México e Brasil hesitam enquanto cadeias de fornecimento de chips são recriadas

A América Latina é famosa por muitas coisas, que vão do realismo mágico até a Floresta Amazônica. A fabricação de semicondutores não é uma delas, mas talvez isso esteja mudando. Em julho do ano passado Estados Unidos e Costa Rica anunciaram que trabalhariam juntos para “diversificar e expandir o ecossistema global de semicondutores”. Dias mais tarde os EUA anunciaram uma parceria semelhante com o Panamá. A Intel, fabricante americana de chips, disse então que investiria US$ 1,2 bilhão na Costa Rica ao longo de dois anos. México e Brasil, as maiores economias da região, dizem ter ambições nesse setor.

O crescente interesse da América Latina na fabricação de chips é impulsionado pelas tentativas americanas de enfraquecer o controle asiático sobre o setor. Cerca de 75% dos chips do mundo são feitos no Japão, Coreia do Sul, China ou Taiwan. Isso frustra os governantes americanos, em parte porque desejam abrir empregos de manufatura para uma classe trabalhadora descontente, e em parte por temerem a dependência em relação a países que estariam dentro da potencial esfera de interesse da China para a obtenção de artigos tão vitais quanto os chips. O protecionismo suscitado por tais preocupações pode acabar fortalecendo a América Latina.

Para entender a razão, basta pensar em como são feitos os chips. Primeiro, é necessário projetá-los. O Vale do Silício domina essa parte do negócio, por meio de empresas como Apple, Nvidia e AMD. Na segunda etapa esses projetos são impressos em silicone, criando circuitos elétricos que fazem os cálculos por trás do feed das redes sociais mostrado nas telas dos celulares, ou do gerenciamento das baterias de veículos elétricos. Nesse ponto, os países asiáticos dominam. Na etapa final, os chips são montados para formar um componente eletrônico, envolto em uma proteção, subsequentemente testado para garantir seu funcionamento.

O governo americano está distribuindo bilhões em subsídios para estimular as empresas de chips a construírem fábricas no país. Até agosto, esses incentivos tinham atraído US$ 166 bilhões em capital de investimento. Mas a etapa de montagem, testagem e embalagem (ATP) exige mão de obra demais para ser lucrativa na economia americana, de salários elevados. Fabricar chips no Texas e no Arizona só resolve parte do problema da dependência em relação à Ásia se o produto precisa atravessar o Pacífico antes de ser usado. Mais de 95% das instalações de ATP estão localizadas na Ásia. Sozinha, a China controla 28% desse mercado.

É nesse ponto que a América Latina pode ajudar e receber ajuda. Os salários relativamente baixos tornam viáveis os investimentos em ATP, e o fuso horário compartilhado facilita a coordenação com empresas americanas. Até uma fatia ínfima de um setor que deve movimentar US$ 1 trilhão ao ano já em 2030 seria uma dádiva para economias em dificuldades. É verdade que o maior retorno no setor dos chips está nas etapas de projeto e manufatura, mas, conforme essa fabricação se torna cada vez mais cara, as empresas estão buscando formas mais avançadas de ATP para seguir na busca por melhorias. Para as economias asiáticas, esta foi uma boa maneira de escalar a cadeia de valor. Uma repetição do sucesso da Coreia do Sul ou Taiwan é improvável, mas países sem nenhuma indústria de chips precisam começar em algum lugar.

A instalação de ATP da Intel na Costa Rica tem agora cerca de 4.000 funcionários. O Panamá está trabalhando com a Universidade Arizona State para melhorar as habilidades de sua força de trabalho no setor dos semicondutores. São avanços estimulantes, mas países como Panamá e Costa Rica “provavelmente carecem das dimensões exigidas por um grande ecossistema de produção de chips”, observa Chris Miller, autor de Chip War, uma obra a respeito da indústria dos semicondutores. Para que a fabricação de chips transforme a América Latina, é necessário envolver peixes maiores.

Mas os peixes grandes estão encalhados. O México tem muito a ganhar com o reordenamento da cadeia de fornecimento de semicondutores, graças ao seu acordo de livre comércio com os EUA. O país tem um longo histórico de montagem de componentes eletrônicos. As fabricantes de chips deveriam estar formando fila para investir, mas não estão.

Um problema está no fato de a fabricação de chips consumir muita água, e o México vive uma situação de seca perigosa. Outra questão é a liderança. “No Sudeste Asiático e na Índia, existe apoio do alto escalão político aos investimentos em semicondutores”, diz Miller. A ausência disso no México reduz a eficácia das eventuais políticas de apoio. Em outubro, o México anunciou isenções fiscais de até 83% para alguns investimentos em ATP. Foi algo atraente para as empresas de chips, mas pouco fez para diminuir a incerteza. Às fabricantes de chips resta esperar que os mexicanos elejam um presidente mais favorável aos chips em junho, quando votarem.

O Brasil também parece patinar em relação aos semicondutores. Por mais absurdo que soe, suas autoridades falam em “autonomia” no setor de semicondutores, algo impossível para qualquer país, em, vez de tentarem abrir algum espaço para si, por menor que seja, na cadeia de fornecimento. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva passou quase um ano conversando com a China a respeito de chips, mas não apresentou nada de concreto até o momento.

Enquanto ele e outras lideranças latino-americanas hesitam, os cofres das operações de ATP na Ásia estão transbordando. Intel e Infineon, uma fabricante de chips alemã, estão gastando cerca de US$ 22 bilhões na construção de novas instalações de embalagem de chips na Malásia. Vietnã e Índia também garantiram grandes projetos. “A América Latina está perdendo uma grande oportunidade”, diz Miller. “A janela para agir está se fechando rapidamente.”

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