes modelos de linguagem (LLMs, na sigla em inglês)”, encontrados em aplicativos de inteligência artificial como o ChatGPT.

Algumas conclusões são de que “a política industrial de fato voltou e está em alta”, e que “os países de renda mais alta (como os do G20) são os maiores usuários de política industrial”.

A alta da política industrial vem de antes da pandemia, desde pelo menos o início da década de 2010, com picos em 2018 e 2021. Os gastos com política fiscal entre os países que mais a praticam se encontram na faixa de 0,3% a 0,7% do PIB, número que chega a 1,5% do PIB no caso da China.

O trabalho analisa a literatura acadêmica mais recente de política industrial, que é bem mais focada em casos bem específicos e recortados, relativamente à antiga, e que chega a resultados mais favoráveis. Segundo os autores, esses estudos mostram que as intervenções frequentemente têm efeitos de longo prazo na estrutura produtiva.

Em relação a países do Leste Asiático, como Japão, Coreia, China e Taiwan, Juhász, Lane e Rodrik notam que a literatura econômica avançou bastante em relação à antiga dicotomia desse debate, que girava entre as posições de que o milagre econômico asiático ocorreu “por causa da política industrial”, por parte  dos desenvolvimentistas; ou “apesar da política industrial”, por parte dos liberais.

Hoje a abordagem da questão é muito mais complexa e cheia de nuances, a começar pelas diferenças entres os tipos de intervenção e seus contextos históricos quando se pensa a experiência dos asiáticos com política industrial.

De qualquer forma, na visão dos autores, há lições gerais para os demais países da experiência asiática. Uma delas é a busca de equilíbrio entre duas características que à primeira vista podem parecer contraditórias: a autonomia do setor público em relação ao setor privado (para evitar a captura); e o acoplamento (“embeddedness”) entre o setor público e o privado, de forma a criar “canais institucionais para a contínua negociação e renegociação de objetivos e políticas”.

https://www.estadao.com.br/economia/fernando-dantas/ricos-lideram-em-politica-industrial/

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