Guerra comercial já afeta os países emergentes

Nos últimos 30 anos, muitas economias emergentes contaram com seu papel no comércio e nas cadeias de suprimentos globais para impulsionar o crescimento – mas agora são prejudicadas por uma ruptura provocada pelo acirramento na guerra comercial entre EUA e China.
As consequências estão comprometendo as projeções de crescimento em todo o mundo, desde os países produtores de commodities da América Latina até fabricantes de confecções e produtos eletrônicos da Ásia.
A guerra comercial que se intensifica vem beneficiando algumas economias emergentes – como Vietnã, Coreia do Sul e Taiwan -, com as empresas transferindo sua produção da China. Mas isso não está sendo suficiente para neutralizar o impacto total da desaceleração do comércio mundial e da economia chinesa.
O comércio mundial caiu 1,9% no período de três meses até fevereiro, comparado com igual período de 2018, segundo o Departamento de Análise de Política Econômica da Holanda. Fevereiro marcou o terceiro mês consecutivo de retração, e a maior queda do gênero desde a crise financeira.
“Os problemas enfrentados pelos mercados emergentes estão ganhando força”, disse Hung Tran, do Atlantic Council de Washington.
Em consequência disso, as economias emergentes deverão crescer 4,4% neste ano, de acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) – menor taxa desde 2015. A desaceleração atinge em especial as economias emergentes da Ásia, que deverão registrar a menor taxa de expansão desde 2001, de 6,3%, segundo projeções do fundo.
“A Ásia emergente ainda é uma parte do mundo de crescimento acelerado, mas sua expansão ficará abaixo das expectativas”, avalia William Jackson, da Capital Economics.
Sergi Lanau, economista do Instituto de Finanças Internacionais (IIF), observou que as perspectivas melhoraram um pouco desde o pessimismo do início do ano, quando alguns analistas temiam que o mundo entraria em recessão. Ele prevê “um crescimento quase estável” para as economias emergentes neste ano.
“É muito diferente do que as pessoas contemplavam dois meses atrás, quando as histórias soavam muito como o risco de uma recessão mundial”, disse ele, embora admitisse que a previsão “não era uma melhora” em seu desempenho recente.
O foco na política pública interna da China reforça as dificuldades enfrentadas por seus parceiros comerciais.
A mudança da China de um crescimento puxado pelos investimentos para o consumo reduziu a demanda por commodities e o país está transformando sua indústria manufatureira. O plano “Made in China 2025” do governo chinês pretende aumentar a parcela de componentes e matérias-primas que são produzidas internamente para 40% no próximo ano e para 70% até 2025.
Assim, a China, o principal motor do crescimento mundial por mais de uma década, vai importar menos do restante do mundo, principalmente de seus fornecedores tradicionais de outros mercados emergentes.
“Essas mudanças estão reduzindo o papel das cadeias mundiais de suprimentos, independentemente das tarifas dos EUA”, segundo Tran.
Isso é exacerbado pelo desaquecimento econômico da China. O ritmo de expansão do país caiu em todos os anos desde 2010, e Jackson estima que será “mais fraco do que muitas pessoas pensam” nos próximos meses. “Para o restante do mundo emergente, esse é um obstáculo que pode impedir uma ampla recuperação.”
Isso ocorre num momento que vários países emergentes estão atolados em dificuldades internas.
A Argentina e a Turquia ainda não saíram das crises cambiais do ano passado, quando os desequilíbrios em suas contas ficaram evidentes diante de um dólar mais forte e pela adoção de políticas equivocadas por seus governo.
O crescimento do Brasil continua estagnado, com os investidores perdendo a confiança no novo governo. Incertezas políticas também atormentam o México. A Rússia impressionou muitos analistas ao manter a disciplina fiscal sob as sanções do ocidente, mas isso levou a uma significativa queda na renda das famílias e no consumo.
Alguns dos raros casos de sucesso no mundo emergente são dos países que se beneficiaram do distanciamento do comércio dos EUA em relação à China.
No primeiro trimestre deste ano, as importações pelos EUA da Coreia do Sul e de Taiwan aumentaram 20%, comparativamente ao mesmo período do ano passado, enquanto as importações americanas de produtos do Vietnã cresceram 40%. O total das importações americanas de países asiáticos aumentou 12%.
O efeito é especialmente forte no caso dos produtos afetados pelas tarifas. Os equipamentos de telefonia importados do Vietnã pelos EUA quase triplicaram nos três primeiros meses de 2019, em termos ano a ano, enquanto as importações de computadores e de componentes quase duplicaram.
Os componentes de máquinas de escritório importados pelos EUA da Coreia do Sul quase duplicaram, e as importações de equipamentos telefônicos cresceram 30%. A importação de componentes de computador de Taiwan dobrou, enquanto a de maquinário de escritório originário do país praticamente triplicou.
Mas a dispersão do comércio exterior ainda é muito pequena para compensar os países das perdas geradas pela contração de suas exportações para a China – sua principal parceira comercial. Os volumes das exportações de todos os países asiáticos desaceleraram ou contraíram no primeiro trimestre.
“Os parceiros comerciais asiáticos da China estão entre os que mais perdem com a guerra comercial”, disse o economista Adam Slater, da Oxford Economics.
Tran, do Atlantic Council, diz que não se pode ignorar os sinais de alerta. “Pode-se imaginar uma tempestade perfeita para os emergentes; ela não está sobre nós, mas o risco é crescente.”

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