Nas favelas, anúncios migram dos muros para as telas digitais

A empresa Novo Outdoor Social (Nós) ampliando o escopo de atuação. Agora, além de estampar publicidade em muros nas favelas, vai instalar anúncios em telas digitais em mercados e farmácias das periferias brasileiras.

A entrada na Seara Tecnológica acompanha a transformação digital das próprias comunidades. “Fizemos teste com 15 monitores para avaliar a receptividade tanto dos moradores quanto das marcas, e o resultado foi muito positivo. Depois ampliamos para 125 dispositivos em periferias de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte”, diz a fundadora Emilia Rabello, referindo-se a Paraisópolis, Heliópolis (SP), Rocinha (RJ) e Aglomerado da Serra (BH). As primeiras campanhas veiculadas foram da marca de beleza Avon e da instituição de ensino Anhanguera.

A Nós planeja acelerar a expansão para 265 telas da LG, e a expectativa é atingir uma audiência estimada de mais de 127 milhões de impressões mensais. “O próximo passo será alcançar um inventário de 400 dispositivos”, diz a executiva, sem dar data.

A Nós não é um caso isolado. A Comunidade Door, agência de comunicação do grupo Favela Holding, pretende entrar na seara de publicidade em mobiliário urbano no segundo semestre. “Vamos começar com projeto-piloto em São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Estamos neste momento definindo o parceiro que vai fazer a parte da veiculação das campanhas”, diz o presidente da companhia, Leo Ribeiro. Assim como a Nós, a ideia é dar contrapartida social para os comerciantes que aceitarem instalar os monitores em suas lojas.

“Também estamos estudando colocar painéis maiores ao redor dos campos de futebol de várzea. Já negociamos com 10 campos”, diz o executivo. No ano passado, a Door teve receita de cerca de R$ 8 milhões.

Para a Nós, essa nova frente do negócio deve apoiar o crescimento esperado de 15% da receita, para R$ 50 milhões, neste ano. “Nesse primeiro momento, a rede de telas deve representar cerca de 20% da nossa receita. Mas a ideia é ampliar o faturamento e fazer com que esse canal represente uma fatia cada vez maior no resultado.”

De acordo com Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mais recente, o Brasil tinha 12,3 mil favelas em 2022, quase o dobro do número da sondagem anterior, de 2010. Houve também um salto no total de pessoas que viviam nessas localidades no período, passando de 11,4 milhões para 16,4 milhões.

Diferentemente do que prega o senso comum, morar em periferia não é sinônimo de falta de renda. Levantamento da Nós aponta que as maiores favelas do país concentram classes econômicas B2 e C1. “Isso atesta que há poder aquisitivo nesses locais, ainda que muitas marcas não olhem para a periferia como lugar de consumo – e acabam perdendo oportunidades”, diz Rabello. Mas é aí que entra a mídia programática nas telas. Por esse modelo de “digital out-of-home” (DOOH), o anunciante contrata a veiculação de anúncios de acordo com parâmetros da audiência, como renda e gênero, por exemplo. O próprio sistema identifica onde há dispositivos que atendem o público-alvo e programa a veiculação das campanhas.

Com isso, diz Rabello, pode ser que algumas marcas entrem nasfavelas sem saber. “Acreditamos que a programática nas favelas não é só uma inovação – é uma virada de chave no jeito de comunicar com verdade e escala.”

Pesquisa da entidade de publicidade digital IAB Brasil, em parceria com a startup de tecnologia Galaxies, mostra que 71% dos anunciantes pretendem aumentar os investimentos no canal DOOH nos próximos meses, enquanto 28% devem manter o volume atual. O restante, ou 1%, planeja reduzir os gastos. O intuito de elevar os investimentos tem a ver com a baixa participação desse canal no orçamento das companhias.

Mas há desafios que vão além do preconceito, quando se fala em favelas. Rabello conta que uma vez a equipe da Nós estava com vários monitores de TV no carro e foi parada por traficantes. O medo deles era que se tratasse de carga roubada, o que poderia chamar a atenção da polícia e culminar em uma operação na comunidade. “Tivemos que explicar que eram telas legítimas”, disse.

Como a Nós é uma empresa que se propõe a fomentar negócio nas favelas, a estratégia também tem como objetivo apoiar financeiramente as comunidades. Os pequenos comerciantes que aceitam instalar os monitores digitais em seus negócios recebem ajuda de custo, além de espaço para veicular suas próprias mensagens publicitárias.

Desde que o projeto foi lançado, a companhia já distribuiu mais de R$ 300 mil para mais de 100 empreendedores. “É como se fosse aluguel do espaço para veicular a comunicação das marcas”, explica. A executiva acrescenta que os comerciantes locais não costumam usar essa estratégia de marketing. “O foco deles é o carro de som e o funcionário com microfone na porta das lojas, chamando as pessoas para entrar.”

https://valor.globo.com/empresas/noticia/2025/06/05/nas-favelas-anuncios-migram-dos-muros-para-as-telas-digitais.ghtml

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