Inflação retorna ao topo da lista de temores nos Estados Unidos

Relaxe. Depois de meses de disputas performáticas, os exibicionistas da política dos Estados Unidos finalmente concordaram em dar ao país mais liberdade para tomar empréstimos, uma medida que acaba com o risco de um calote potencialmente cataclísmico sobre os títulos do governo. 

Evitar um desastre no principal ativo mundial classificado como “livre de risco” é a vitória do bom senso. Se você está muito investido na fabricante de chips Nvidia e outros grandes nomes do setor de tecnologia dos EUA, está vivendo a melhor fase da sua vida, independentemente de toda essa pantomima. Para os outros, o acordo sobre o teto da dívida é uma rara notícia boa em um ano preocupante, conforme resumiu bem o HSBC. 

“Recapitular os primeiros cinco meses de 2023 parece mais uma lista de canções alarmistas do que qualquer outra coisa”, escreveu em relatório Max Kettner, principal estrategista multiativos do banco. Além da disputa pelo teto da dívida, os gestores tiveram de lidar com falências de bancos, alarmes sobre um aperto de crédito e alertas constantes sobre um show de horrores nos lucros corporativos. 

Mas os mercados de risco continuaram subindo mesmo assim. Claro, as ações dos EUA em particular são dominadas por um pequeno grupo de nomes que voam alto, sem os quais elas estariam estacionadas este ano. As opiniões estão divididas sobre se isso, por si só, é um motivo de alarme. Em todo caso, o S&P 500 subiu cerca de 10% em 2023 até agora, apesar da longa lista de riscos sobre um desastre iminente. Até mesmo Kettner, que ao longo do ano tem sido um otimista em relação aos preços dos ativos de risco, teme que isso possa ter ido longe demais. 

A questão agora é se a eliminação de um calote dos EUA da agenda abre caminho para novos ralis vigorosos nas ações americanas e mesmo globais. A sensação é a de que isso é uma precondição necessária, mas provavelmente não suficiente por si só. 

“O rali precisa de mais”, escreveu Mark Haefele, diretor de investimentos da UBS Global Wealth Management. “Embora a perspectiva da resolução do teto da dívida seja positiva para o sentimento de risco e possa apoiar as ações no curto prazo, ainda achamos que o equilíbrio risco-recompensa para as ações dos EUA como um todo continua desfavorável em meio aos desafios macroeconômicos.” 

Correndo o risco de soar como um disco arranhado, no topo dessa lista de desafios macro está a inflação, a força corrosiva que mastigou e cuspiu gestores de fundos no ano passado, afetando tanto as ações quanto os bônus. Poucos estão interessados em uma reprise. 

As evidências de que a temida palavra que começa com a letra “i” simplesmente não está recuando estão por toda parte. O Reino Unido é uma espécie de exceção. Mas o núcleo da inflação está se mostrando irritantemente rígido e os preços dos alimentos subiram quase 20% no último ano. Enquanto isso, a medida de inflação favorita do Fed – os dados sobre os gastos pessoais de consumo – ainda está em alta. O rápido retorno a uma inflação baixa e, o que é mais importante, estável, é algo que se recusa teimosamente a se concretizar. 

“As pessoas falam sobre o pico da inflação, mas não veem as próximas ondas chegando”, diz Frédéric Leroux, da Carmignac de Paris. “Tivemos o primeiro pico, mas ainda haverá uma série deles nos próximos anos.” Com muita frequência, diz, investidores e analistas deduzem que a aceleração rápida nos aumentos de preços após os “lockdowns” da era da covid-19 teve uma fonte solucionável (o fechamento e reabertura das cadeias de suprimentos) e outra menos solucionável: a guerra na Ucrânia. 

“O mercado entende que a inflação é transitória, mas não é”, afirma Leroux. Para ele, isso reforça a defesa de uma gestão de fundos ativa, em vez de passiva, para um afastamento das “growth stocks” (de ações de crescimento), especialmente nos EUA, em direção aos bolsões de valor desprezados. Leroux está sendo atraído pelo Japão, Europa e Ásia. “Temos essa grande onda [de interesse do investidor] do oeste para o leste”, diz ele. 

Michael Saunders, um ex-membro do comitê de política monetária do Banco da Inglaterra e hoje consultor sênior de política da Oxford Economics, sugere que isso pode ser um pouco pessimista. “A inflação não vai desaparecer tão rapidamente quanto veio. A ‘desinflação imaculada’, em que há um disparo para cima e depois uma queda, parece menos plausível agora. Mas eu acredito que os bancos centrais acabarão chegando lá. Portanto, não teremos uma inflação estruturalmente maior, mas teremos taxas de juros estruturalmente mais altas para garantir que ela não seja persistente.” 

Essa mensagem está sendo deixada de lado. As expectativas de um corte dos juros nos EUA para amenizar as tensões no sistema bancário estão agora se dissipando. Os mercados futuros passaram da expectativa de que o próximo movimento do Fed será trazer um alívio com um corte nas taxas, para uma chance em três de alta. A inflação continua no “topo da parada de sucessos”.

https://valor.globo.com/financas/noticia/2023/06/05/inflacao-retorna-ao-topo-da-lista-de-temores-nos-estados-unidos.ghtml

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