Os ganhos com a inteligência artificial não chegaram. E talvez nunca cheguem

FINANCIAL TIMES.  Mesmo pelos padrões surpreendentes dos ciclos tecnológicos anteriores, os entusiastas da inteligência artificial generativa estão exagerando.

Empresas de trilhões de dólares, incluindo Alphabet e Microsoft, declaram que a IA é a nova eletricidade ou fogo, e estão reestruturando todos os seus negócios em torno dela. Nunca superados conscientemente, os investidores de capital de risco também estão injetando dinheiro no setor. Cinquenta das startups de IA generativas mais promissoras, identificadas pela CB Insights, levantaram mais de US$ 19 bilhões em financiamento desde 2019. Destas, 11 agora contam como unicórnios, com avaliações acima de US$ 1 bilhão.

Mesmo os sóbrios executivos da McKinsey estimam que a tecnologia poderá agregar entre US$ 2,6 trilhões e US$ 4,4 trilhões de valor econômico anualmente em 63 exemplos de uso analisados, variando de bancos a ciências biológicas. Em outras palavras, em termos muito aproximados, a IA generativa poderia criar uma nova economia do Reino Unido a cada ano (o produto interno bruto do país foi de US$ 3,1 trilhões em 2021).

Mas e se eles estiverem errados? Em uma série de postagens provocativas, o tecnólogo Gary Marcus explora a possibilidade de que tenhamos uma “correção massiva e angustiante” das avaliações, à medida que os investidores perceberem que a IA generativa não funciona muito bem e carece de aplicações empresariais “matadoras”. “A receita ainda não chegou, e talvez nunca chegue”, escreve ele.

Marcus, cofundador do Centro para o Avanço da IA Confiável, que testemunhou no Congresso dos Estados Unidos neste ano, há muito tempo desconfiava da inteligência dos modelos de redes neurais que precederam os chatbots mais recentes, como o ChatGPT, da OpenAI. Mas ele também levanta algumas novas verdades sobre a IA generativa. Considere a falta de confiabilidade dos próprios modelos. Como agora está claro para milhões de usuários, uma das maiores desvantagens da tecnologia é que ela alucina –ou confabula– fatos.

Em seu livro anterior, “Rebooting AI” [Reiniciando a IA], Marcus fornece um bom exemplo de como isso pode acontecer. Alguns modelos de IA operam como máquinas probabilísticas, prevendo respostas a partir de padrões de dados, em vez de exibir raciocínio. Um falante de francês entenderia instintivamente “Je mange un avocat pour le déjeuner” como significando “Eu como um abacate no almoço”. Mas, em suas primeiras iterações, o Google Tradutor traduzia como “Vou comer um advogado no almoço”. Em francês, a palavra “avocat” significa “abacate” e “advogado”. O Google Tradutor escolheu a tradução estatisticamente mais provável, em vez de uma que fizesse sentido.

As empresas de tecnologia dizem que estão reduzindo os erros melhorando a compreensão contextual de seus sistemas (o Google Tradutor traduz essa frase em francês com precisão agora). Mas Marcus argumenta que as alucinações continuarão sendo uma característica, e não um defeito, dos modelos generativos de IA, que não podem ser corrigidos usando sua metodologia atual. “Há uma fantasia de que, se você adicionar mais dados, funcionará. Mas você não consegue resolver o problema com dados”, ele me diz.

Para alguns usuários, essa insegurança inerente é um obstáculo. Craig Martell, diretor de IA do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, disse na semana passada que ele exigiria um nível de precisão de “cinco 9s” [99,999%] antes de usar um sistema de IA. “Não posso ter uma alucinação que diz ‘Ah sim, coloque o widget A conectado ao widget B’ –e ele explode”, disse ele. Muitos sistemas generativos de IA colocaram uma “carga cognitiva” muito alta no usuário para determinar o que é certo ou errado, acrescentou.

Ainda mais preocupante é a ideia de que o conteúdo produzido por IA generativa está poluindo os conjuntos de dados com que os futuros sistemas serão treinados, ameaçando o que alguns chamam de “colapso do modelo”. Ao adicionar mais informações imperfeitas e desinformação deliberada à nossa base de conhecimento, os sistemas generativos de IA estão produzindo mais uma “emerdificação” da internet, para usar o termo sugestivo de Cory Doctorow. Isso significa que os conjuntos de treinamento produzirão mais bobagens, em vez de menos.

Destemidos, os investidores normalmente apresentam três argumentos sobre como ganhar dinheiro com a IA generativa. Mesmo com suas imperfeições, dizem eles, ainda pode ser uma valiosa ferramenta de produtividade, acelerando a industrialização da eficiência. Há também muitos usos, desde direitos autorais até operações de call center, em que um nível de precisão de “dois 9s” é aceitável.

Em segundo lugar, os investidores estão apostando no fato de que algumas empresas podem implantar modelos generativos de IA para resolver problemas restritos do mundo real. Os últimos avanços em IA permitem que os dados sejam analisados em tempo real, diz Zuzanna Stamirowska, diretora executiva da startup francesa Pathway, ajudando a otimizar o comércio marítimo ou o desempenho de motores aeronáuticos, por exemplo. “Nós realmente nos concentramos em casos de uso empresarial”, diz ela.

Em terceiro lugar, os modelos generativos de IA permitirão a criação de novos serviços e modelos de negócios ainda não imaginados. Durante a eletrificação em massa da economia no final do século 19, as empresas lucraram com a geração e distribuição de eletricidade. Mas as grandes fortunas foram feitas mais tarde, usando a eletricidade para transformar formas de fabricar coisas, como o aço, ou inventar produtos e serviços totalmente novos, incluindo os eletrodomésticos.

No momento, são apenas os provedores de computação em nuvem e os fabricantes de chips que estão realmente ganhando dinheiro no boom da IA generativa. Sem dúvida, Marcus também estará certo de que grande parte do dinheiro corporativo investido na tecnologia será desperdiçado e a maioria das empresas iniciantes falhará. Mas quem sabe que coisas novas serão inventadas e perdurarão? É por isso que Deus inventou as bolhas.

https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2023/08/os-ganhos-com-a-inteligencia-artificial-nao-chegaram-e-talvez-nunca-cheguem.shtml

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