Ocidente começa a fechar as portas ao investimento chinês

Quase 40 anos após a China ter começado a abrir a sua economia ao Ocidente, EUA e Europa estão tomando medidas para fechar as portas aos investidores chineses.
Grandes fundos estatais e empresas chinesas estão sentindo a mudança, num momento em que EUA, Reino Unido e Alemanha sinalizam uma atitude mais dura com as aquisições chinesas de ativos corporativos essenciais. A China também anunciou plano de expandir o tipo de investimento externo sujeito ao processo de revisão de segurança nacional chinês.
Por ora, os investidores chineses percebem os EUA como muito mais restritivos que a Europa.
“Estamos preocupados com nossos investimentos previstos para os EUA devido ao atrito comercial [ente Washington e Pequim]”, disse Tony Dong, executivo do Fundo de Reforma Estrutural da China, fundo de “private equity” que tem 350 bilhões de yuans (US$ 51 bilhões) para aplicar e é subordinado ao governo chinês.
Dong disse que o fundo está negociando cerca de 40 acordos nos EUA e na Europa, principalmente em setores de alta tecnologia. Ele espera que de 10 a 12 sejam bem-sucedidos, mas está preocupado com a possível ameaça do
“Investir na Europa parece fazer mais sentido agora”, disse. “A Europa é um importante parceiro comercial da China, e estamos concentrando nossos esforços para impulsionar mais investimentos vantajosos para ambas as partes.”
O endurecimento da posição do Ocidente com a China constitui uma mudança drástica no processo de abertura de Pequim ao mundo, que já completa 40 anos. Em dezembro de 1978, o então líder Deng Xiaoping inaugurou uma era de “reforma e abertura”, sob a qual a China passou a receber bem os investimentos externos e lançou reformas de livre mercado.
O raciocínio básico era que o Ocidente manteria seus mercados abertos à China. Agora as portas do Ocidente começam a se fechar.
Relatório divulgado neste mês pela consultoria Rhodium Group mostra que os investimentos chineses na América do Norte despencaram para seu nível mais baixo dos últimos sete anos no primeiro semestre de 2018. O total dos investimentos chineses nos EUA e no Canadá somou só US$ 2 bilhões, o que representa uma queda de 92% em relação ao primeiro semestre do ano passado.
Já a Europa recebeu cerca de US$ 12 bilhões em investimentos chineses completos. Além disso, há US$ 20 bilhões em fusões e aquisições chinesas anunciadas, muito acima dos US$ 2,5 bilhões de fusões e aquisições anunciadas nos EUA e Canadá no semestre.
“A tendência geral das empresas chinesas parece mesmo estar se deslocando dos EUA para a Europa, principalmente nas áreas em que possa haver obstáculos ou barreiras altas demais da parte dos EUA”, disse Xia Aimin, executivo da fabricante chinesa de painéis solares Longi Solar.
Mas a receptividade aos chineses em algumas capitais europeias também está esfriando. “As coisas agora ficaram muito difíceis com relação aos acordos ligados aos EUA”, disse um diretor em Hong Kong. “A Europa também mostra uma tendência de se fechar.”
O Reino Unido divulgou recentemente uma resolução destinada a evitar aquisições estrangeiras de ativos britânicos delicados do ponto de vista da segurança. Embora a China seja mencionada apenas uma vez no documento, autoridades britânicas confirmaram que seu principal foco são as fusões e aquisições de Pequim.
Na Alemanha o governo fez o KfW, banco de desenvolvimento estatal, assumir uma participação acionária de 20% na 50Hertz, uma operadora de rede de energia elétrica de alta voltagem, para evitar que a empresa fosse adquirida por um investidor estatal chinês.
Nesta semana espera-se que Berlim barre a aquisição pela China da Lefeld Metal Spinning, fabricante de pequeno porte de máquinas-ferramentas, especializada em material para os setores aeroespacial e nuclear. Se a intervenção do governo alemão ocorrer, será um acontecimento sem precedentes.
O sentimento protecionista tem crescido na Alemanha desde a aquisição, por € 4,5 bilhões, da Kuka, uma das maiores empresas de robótica industrial, pela chinesa Midea, em 2016.
Logo depois disso, o governo endureceu a legislação alemã sobre investimento estrangeiro, ampliando sua abrangência de modo a alcançar todos “os setores críticos”. Berlim pode agora barrar qualquer acordo que “ponha em risco a ordem ou a segurança públicas” toda vez que 25% ou mais do capital de uma empresa alemã for posto à venda.
Nos EUA, prevê-se que o presidente Donald Trump sancionará em breve medidas que ampliarão os poderes da Comissão de Investimento Estrangeiro dos EUA (Dfius), o reservado grupo especial interagências que analisa investimentos externos a fim de detectar ameaças à segurança nacional americana.
A legislação é fruto de consenso dos dois partidos em Washington de que a estratégia chinesa, de motivação estatal, de adquirir tecnologia e empresas americanas representa grande ameaça à economia dos EUA.
Propostas desse gênero podem representar um duro golpe às ambições chinesas, especialmente porque seu projeto “Made in China 2025” – uma iniciativa industrial que irritou autoridades tanto dos EUA quanto da Europa – prevê aquisições no exterior a fim de elevar o país à vanguarda tecnológica mundial.
“Simplesmente não podemos deixar a China corroer nossa vantagem de segurança nacional por meio do drible às nossas leis e da exploração de oportunidades de investimento para fins nefandos”, disse na semana passada o senador republicano John Cornyn (Texas), que liderou a investida em favor da nova lei. “A transferência clandestina de tecnologia, know-how e recursos industriais foi irrestrita por um período excessivamente longo.”
As medidas referentes aos investimentos são parte de uma luta maior do governo Trump contra os esforços de Pequim para liderar o mundo em tecnologias como inteligência artificial e robótica.
A guerra comercial movida por Trump e suas ameaças de impor tarifas sobre todos os US$ 500 bilhões em produtos importados pelos EUA da China anualmente, visa mudar as práticas de propriedade intelectual de Pequim e reagir ao que os EUA dizem ter sido roubo, em grande escala, de propriedade intelectual americana pela China nas últimas décadas.
Mas Pang Zhongying, da Universidade de Oceanografia de Qingdao, disse que o governo chinês “não deveria reagir de forma exagerada” ao endurecimento da posição dos EUA e da Europa.
“Os países têm o direito soberano de realizar investigações [de segurança nacional]”, disse ele. “Se a China revidar, impondo inspeções mais rígidas aos investimentos estrangeiros, destruirá os esforços anteriores de abertura e de atração de capital externo.”

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