O que são os ‘chiplets’, aposta dos EUA para se manterem na vanguarda tecnológica

The New York Times;  Por mais de 50 anos, os projetistas de chips para computadores recorreram principalmente a uma tática, para melhorar o desempenho: eles encolhiam os componentes eletrônicos para colocar mais potência em cada pedaço de silício.

Então, mais de uma década atrás, os engenheiros da fabricante de chips Advanced Micro Devices (AMD) começaram a testar uma ideia radical. Em vez de projetar um grande microprocessador com um grande número de transistores minúsculos, eles conceberam a criação de um microprocessador formado por chips menores, que seriam empacotados juntos para funcionar como um cérebro eletrônico.

O conceito, às vezes chamado de “chiplets”, foi adotado com entusiasmo pela AMD, Apple, Amazon, Tesla, IBM e Intel, todas as quais lançaram produtos desse tipo. Os “chiplets” ganharam força rapidamente porque chips menores são mais baratos de fabricar, e pacotes deles são capazes de superar o desempenho de qualquer fatia única de silício.

A estratégia, baseada em tecnologia avançada de empacotamento, se tornou, desde então, uma ferramenta essencial para possibilitar o progresso dos semicondutores. E representa uma das maiores mudanças em muitos anos, para um setor que impulsiona inovações em campos como inteligência artificial, carros autoguiados e hardware militar.

“O empacotamento é onde a ação vai acontecer”, disse Subramanian Iyer, professor de engenharia elétrica e de computação na Universidade da Califórnia em Los Angeles, que ajudou a criar o conceito do “chiplet”. Ele acrescenta que “isso está acontecendo porque, na verdade, não há outra maneira”.

O problema é que esse tipo de empacotamento, assim como a fabricação dos chips em si, é predominantemente dominado por empresas da Ásia. Embora os Estados Unidos respondam por cerca de 12% da produção mundial de semicondutores, empresas americanas fornecem apenas 3% dos pacotes de chips, de acordo com a IPC, uma associação setorial.

Essa questão agora colocou os “chiplets” no centro da formulação de políticas industriais dos Estados Unidos. O CHIPS Act, um pacote de subsídios de US$ 52 bilhões aprovado no terceiro trimestre do ano passado, foi visto como uma iniciativa do presidente Joe Biden para revigorar a produção doméstica de chips, fornecendo dinheiro para a construção de fábricas mais sofisticadas, conhecidas como “fabs”. Mas parte do pacote também tinha como objetivo estimular fábricas que se concentrem em empacotamento avançado nos Estados Unidos, para capturar uma fatia maior desse processo essencial.

“À medida que os chips ficam menores, a maneira de organizá-los, que é o empacotamento, se torna cada vez mais importante e precisamos que isso seja feito nos Estados Unidos”, disse a secretária do Comércio, Gina Raimondo, em um discurso na Universidade de Georgetown em fevereiro.

O Departamento do Comércio já está aceitando solicitações de subsídios para fabricação sob a CHIPS Act, e isso inclui fábricas de empacotamento de chips. Também está alocando fundos para um programa de pesquisa específico para empacotamento avançado.

Algumas empresas de empacotamento de chips estão agindo rapidamente para obter o financiamento. Uma delas é a Integra Technologies, em Wichita, Kansas, que anunciou planos para uma expansão de US$ 1,8 bilhão em suas instalações, mas disse que isso dependia do recebimento de subsídios federais. A Amkor Technology, um serviço de empacotamento do Arizona que tem a maior parte de suas operações na Ásia, também disse que estava conversando com clientes e autoridades governamentais sobre uma presença de produção nos Estados Unidos.

O empacotamento de chips não é um conceito novo e os “chiplets” são apenas a mais recente encarnação dessa ideia, usando avanços tecnológicos que ajudam a empacotar os chips mais próximos uns dos outros –lado a lado ou empilhados uns sobre os outros–, juntamente com conexões elétricas mais rápidas entre eles.

“O que é único nos ‘chiplets’ é a maneira como eles são conectados eletricamente”, disse Richard Otte, presidente-executivo da Promex Industries, um serviço de empacotamento de chips em Santa Clara, Califórnia.

Os chips não podem fazer coisa alguma sem uma maneira de conectá-los a outros componentes, o que significa que eles precisam ser colocados em algum tipo de pacote que possa transmitir sinais elétricos. Esse processo começa depois que as fábricas concluem a fase inicial de fabricação, que pode criar centenas de chips com base em uma bolacha de silício. Depois que essa bolacha é cortada, os chips individuais são normalmente colados a uma camada de base fundamental chamada substrato, capaz de conduzir sinais elétricos.

Essa combinação é então revestida com plástico protetor, formando um pacote que pode ser conectado a uma placa de circuito, que é essencial para a conexão com outros componentes em um sistema.

Originalmente, esses processos exigiam muito trabalho manual, o que levou as empresas do Vale do Silício a transferir o empacotamento para países asiáticos onde os salários são mais baixos, há mais de 50 anos. A maioria dos chips é normalmente enviada de avião para serviços de empacotamento em países como Taiwan, Malásia, Coréia do Sul e China.

