Irã propõe outro caminho para acordo nuclear com os EUA

Irã propôs a criação de uma iniciativa conjunta de enriquecimento atômico envolvendo países árabes e investimentos americanos como alternativa à exigência de Washington de desmantelar seu programa nuclear, de acordo com quatro autoridades iranianas familiarizadas com o plano.

O ministro das Relações Exteriores do Irã, Abbas Araghchi, propôs a ideia a um enviado especial dos Estados Unidos, Steve Witkoff, quando durante negociações diretas e indiretas em Omã, no domingo, de acordo com as quatro autoridades iranianas. As fontes pediram para não ser identificadas por discutir questões sensíveis.

Na terça-feira, vários meios de comunicação iranianos publicaram notícias de primeira página sobre um “novo plano do Irã na mesa de negociações”. Um desses veículos, o jornal Farhikhtegan, afiliado ao Corpo de Guardas da Revolução Islâmica, levantou a questão sobre a proposta ser “um serviço ou uma traição”.

Um porta-voz de Witkoff, Eddie Vasquez, negou na terça-feira que a proposta tenha sido discutida nas conversas. “A alegação de fontes não identificadas sobre a ideia de uma iniciativa conjunta de enriquecimento nuclear ter figurado na última rodada de negociações com o Irã em Omã é completamente falsa”, disse ele. “Isso nunca foi aventado nem discutido.”

Não ficou imediatamente claro o grau de viabilidade de uma iniciativa nuclear regional envolvendo o Irã e dois de seus maiores rivais, a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos.

Irã e EUA não mantêm relações diplomáticas há 45 anos, e empresas privadas americanas também podem relutar em investir nos reatores atômicos do Irã.

O presidente Donald Trump, em visita à Arábia Saudita, na terça-feira, criticou o Irã por seu apoio a grupos militantes no Oriente Médio, mas disse que uma resolução diplomática com o Irã tornaria a região mais segura.

“Quero fazer um acordo com o Irã”, disse Trump. “Se puder fazer um acordo com o Irã, eu ficarei muito feliz se formos tornar sua região e o mundo mais seguros.”

Mas os líderes iranianos, alertou Trump, precisam tomar uma decisão logo, senão enfrentarão ainda mais pressão econômica com sanções. “Agora é a hora certa para eles escolherem”, disse ele. “Neste momento, não temos muito tempo para esperar.”

A proposta do Irã implica no estabelecimento de um consórcio nuclear envolvendo três países, segundo o qual o Irã enriqueceria urânio a um nível baixo, insuficiente para a fabricação de armas nucleares, e então enviaria o material a outros países árabes para uso civil, de acordo com quatro autoridades iranianas e reportagens.

Termos que permitam ao Irã enriquecer urânio a 3,67% se assemelhariam ao acordo nuclear de 2015 entre o Irã e potências mundiais. Mas uma grande diferença seria a presença local de representantes de outros países — talvez até dos EUA — para fornecer uma camada extra de supervisão e envolvimento.

As quatro autoridades iranianas disseram que, diferentemente do acordo nuclear de 2015, que previa uma data de expiração de 15 anos, o plano da iniciativa conjunta regional seria permanente. Isso permitiria a Trump, que retirou os EUA do pacto anterior, argumentar que conseguiu significativamente mais do Irã do que o ex-presidente Barack Obama.

Ali Vaez, diretor para estudos sobre Irã do International Crisis Group, disse que, apesar da ideia sobre a iniciativa nuclear ser nova e não ter sido testada, os negociadores precisavam tentar uma abordagem diferente. “Eles basicamente estão num ponto em que precisam ir além de um máximo em demandas de soma zero para que ambos os lados possam manter as aparências”, disse ele.

Antes das negociações de domingo em Omã, parecia que o Irã e os EUA rumavam para um impasse, o que aumentaria o risco de um confronto militar. Autoridades iranianas e americanas disseram que pretendem evitar a guerra e resolver a questão diplomaticamente.

Após semanas de comentários contraditórios sobre o que exatamente Washington está exigindo de Teerã, Witkoff disse em entrevista ao Breitbart News que os EUA buscam desmantelar completamente o programa nuclear do Irã, ou seja, impedir qualquer enriquecimento de urânio, e fechar suas três principais instalações atômicas, em Natanz, Fordow e Isfahan.

Autoridades iranianas disseram muitas vezes que encerrar o programa nuclear seria inaceitável, e Araghchi, o ministro das Relações Exteriores, respondeu rapidamente a Witkoff em declarações aos meios de comunicação iranianos. O Irã, afirmou ele, pagou “com sangue” por seu programa nuclear civil — uma referência aos seus cientistas nucleares assassinados por Israel. O direito de Teerã enriquecer urânio até o nível civil, disse ele, é uma questão de “orgulho nacional” inegociável.

Mas depois que Witkoff e Araghchi se encontraram por três horas em Omã, ambos os lados adotaram um tom conciliador, relatando que as negociações foram produtivas e promissoras. Eles disseram que as negociações prosseguiriam com equipes técnicas especializadas que normalmente negociam detalhes sobre instalações nucleares e questões financeiras relacionadas ao alívio de sanções.

O ministro das Relações Exteriores de Omã, Badr Albusaidi, declarou numa publicação em redes sociais que as negociações de domingo incluíram “ideias úteis e originais que refletem um desejo comum de chegar a um acordo honroso”.

Araghchi visitou a Arábia Saudita antes de se encontrar com os americanos e viajou para os EAU imediatamente após se reunir com Witkoff.

Não ficou imediatamente claro se a Arábia Saudita e os EAU estão interessados em uma iniciativa nuclear conjunta com o Irã.

Ambos os países árabes disseram estar ávidos por um acordo entre Teerã e Washington para evitar uma guerra regional, mas que também têm ambições próprias de desenvolver programas nucleares civis.

Em 2020, os EAU se tornaram o primeiro país árabe a inaugurar uma usina nuclear, alegando que precisam de energia nuclear para reduzir sua dependência do petróleo, mas seu acordo com Washington lhes proíbe de enriquecer urânio — o que levanta preocupações sobre uma possível corrida nuclear entre as nações árabes.

O ex-diplomata iraniano Seyed Hossein Mousavian, que integrou a equipe de negociação nuclear de Teerã em 2015, discorreu pela primeira vez sobre a ideia de um consórcio nuclear regional em 2023, em um artigo publicado pelo Boletim dos Cientistas Atômicos. Mousavian, agora acadêmico de Princeton, escreveu juntamente com o físico Frank von Hippel, da mesma universidade.

Em entrevista, Mousavian afirmou que, se avançar, a proposta levará em conta várias preocupações dos EUA, o que eliminaria a ameaça imediata do programa nuclear do Irã ao reduzir sua capacidade de enriquecimento de urânio e estoque de material radioativo. Mousavian disse que o texto também abordará preocupações de longo prazo sobre o Irã mudar de curso, como ocorreu um ano depois de Trump retirar os EUA do acordo nuclear, em 2018.

“Se Trump anunciar um acordo nuclear regional, será uma grande vitória”, disse Mousavian. “Ele elimina a ameaça imediata e futura de Teerã, contém ambições de enriquecimento de urânio na região e traz novos acordos para os americanos.”

https://www.estadao.com.br/internacional/ira-propoe-um-novo-caminho-para-acordo-nuclear-com-os-eua

Comentários estão desabilitados para essa publicação