Financial Times: A Netflix passou os últimos quase 20 anos revolucionando o mercado de TV, mas a mais recente inovação em sua programação – eventos ao vivo como a luta de boxe entre Mike Tyson e Jake Paul – tem sido uma prática comum das redes tradicionais desde a década de 50.
Agora, a empresa de streaming adicionará mais um formato da velha escola à sua programação: os programas de entrevista. Na semana passada, em uma apresentação repleta de estrelas em Hollywood, a Netflix anunciou que o comediante John Mulaney lançará um programa de variedades semanal ao vivo chamado “Everybody’s Live with John Mulaney”, em março.
“Se conseguirmos ser um décimo tão populares quanto qualquer programa da Coreia do Sul, seremos o maior ‘talk show’ de todos os tempos”, brincou Mulaney, referindo-se ao enorme público atraído pela série “Round 6” “, da Netflix.
A expansão da Netflix para programação ao vivo tem por objetivo impulsionar as receitas de seu ainda incipiente negócio de publicidadeoutro pilar do modelo clássico de TV. A empresa pôs fim à sua longa resistência à publicidade ao lançar opções mais baratas com anúncios em 2022, quando os investidores estavam preocupados com a desaceleração no crescimento do número de assinantes.
A iniciativa parece estar funcionando, apesar de alguns problemas técnicos menores que tiveram ampla repercussão.
Em novembro, a luta entre Tyson e Paul foi o evento esportivo mais visto por streaming da história e ajudou a estimular um forte aumento no número de novos assinantes da Netflix. No Natal, a transmissão de dois jogos da NFL, a liga de futebol americano profissional dos Estados Unidos, sendo um deles com uma apresentação de Beyoncé no intervalo, gerou US$ 180 milhões em publicidade no país, de acordo com a Bernstein.
Combinados, esses eventos ajudaram a Netflix a atingir um recorde de 19 milhões de novos assinantes no trimestre mais recente e a passar a ter um total de mais de 300 milhões.
A estratégia continua em 2025. Em janeiro, a Netflix estreou a transmissão ao vivo semanal do evento de luta profissional “Raw”, da World Wrestling Entertainment (WWE), fruto de um acordo de US$ 5 bilhões assinado entre as duas empresas em 2024. A WWE informou que seu público na Netflix foi o dobro do que tinha no acordo anterior na TV tradicional.
O contrato de dez anos com a WWE é o exemplo perfeito do tipo de programação ao vivo que a Netflix estava procurando, segundo a diretora de conteúdo da empresa de streaming Bela Bajaria. “Adoramos fazer algo que faça barulho, que seja surpreendente e que realmente gere muitas conversas”, disse ela ao “Financial Times”. “O [streaming] ao vivo é uma ótima ferramenta para expandir-se a diferentes tipos de programação.”
De acordo com Bajaria, a luta profissional é atraente para a Netflix porque tem uma base de torcedores leais de todas as idades e gera nova programação semanal durante todo o ano. São qualidades também atraentes para os anunciantes, ressaltam analistas.
“O objetivo da Netflix é fazer com que você esteja voltando constantemente, e a beleza de conteúdos como a WWE é que é novo toda segunda-feira”, disse Rich Greenfield, da empresa de análises LightShed Partners. “Para os anunciantes, a [atração] é que é ao vivo e você tem uma programação que funciona no mundo inteiro.”
A iniciativa de oferecer programação ao vivo coincide com um bom momento para a empresa. As ações da Netflix tiveram valorização de 83% em 2024 e acumulam alta de mais 10% em 2025, cotadas a US$ 981. Ainda assim, alguns analistas de Wall Street veem espaço para mais valorização.
“Eu, absolutamente, acredito que eles vão continuar com esse crescimento”, disse Laurent Yoon, analista da Bernstein. Yoon estima que o forte crescimento de assinantes terá sequência – em especial em mercados fora dos Estados Unidos, onde a participação da empresa é bem menor do que no mercado americano. “A Netflix recentemente provou ser um destino confiável para eventos ao vivo”, o que pode levar a maiores receitas publicitárias”, acrescentou.
A recuperação financeira observada após a chamada “Grande Correção” do preço das ações da Netflix, em 2022, parece ter ajudado a companhia a recuperar sua confiança.
Na semana passada, ao apresentar a programação de 2025 da Netflix, Bajaria deu uma alfinetada nas rivais de Hollywood por recorrerem a sequências, dizendo que a Netflix merece mais crédito por seus programas originais de “prestígio”.
“Não temos medo de dar passos grandes e ousados”, disse ela, citando o filme “Emilia Pérez”, que recebeu 13 indicações ao Oscar, inclusive a de Melhor Filme. “Acabamos de receber mais indicações ao Oscar do que qualquer outro estúdio.”
A empresa também transmitirá mais esportes ao vivo em 2025, entre os quais, novamente, os jogos da NFL no Natal. A Netflix também garantiu os direitos nos EUA para a Copa do Mundo feminina da Fifa em 2027 e 2031.
Agora que a Netflix mostrou ser capaz de atrair grandes públicos mundiais para eventos de esporte ao vivo, a dúvida é com que rapidez planeja expandir-se nesse campo – e quanto está disposta a investir.
O sucesso da luta de boxe, dos jogos da NFL e seus documentários populares sobre esportes têm alimentado especulações de que a Netflix assinaria mais acordos de transmissão com alguma grande liga profissional.
A empresa tem tentado conter esse tipo de rumor, citando o alto custo dos direitos esportivos. Yoon, da Bernstein, disse que pode imaginar a Netflix fechando acordos menores, com “esportes de nicho” capazes de engajar o público, mesmo se decidir abrir mão de contratos caros com ligas americanas de futebol, basquete, NFL ou beisebol.
Outras empresas de streaming têm investido pesado em direitos esportivos, como a Amazon, que em 2021 assinou acordo de cerca de US$ 1 bilhão por ano pelos direitos exclusivos dos jogos da NFL nas noites de quinta-feira. A Apple tem os direitos de transmissão de alguns jogos das ligas americanas de beisebol (MLB) e de futebol (MLS).
O coexecutivo-chefe da Netflix, Ted Sarandos, descartou várias vezes a compra de pacotes caros de direitos esportivos de longo prazo, embora em janeiro tenha dito estar “muito satisfeito a respeito de tudo” em seu contrato de transmissão de dois jogos da NFL em dezembro.
“Mas isso não muda realmente a realidade econômica básica de que os esportes de grandes ligas em temporadas completas são extremamente desafiadores”, disse Sarandos. “Se houvesse um caminho pelo qual pudéssemos fazer a lógica econômica funcionar tanto para nós quanto para a liga, certamente exploraríamos.” (Tradução de Sabino Ahumada)