Desde então, os avanços no empacotamento ganharam importância devido à diminuição dos retornos da Lei de Moore, o termo usado para resumir o processo de miniaturização de chips que, durante décadas, impulsionou o progresso no Vale do Silício. O nome dessa lei se deve a Gordon Moore, um dos fundadores da Intel, que em um artigo publicado em 1965 descreveu a rapidez com que as empresas seriam capazes de dobrar o número de transistores em um chip típico, o que permitiria melhora de desempenho a um custo menor.

Porém, atualmente, transistores menores não são necessariamente mais baratos, em parte porque a construção de fábricas para chips de ponta pode custar entre US$ 10 bilhões e US$ 20 bilhões. O projeto de chips grandes e complexos também é caro e eles tendem a sofrer mais defeitos de fabricação, em um momento no qual as empresas de áreas como a inteligência artificial generativa querem um número de transistores maior do que aquele que pode ser colocado, hoje, nos maiores chips que as máquinas de fabricação permitem.

“A resposta natural a isso é colocar mais coisas em um pacote”, disse Anirudh Devgan, presidente-executivo da Cadence Design Systems, cujo software é usado para projetar chips convencionais, bem como produtos no estilo dos “chiplets”.

A Synopsys, uma empresa rival, disse que estava acompanhando mais de 140 projetos de clientes baseados no empacotamento de vários chips em um só conjunto. Até 80% dos microprocessadores usarão design no estilo “chiplet”, até 2027, de acordo com o Yole Group, uma empresa de pesquisa de mercado.

AMD E OS 146 BILHÕES DE TRANSISTORES

Atualmente, as empresas geralmente projetam todos os “chiplets” em um pacote, juntamente com sua própria tecnologia de conexão. Mas organizações do setor estão trabalhando em padrões técnicos para que as empresas possam montar produtos mais facilmente com “chiplets” de diferentes fabricantes.

A nova tecnologia, hoje, é usada principalmente para desempenho extremo. A Intel apresentou recentemente um processador chamado Ponte Vecchio, com 47 “chiplets”, que será usado em um poderoso supercomputador no Argonne National Laboratory, perto de Chicago.

Em janeiro, a AMD divulgou planos para um produto incomum, o MI300, que combina “chiplets” padrão para cálculo com outros projetados para computação gráfica, juntamente com um grande conjunto de chips de memória. Esse processador, destinado a alimentar outro supercomputador avançado, no Lawrence Livermore National Laboratory, tem 146 bilhões de transistores, em comparação com as dezenas de bilhões presentes nos chips convencionais mais avançados.

Sam Naffziger, vice-presidente sênior da AMD, disse que não foi fácil para a empresa apostar nos “chiplets” em seu negócio de chips para servidores. As complexidades do empacotamento foram um grande obstáculo, disse ele, que acabou sendo superado com a ajuda de um parceiro não revelado.

Mas os “chiplets” valeram a pena para a AMD. A empresa já vendeu mais de 12 milhões de chips baseados na ideia, desde 2017, de acordo com a Mercury Research, e se tornou uma das principais fornecedoras dos microprocessadores que alimentam a web.

Os serviços de empacotamento ainda precisam de terceiros para fornecer os substratos necessários a que os “chiplets” se conectem às placas de circuito e uns aos outros. Uma empresa que está impulsionando o boom dos “chiplets” é a Taiwan Semiconductor Manufacturing, que já fabrica chips para a AMD e centenas de outras empresas e oferece um substrato avançado à base de silício conhecido como “interposer”.

A Intel vem desenvolvendo tecnologia semelhante, bem como aprimorando substratos plásticos convencionais mais baratos, em uma abordagem favorecida por alguns, como a startup Eliyan, do Vale do Silício. A Intel também vem desenvolvendo novos protótipos de empacotamento sob um programa do Pentágono, e espera obter apoio da CHIPS Act para uma nova fábrica piloto de empacotamento.

Mas os Estados Unidos não têm grandes fabricantes desses substratos, que são produzidos principalmente na Ásia e evoluíram a partir de tecnologias usadas na fabricação de placas de circuito. Muitas empresas americanas também deixaram esse negócio, outra preocupação que os grupos do setor esperam que estimule o financiamento federal a ajudar os fornecedores de placas a começar a fabricar substratos.

Em março, Biden determinou que a empacotamento avançado e a produção doméstica de placas de circuito eram essenciais para a segurança nacional e anunciou US$ 50 milhões em financiamento da Lei de Produção de Defesa para empresas americanas e canadenses dessas áreas.

Mesmo com os subsídios, reunir todos os elementos necessários para reduzir a dependência dos EUA com relação às empresas asiáticas “é um grande desafio”, disse Andreas Olofsson, que comandou um esforço de pesquisa do Departamento de Defesa nessa área antes de fundar uma startup de empacotamento chamada Zero ASIC. “Você não tem fornecedores. Você não tem uma força de trabalho. Você não tem equipamentos. É preciso mais ou menos começar do zero”.

https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2023/05/o-que-sao-os-chiplets-aposta-dos-eua-para-se-manterem-na-vanguarda-tecnologica.shtml

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