Na publicidade, IA vira ferramenta para vender eletrodomésticos

Falar de inteligência artificial está na moda e a tecnologia – que ganhou popularidade mundial com o ChatGPT, aplicativo capaz de manter conversas e criar textos e imagens, entre outras tarefas – vem aparecendo como chamariz em campanhas de marketing de produtos de consumo.

Ao todo, foram identificados neste ano, até 3 de abril, 359 inserções na TV, na praça de São Paulo, que fazem menção à IA, segundo levantamento da empresa de pesquisa Tunad. O anunciante com maior número de inserções foi a empresa de software Salesforce, com 175 inserções. Mas usar a IA como instrumento de propaganda não é exclusividade do setor de tecnologia. As fabricantes de eletroeletrônicos são um exemplo dessa tendência.

Projetam investir R$ 5 bilhões no Brasil até 2027, segundo a associação do setor (Eletros). Boa parte disso será destinada à inovação de produtos e a IA é usada como ferramenta para atrair consumidores.

Contar com IA em lavadoras, refrigeradores e aparelhos de ar-condicionado é certamente um atrativo, mas não se trata da IA generativa, e sim de uma inteligência artificial mais restrita, conhecida como “Narrow AI” (IA estreita, em tradução livre), explicam especialistas consultados pelo Valor.“Falar que tem inteligência artificial no produto está na moda e acaba sendo um diferencial na hora da vender”, diz o coordenador dos cursos de graduação em Ciência da Computação, Sistemas de Informação e Inteligência Artificial e Ciência de Dados no Instituto Mauá de Tecnologia, Rudolf Bühler. Mas Bühler explica que não é a IA do ChatGPT, da OpenAI, e do Gemini, do Google – esta IA generativa é treinada com uma grande quantidade de dados e trabalha com probabilidades para gerar textos, códigos e imagens.

A IA mais simples, a “Narrow AI”, permite que os eletrodomésticos se adaptem ao perfil de uso do consumidor, a partir de um conjunto de estatísticas. “É como quando, após algum tempo de uso, o aplicativo de rotas Waze pergunta se você está indo para o trabalho nos dias úteis”, diz o professor. No caso dos equipamentos de linha branca com IA, eles já vêm treinados das fábrica com múltiplas probabilidades de uso.

Quase todo o portfólio da Panasonic conta com recursos de IA, tanto em máquinas de lavar roupas quanto em geladeiras. Os refrigeradores BB64 e BB65, por exemplo, possuem placas eletrônicas com processadores avançados e sensores inteligentes para otimizar o desempenho. “A maior capacidade de memória garante o processamento eficiente dos algoritmos de IA, que aprendem com o uso cotidiano para ajustar funções automaticamente”, diz a gerente de produtos para cozinha, Luisa Gimenes. A executiva acrescenta que esses modelos chegam a economizar mais de 43% de energia.

A LG inseriu recursos de IA em todo o portfólio de lavadoras e produtos “lava e seca” vendidos no Brasil. “As lavadoras com recursos de IA são equipadas com um chip desenvolvido pela LG que controla o motor acoplado na traseira do cesto de roupas e permite um controle mais preciso”, explica o gerente de produto de linha branca da companhia, Rodrygo Silveira.

O executivo contou que a empresa realizou “treinamento de IA” com 20 mil lavagens de diferentes tipos de roupas e acessórios e, com isso, criou uma base de dados que permite reconhecer tecidos e peças pela máquina. A LG também lançou, recentemente, recursos de IA na linha de aparelhos de ar-condicionado, sendo que o novo modelo ajusta a temperatura de acordo com a quantidade de pessoas no ambiente.

Não é de se estranhar que o consumidor esteja atraído pelas novidades em produtos de linha branca, mas ainda há confusão entre recursos de IA, de fato, e conectividade, que possibilita a comunicação do produto com outros dispositivos da casa por redes Wi-Fi ou pelo padrão sem fio Bluetooth. “A gente sabe que marcas usam o termo de IA para oferecer recursos de conectividade”, afirma Silveira, da LG.

No futuro, o uso de algoritmos de IA mais avançados permitirá que refrigeradores percebam quando alimentos estão estragando dentro da geladeira e avisem o consumidor, observa o professor do curso “Dominando a IA” na Fundação Vanzolini, Adriano Carezzato.“É um modelo probabilístico baseado em um volume de dados muito maior do que a ‘Narrow AI’, incluindo treinamento com imagens para detectar a alteração nos alimentos”, compara Carezzato. A barreira para um avanço mais refinado da IA em eletrodomésticos, segundo o professor, é o custo de treinamento e armazenamento de dados. “Deve haver um equilíbrio entre inovação e o custo dos dados”, alerta Carezzato. “Caso contrário, o próprio modelo [de inovação] pode matar o negócio”.

O interesse e o poder de compra dos consumidores podem ser outras barreiras. Segundo o professor da Fundação Getúlio Vargas, Leandro Guissoni, o cliente precisa ver vantagem em pagar mais por um produto tecnologicamente superior ao que ele está acostumado. “Para isso, é preciso entregar benefícios reais”, diz.Já o fundador da consultoria Decoupling, Thales Teixeira, questiona se o uso exagerado do termo IA em propagandas pode fazer o público parar de comparar as funcionalidades e desconfiar dos produtos. “Isso pode levar ao surgimento de casos de ‘IA washing’ ”, diz. Ou seja, dizer que o produto é dotado de inteligência artificial quando não é.

https://valor.globo.com/empresas/noticia/2025/04/07/na-publicidade-ia-e-ferramenta-para-ajudar-a-vender-eletrodomesticos.ghtml

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