O Google anunciou recentemente que o “Modo IA”, sua nova ferramenta de inteligência artificial (IA), chegará ao Brasil em breve — nos EUA, ela está em funcionamento desde maio. Com a chegada, o recurso deve mudar a forma com que os usuários pesquisam e consomem informações no buscador, além de impactar profundamente o modelo de negócios de sites e publicações.
O recurso funciona como um chatbot de IA, fornecendo respostas em texto para perguntas e incluindo links quando necessário. Ele ficará localizado em uma aba dedicada da ferramenta de buscas, que quando acessada funcionará de forma muito parecida com o ChatGPT — o cérebro da ferramenta será o Gemini 2.5, principal modelo de IA da gigante. Se o usuário quiser, ele pode nunca mais encontrar o Google com o qual os usuários se acostumaram nas últimas décadas.
É uma evolução do AI Overview, que estreou no País há um ano e oferece respostas simplificadas antes da área de links do buscador. Segundo o Google, o novo recurso é uma é uma “expansão” dessa tecnologia, que já alcança mais de dois bilhões de pessoas no mundo todo. É também um caminho com potencial para mudar a maneira como pesquisamos e consumimos conteúdo e informações na internet.
O objetivo da big tech é fazer com que os usuários recebam instantaneamente uma resposta gerada por IA. Ou seja, sai a busca ativa pela web e entram conteúdos costurados a partir de vários sites na rede — a premissa é a de que o usuário não saia mais do lugar. “Nossa missão principal sempre foi e continuará sendo ajudar as pessoas a encontrar informações de qualidade na web. O Modo IA cumpre essa missão ao abrir novas oportunidades para a descoberta de conteúdo, permitindo que as pessoas continuem fazendo perguntas sobre assuntos de seu interesse”, diz Bruno Pôssas, vice-presidente global de engenharia para Busca do Google.
Informações na era da IA
Kenneth Corrêa, professor de MBA da Fundação Getulio Vargas (FGV), enxerga essa aposta do Google como uma tentativa de competir com chatbots como o ChatGPT. Segundo ele, desde a popularização da ferramenta da OpenAI, o Google registrou uma queda de 25% no volume de buscas. Ele lembra, no entanto, que a big tech continua com mais de 88 bilhões de buscas por mês, contra cerca de 1 bilhão do ChatGPT. “O Google está afastando as pessoas das fontes, totalmente influenciado pelo ChatGPT. O grande problema será os casos de alucinação de informação, que vemos em qualquer ferramenta de IA”, argumenta.
A chegada por aqui deve ganhar rápida adesão dos brasileiros. A OpenAI revelou recentemente que o Brasil é o terceiro país que mais usa o ChatGPT no mundo — são 50 milhões de acessos mensais. Assim, a expectativa é de que a implementação de um chatbot no buscador mais acessado do mundo fará com que as pessoas gradativamente consumam apenas o resumo dos conteúdos. “Isso vai encurtar a quantidade de informação que nós consumimos. Por outro lado, a ferramenta pode ser útil para perguntas pontuais”, diz Corrêa.
Marcelo Rech, jornalista e presidente-executivo da Associação Nacional de Jornais (ANJ), cita a hipótese do “adeus link azul”, que é o reflexo da redução de tráfego em links do Google por conta das respostas de IA. “O AI Overview já fornece respostas diretas nas buscas, satisfazendo muitos usuários sem a necessidade de clicar em links”, diz. A fala dele reflete a preocupação de todo o setor com a ampliação da ferramenta.
Impactos para o jornalismo
Em todo o mundo, o impacto do novo modelo já é sentido. Uma pesquisa global da Similarweb, publicada pela The Economist, aponta que o tráfego de buscas no mundo caiu em 15% entre junho de 2025 e o mesmo mês do ano passado. Além disso, o resultado de buscas de pesquisas, que não clicaram em links originais, subiu de 56% para 69%.
Segundo o Wall Street Journal, veículos americanos como Business Insider, Washington Post, HuffPost e o próprio WSJ, tiveram uma queda de 55% em tráfego orgânico via busca – de abril de 2022 a abril de 2025 -, reforçando o impacto negativo da IA generativa para os modelos jornalísticos.
É um caminho que parece acelerar o fenômeno “Google zero”, quando sites deixam de receber tráfego da ferramenta de buscas do Google. Até aqui, esses cliques foram um dos principais pilares econômicos da internet — há alguns anos, publishers já vem apontando para a diminuição desse volume, mas o Modo IA acendeu uma luz vermelha em todo o mundo.
Mesmo assim, o Google mantém o discurso de que a ferramenta de IA leva as pessoas a visitar uma maior diversidade de sites e passar mais tempo nas páginas que acessam. “Ao expandir os tipos de perguntas que as pessoas podem fazer, o Modo IA abre novas oportunidades para a descoberta de conteúdo, com links que incentivam cliques e direcionam tráfego para os criadores de conteúdo na internet. Em última análise, estamos confiantes de que continuaremos a priorizar e direcionar tráfego para a web mais do que qualquer outra empresa”, diz Pôssas.
Outra fonte de preocupação é a de uso não autorizado pelas IAs das informações publicadas pelos veículos de comunicação, embora o Google tenha acordos com veículos nacionais. Diversos jornais ao redor do mundo vem processando empresas de IA. No Brasil, a Folha de S. Paulo processou a OpenAI por violação de direitos autorais. Anteriormente, o The New York Times já havia processado a dona do ChatGPT. No Japão, dois dos principais jornais do país, Nikkei e Asahi Shimbun, estão processando a Perplexity AI.
