Guerra na Ucrânia racha G20 e opõe países ricos e emergentes

A guerra na Ucrânia abriu um racha entre as potências ocidentais e os países emergentes no G20 —grupo das maiores economias do mundo— e já faz negociadores dos Estados-membros colocarem em dúvida a viabilidade da cúpula de líderes de novembro, na Indonésia.

Interlocutores de diferentes governos ressaltam que, caso o conflito se prolongue pelos próximos meses, será inviável que o presidente dos EUA, Joe Biden, e aliados europeus se disponham a viajar para a ilha de Bali caso o líder russo Vladimir Putin ou outras autoridades de Moscou estejam entre os convidados.

A última cúpula do G20 foi realizada no final do ano passado, em Roma, com a presença do brasileiro Jair Bolsonaro (PL). Putin não participou presencialmente, por evitar deslocamentos internacionais em meio a preocupações ligadas à disseminação do coronavírus. Ele enviou uma mensagem gravada.

A divisão na organização ficou evidente em uma recente reunião técnica, no final de fevereiro, convocada pela Indonésia. O encontro ocorreu entre os chamados sherpas, diplomatas que conduzem anualmente os trabalhos do grupo até a realização da reunião de chefes de Estado.

A ideia de Jacarta era que a videoconferência de sherpas passasse ao largo da guerra na Ucrânia, com o diálogo centrado na agenda de cooperação lançada pela presidência rotativa —sob o lema de uma recuperação econômica pós-pandemia mais forte e sustentável. No entanto, as delegações dos EUA e de europeus defenderam que o G20 tomasse uma série de ações contra a invasão russa.

Primeiro, pediram que o grupo condenasse em termos duros a agressão de Moscou, argumentando que o colegiado deveria emitir uma declaração conjunta ratificando a recente resolução aprovada pela Assembleia-Geral da ONU com críticas à operação militar. Eles também pressionaram por um apoio ao pacote de sanções contra Putin, figuras-chaves do regime e a economia do país.

O argumento central era o de que o G20 não pode seguir com sua agenda de trabalho e ignorar a crise no Leste Europeu, numa ofensiva diplomática que integra um esforço de governos ocidentais para promover, em diferentes organizações internacionais, a estratégia de isolamento total contra o presidente russo.

Entre as nações que endossaram essa postura na reunião de sherpas estavam Alemanha, França, Itália, Reino Unido e Canadá, além da delegação que representa a União Europeia. A ação dos países ricos, no entanto, rachou os membros do G20. Os emergentes, incluindo o Brasil, não embarcaram na proposta.

O grupo das maiores economias do mundo não tem secretariado ou estrutura própria —todas as decisões precisam ser adotadas por consenso. A reação mais enérgica, como era de se esperar, veio dos diplomatas russos. Eles alegaram que a posição do Ocidente demonstrava parcialidade e afirmaram que, como membros plenos do G20, vetariam qualquer esboço de declaração contra o governo Putin.

Mas a divisão foi além da delegação de Moscou. Diplomatas de China, Índia, Arábia Saudita e Turquia afirmaram que o G20 não é o fórum adequado para debates de questões geopolíticas e que a organização deveria permanecer centrada em assuntos da economia global —o Brasil se alinhou a esses países.

Questionado sobre o tema, o Itamaraty afirmou que, na reunião técnica, o embaixador Sarquis José Buainain Sarquis “defendeu que o G20 se mantenha focado em seu objetivo de diálogo e cooperação econômica, financeira e de desenvolvimento, levando adiante seus trabalhos na matéria”.

O diplomata brasileiro, ainda segundo a pasta, disse durante o encontro que a posição brasileira sobre o conflito tem sido manifestada no Conselho de Segurança e na Assembleia-Geral da ONU. “[Sarquis] acrescentou que o Brasil tem apoiado não só o fim imediato das hostilidades, mas também a construção de uma paz duradoura.”

Nas Nações Unidas, o Brasil votou a favor de resoluções que condenam a ação militar da Rússia contra a Ucrânia. Mas o país também tem registrado em suas manifestações o descontentamento com o teor dos textos, considerados pouco equilibrados e, por vezes, pouco construtivos na hostilidade a Moscou.

Sob condição de anonimato, interlocutores ouvidos pela Folha ressaltam que o Brasil resiste à tentativa de EUA e aliados de usar diferentes fóruns internacionais para criticar a ofensiva militar do Kremlin. Na visão brasileira, assuntos de paz e segurança deveriam ficar concentrados no Conselho de Segurança —no qual o país cumpre mandato temporário— ou na Assembleia-Geral da ONU.

O descontentamento ficou evidente no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, instância na qual o país foi favorável à criação de uma comissão internacional de inquérito sobre violações a direitos humanos após a invasão. O chefe da delegação brasileira em Genebra, Tovar da Silva Nunes, disse ao votar em 4 de março que o Brasil defendia um “projeto mais equilibrado”.

“Também estamos frustrados com o fato de que nossos comentários sobre linguagem-chave sobre paz e segurança não foram devidamente levados em consideração. O texto ainda contém uma série de referências que seriam mais bem abordadas em outros foros da ONU”, afirmou o diplomata na ocasião.

https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2022/03/guerra-na-ucrania-racha-g20-e-opoe-paises-ricos-e-emergentes.shtml

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