Ao assumir a presidência mundial da Mercedes-Benz e do conselho do grupo Daimler, há quatro meses, Ola Källenius, enfrentou a missão de substituir Dieter Zetsche, um dos mais respeitados representantes da indústria automobilística mundial. Zetsche, um engenheiro nascido na Turquia, viveu o auge das alianças entre montadoras e atuou intensamente nas bem-sucedidas parcerias e também nas fracassadas. Källenius, economista nascido na Suécia, está, agora, no comando de uma nova fase: a irreversível troca dos motores a combustão por elétricos, a única maneira, diz, de “encontrar uma alternativa” para reduzir os níveis de emissões de dióxido de carbono nos veículos.
O executivo de 50 anos é um entusiasta não só dos veículos elétricos como do arsenal tecnológico que tomou conta dos veículos. “Há um tempo, um carro era uma ilha mecânica; mas hoje transformou-se num dispositivo, como se fosse um smartphone com rodas”, afirma. Para ele, a extensão da transformação da indústria automobilística não tem precedentes.
“Já vi muitos altos e baixos nessa indústria, mas nunca um momento de tantas incertezas e, ao mesmo tempo, com tantas oportunidades”, disse, ontem, em Frankfurt, depois da sua primeira participação num salão de automóvel como presidente da companhia. Källenius começou no grupo Daimler há 26 anos. Chefiou a área de vendas antes de assumir o novo cargo.
Ele diz que é imprevisível saber o que vai acontecer com os carros daqui a 20 anos. Sua única certeza é que a partir de 2039 a Mercedes-Benz só venderá carros elétricos ou híbridos. É uma meta fixada pela companhia. Depois disso, prevê, será a vez de novas tecnologias para geração de motores elétricos, como as células de combustível.
Apesar de os fabricantes de veículos terem pressa para colocar a eletricidade em seus produtos, por pressão de normas mais rígidas, os prazos de Källenius na área da eletrificação são longos quando ele pensa globalmente. Nem todos os países estão preparados para um salto desses, incluindo o Brasil. “Trata-se de uma direção que temos que seguir, como parte do acordo de Paris sobre o clima; mas essa viagem não será a mesma em todo o mundo e nem acontecerá na mesma velocidade em todos os países”, destacou, ao falar com um pequeno grupo de jornalistas de três continentes diferentes.
Para ele, as alianças entre montadoras e com a indústria de tecnologia continuarão a ser uma forma de diluir os altos custos de desenvolvimento de novidades como o carro autônomo. “Como marca de luxo ainda temos a missão de transportar as pessoas do ponto A para o ponto B com estilo mas, agora, também, de forma sustentável”.
Segundo ele, no processo de parcerias, as montadoras precisam ser cuidadosas na preservação das características da marca. Mas em algumas situações isso faz sentido. Ele cita o caso da parceria que a própria Mercedes fechou com a rival BMW.
“O desenvolvimento de carros autônomos exige investimentos enormes. Se temos duas equipes de engenharia competentes, debruçadas sobre o mesmo problema, que falam a mesma língua e, por acaso, ficam a apenas 200 quilômetros de distância, por que não juntar esforços?”
Da mesma forma, Källenius prevê a continuidade de parcerias entre montadoras e a indústria de tecnologia, uma relação que não se cogitava no passado. “Quando aparecemos pela primeira vez na CES nos perguntavam o que um fabricante de veículos fazia ali. Hoje a indústria de dispositivos usa os carros para suas demonstrações”, diz, em referência à maior feira de tecnologia do mundo, que acontece anualmente em Las Vegas.
Ao ser questionado sobre os efeitos da guerra comercial para companhias como a Mercedes, Källenius diz que problemas de geopolítica e tensões comerciais “não são bem-vindos em nenhuma empresa”. “Muito menos em companhias com a pegada global como é a indústria automobilística”, diz. “É como colocar pimenta no prato. Mas é o que há e temos que lidar com isso”.
Já em relação à América do Sul, Källenius afirma que a região é importante para a companhia, principalmente na área de veículos comerciais. Mas demonstra preocupação com a Argentina. “Brasil e Argentina estão entre nossas prioridades e investimos na região há décadas. No Brasil, depois de um período difícil, que nos exigiu a reestruturação da operação, agora estamos num processo de lançamento de novos veículos. Quanto à Argentina, estamos acompanhando, mas o país parece numa situação economicamente difícil”.
A Mercedes produz na Argentina a van Sprinter. A operação não foi totalmente afetada pela crise porque a maior parte da produção é exportada para o Brasil. Mas no sentido contrário, o agravamento da crise no país vizinho tem afetado as fábricas brasileiras. A Volkswagen, maior exportadora de carros do Brasil, vai interromper os embarques do país para o mercado argentino nos próximos quatro meses.
“Decidimos tomar essa decisão para baixar os estoques”, afirma o presidente da Volkswagen na América Latina, Pablo Di Si. “Na Argentina, todo aumento de inflação tem que ser repassado para o preço. Mas os reajustes de salários não seguem a mesma velocidade”.