Um dos jornalistas mais importantes da história da imprensa brasileira, Alberto Dines morreu ontem aos 86 anos. Influenciou gerações de profissionais desde os anos 60, esteve à frente de uma paradigmática revolução jornalística, resistiu com coragem e criatividade à censura durante a ditadura militar e introduziu no Brasil a prática da crítica à imprensa – apenas para citar alguns de seus feitos.
Nascido em 1932 no Rio de Janeiro, o filho de judeus ucranianos, ainda adolescente, foi militante de um movimento sionista de esquerda, antes da formação do Estado de Israel. Embora fugaz, a experiência ajudou-o a moldar a visão de mundo e calibrar a perspectiva política.
Sem formação escolar – porque “diploma era coisa de burguesia” – Dines começou a trabalhar cedo. No início dos anos 50, largou o equivalente do ensino médio para se tornar crítico da revista “Cena Muda”, num tempo em que o cinema engatinhava no Brasil.
Não demorou para começar a escrever na recém-lançada revista “Visão”, o primeiro de uma série de veículos em que publicou reportagens. Passou por “Manchete”, “Última Hora”, “Diário da Noite” e “Tribuna da Imprensa”. Essa é, por assim, dizer, a pré-história de Dines.
A história pela qual ele inscreveu seu nome no jornalismo começa em 6 de janeiro de 1962, quando assume a direção do “Jornal do Brasil”. Embora a revolução editorial e gráfica já tivesse sido feita – foi deflagrada por Odylo Costa e aprofundada por Janio de Freitas – um “JB” moderno e elegante ainda sofria com os efeitos negativos do romantismo que marcou aquela fase.
Sob Dines, o jornal se profissionalizou, consolidando as mudanças e introduzindo métodos e processos aprendidos em temporada de quatro meses nos Estados Unidos, na Universidade Columbia, com direito a estágio no “The New York Times”. Com o aprendizado, criou a divisão por editorias, organizou a produção, montou um departamento de arquivo e pesquisa, investiu na qualidade do texto – um modelo até então inexistente no Brasil e que desde então a melhor imprensa procura seguir.
Doze anos depois, em 1973, quando foi demitido – não por acaso durante o período mais sombrio da ditadura -, Dines deixou como legado o jornal mais importante do país, condição que em breve o “JB” perderia.
Toda a ousadia do “JB” pode ser sintetizada em duas capas antológicas de Dines. Um dia depois da decretação do AI-5, em dezembro de 1968, com militares circulando pela redação, o jornalista denunciou a censura na primeira página ao escrever na previsão do clima: “Tempo Negro. Temperatura sufocante. O ar está irrespirável. O país está sendo varrido por fortes ventos”. Naquele ano, chegou a ser preso por alguns dias, depois de fazer um discurso crítico à ditadura a uma plateia de estudantes.
Anos mais tarde, em 11 de setembro de 1973, fez de conta que obedeceu a orientação da censura e, no dia seguinte, não deu manchete sobre o golpe no Chile, que derrubou o governo socialista de Salvador Allende. Mas contou toda a história na primeira página, em letras grandes, num texto sem título. Foi aí, aliás, que o editor começou a cair.
Dines passou então uma temporada nos EUA antes de, em 1975, aceitar um convite de Cláudio Abramo para fazer parte da equipe que iniciava a primeira grande mudança da “Folha de S.Paulo”. Voltou para o Brasil e se instalou no Rio, onde passou a chefiar a sucursal do jornal.
Seu trabalho de maior visibilidade no período, porém, foi a criação de uma coluna semanal chamada “Jornal dos Jornais”, em que passou a praticar a crítica à imprensa, nos moldes do que se fazia nos EUA. A iniciativa foi o embrião da figura do ombudsman, que a “Folha” criaria nos anos 80.
Sua análise sobre o jornalismo já havia influenciado estudantes e profissionais desde que, em 1974, publicara “O Papel do Jornal”, livro básico e amplamente consultado sobre a técnica, a ética e os meandros da atividade.
O interesse pelo estudo do jornalismo o levou a lecionar e, sobretudo, a criar o “Observatório da Imprensa”, que se propõe a fazer uma leitura crítica da mídia, e o Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Universidade de Campinas.
Dines foi também autor de vários outros livros. Em 1981, publicou “Morte no Paraíso, a Tragédia de Stefan Zweig”, que ele acreditava ser precursor das muitas biografias escritas desde então.
Dez anos depois, após longa temporada em Portugal, concluiu outro projeto ambicioso, “Vínculos do Fogo – Antônio José da Silva, o Judeu, e outras Histórias da Inquisição em Portugal e no Brasil”.
Certa vez, quando lhe pediram para definir o que é jornalismo, disse: “É um estado de espírito, uma disposição existencial. É uma disponibilidade para a vida, uma vocação de participação, ainda que não intervencionista. É também uma atividade eminentemente cultural. Eu chamo de arte”.
Depois de dez dias de internação, Dines morreu de pneumonia no hospital Albert Einstein, em São Paulo. Deixa quatro filhos e a mulher, a jornalista Norma Couri. Ele será enterrado no cemitério israelita de Embu das Artes.
Oscar Pilagallo, jornalista, é autor de “História da Imprensa Paulista”