O transporte em bicicletas e patinetes elétricos vive um dilema. Por um lado, traz o benefício da mobilidade individual confortável, que não polui e ajuda a diminuir o trânsito nas grandes cidades. Mas a ausência de regulamentação preocupa analistas. Um estudo elaborado a partir da parceria entre a Fundación Mapfre e o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) mostra que a continuidade do uso desordenado tornará esses “veículos” cada vez mais perigosos.
É fácil perceber por que esses meios de locomoção são o sonho de consumo de muitos.
O Cebrap, um centro de pesquisas fundado por integrantes da área acadêmica, e a Fundación Mapfre, instituição sem fins lucrativos ligada à seguradora de origem espanhola, perceberam a necessidade de instigar a sociedade e o poder público para discutir como organizar melhor a circulação desses equipamentos. Para os pesquisadores, a onda dos patins tende a voltar com a força que mostrou antes da pandemia e as bicicletas elétricas, produto ainda caro, têm potencial de demanda com programas de uso compartilhado.
Equipamentos elétricos de pequeno porte, como patinetes, skates e similares, ainda não são definidos como veículos. Não exigem, portanto, habilitação do condutor. A regulamentação tem estudos e projetos de lei. Por enquanto, o uso deve seguir resolução do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), de 2013. Pela norma, patinetes não podem exceder 20 quilômetros por hora em ciclovias e ciclofaixas e seis quilômetros por hora em áreas de circulação de pedestres. Nas bicicletas elétricas, a potência máxima é de 350 watts e a velocidade permitida é até 25 quilômetros por hora.
Pesquisa da Associação Brasileira do Setor de Bicicletas (Aliança Bike) com 420 ciclistas, em 2020, mostrou os motivos: suar ou cansar menos aparece como principal razão, seguida por enfrentar subidas mais facilmente e, na sequência,
Apesar disso, não é raro encontrar quem já levou um susto com a velocidade com que certos condutores trafegam. Aconteceu recentemente com a própria representante da Fundación Mapfre no Brasil, Fátima Lima, enquanto caminhava no Brooklin, onde fica a sede da instituição e bairro de tráfego intenso de todos os tipos de veículos.
Na Fundación Mapfre desde sua criação no Brasil, há 30 anos, Lima diz que a instituição tem buscado provocar o debate em torno da “formação do cidadão e da convivência harmoniosa com o trânsito”. “Pesquisas são fundamentais para produzir informação para que possamos chegar a uma mobilidade mais segura, salvar vidas e seguir o caminho de nosso desafio maior que é zero acidentes no trânsito”, destaca.
O estudo inclui entrevistas com especialistas, informação técnica sobre os produtos e notícias de acidentes divulgadas na imprensa, além soluções encontradas em outros países. Há poucos dias, a imprensa europeia divulgou que a França orientou as empresas de compartilhamento de patinetes a limitar a velocidade dos equipamentos depois que uma mulher morreu ao bater a cabeça ao ser atropelada enquanto caminhava às margens do rio Sena.
O estudo feito no Brasil revela um contexto inseguro que inclui desde características dos produtos, o apelo da velocidade nos anúncios de venda, infratores que alteram o veículo para torná-lo mais veloz e a responsabilidade das empresas de serviços de compartilhamento para orientar o usuário não familiarizado com esse tipo de transporte.
Callil diz sentir falta de uma adaptação dos patinetes, todos importados, à realidade brasileira. “Os sistemas de freios e de suspensão e a largura das rodas deveriam levar em conta as condições do solo no país”, diz. Notícias mostram que a maioria dos acidentes é provocada por desequilíbrio.
Nos anúncios na internet, a velocidade que esses produtos podem alcançar (que passa de 40 ou 60 quilômetros), é um dos principais apelos de vendas. Callil lembra casos de empresas de compartilhamento que chegaram a instalar nos patinetes sistema para que a velocidade máxima não passasse de 15 quilômetros no caso de usuários de primeira viagem.
Outra preocupação é com o uso desses veículos por entregadores. Segundo Lima, a Fundación Mapfre planeja um estudo específico sobre o tema. Mas o estudo com o Cebrap já revela algumas percepções. É fácil entender os motivos que levam entregadores remunerados por volume de entregas a querer “voar”, se possível fosse.
Nesse caso, o veículo elétrico leva uma larga vantagem. Há um ano, uma parceria entre o iFood e a Tembici, empresa de compartilhamento, criou o chamado iFood Pedal para facilitar o uso das elétricas por entregadores de comida. Um levantamento feito com os cadastrados revelou aumento de eficiência de 25% nas rotas percorridas com modelos elétricos. “Trata-se de um veículo muito promissor na ajuda para reduzir o esforço físico, principalmente”, diz Callil.
Não existem dados sobre patinetes elétricos em circulação no país. No caso das bicicletas, as vendas têm crescido 30% ao ano e a frota alcançou 32 mil em 2020, segundo a Aliança Bike.
Para Callil, o custo das elétricas é o maior impedimento para entregadores e outros usuários com menor poder aquisitivo. Em geral, modelos com boa autonomia, chegam ao país a preços acima de R$ 3 mil. Ou muito além disso. Um sistema de compartilhamento organizado, com o envolvimento de vários agentes, como estacionamentos e restaurantes, diz o pesquisador, é a saída para promover a inclusão. “A mobilidade é uma dinâmica que envolve vários agentes”, diz.