Dos 18 anos de Google no Brasil, Fábio Coelho esteve à frente da operação por 13 deles. Nesse período, o presidente da empresa no País viu transformações importantes no mundo tecnológico, como a chegada dos dispositivos móveis, a popularização dos apps, o crescimento das discussões sobre regulação e adoção massiva de serviços e plataformas digitais. Agora, ele navega em uma das ondas que prometem mais impacto para as próximas décadas: a popularização e sofisticação de algoritmos de inteligência artificial (IA) generativa.
Uma das grandes questões é como diferentes países vão regular a tecnologia. Para Coelho, esse pode ser o fiel da balança entre as nações que vão liderar e se beneficiar da tecnologia e aqueles que serão prejudicados economicamente. A Comissão Temporária Interna sobre IA no Brasil (CTIA) do Senado tinha até o dia 23 de maio para finalizar seus trabalhos sobre o projeto de lei que regulamenta o uso da tecnologia no País. O texto, porém, deve sofrer alterações já que vem sofrendo resistência de empresas de tecnologia, incluindo as Big Techs.
Ao Estadão, o executivo também falou sobre como a gigante poderá ajudar profissionais a se requalificarem para o novo momento, a posição do Brasil no cenário global de IA e a chegada de IA generativa na ferramenta de buscas da empresa. Ele anunciou também uma parceria com o Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE) para a distribuição de bolsas em IA para jovens. Acompanhe os melhores momentos.
Já pegou e há muito espaço para ela pegar. Já pegou porque a gente emprega inteligência artificial há mais de 7 anos nos nossos produtos. Na parte comercial, na parte de publicidade, geração de eficiência para clientes e monetização e soluções para usuários finais a IA já é uma realidade. Quando a gente fala de espaço, é a parte de inteligência artificial generativa. Eu gosto de classificar a inteligência artificial em três grupos: aquelas para os negócios, aquelas para o cidadão e aquelas para você inventar coisas novas ou uma nova forma de fazer as coisas. A gente vê todas as empresas embarcando nessa jornada. Naturalmente, algumas mais que outras, como qualquer processo de adoção. Em relação ao cidadão, o cidadão já se beneficia dessas soluções há vários anos, mas cada vez mais a gente vai colocando novas soluções que são disponibilizadas para quem lida com esses cidadãos. Por exemplo, no Rio de Janeiro nós temos aquela Green Light que tem a ver com o que? Trabalhar com centro de engenharia, centro de operações para que a gente reduza o tráfego. Você tem um trabalho forte sendo feito em relação a detecção de enchentes, tem um trabalho sendo feito em relação a desmatamento. Na IA generativa, que é onde tem mais espaço. E aí você tem, desde uma redação jornalística, passando por uma agência de propaganda, passando por um escritório de advocacia, passando por um estudante, passando por um serviço de saúde, você tem uma infinidade de casos de uso que estão nascendo diante dos nossos olhos.
Passamos o último ano falando e ouvindo muito sobre inteligência artificial. A tecnologia já pegou no Brasil? As pessoas estão usando mais do que antes?
Como foi o primeiro ano da IA generativa no Brasil, considerando que o Google lançou uma série de produtos e ferramentas?
O brasileiro tem uma visão até mais positiva que a média do mundo sobre o uso de IA generativa e também o brasileiro normalmente tem um perfil curioso, um perfil de adoção. A gente está no começo dessa tecnologia, mas a gente está vendo uma adoção relativamente rápida e acima dos padrões internacionais no Brasil.
Tem algumas frentes para explorar a potencialização e a adoção. Fizemos um evento, o Cresça com o Google, no qual mais de 3 mil mulheres foram expostas a esse conteúdo. Centenas de mulheres foram entrevistadas e a gente olhou as rotinas dessas empreendedoras e durante o evento, a pessoa que estava no palco ia contando como você faz o prompt para que a inteligência artificial generativa possa ajudar na solução das necessidades dessas pessoas. Esse é um lado para você treinar pequenos e médios empresários. Tem um outro lado que é você ajudar as empresas. A gente traz muitas empresas aqui no Google para que elas possam ter uma abordagem estruturada de como podem tirar o máximo proveito da IA generativa. Também ajudamos essas empresas a terem uma cultura de dados. A cultura de dados é fundamental para isso. Por fim, entendemos quais são os problemas a serem resolvidos numa ordem de priorização. Outra coisa é certificação. Já temos cinco certificados e vamos lançar no Google for Brazil outros dois: fundamentos de IA e cibersegurança.
Quantos certificados serão?
A gente vai fazer uma doação de 70 mil certificados para o CIEE. A ideia é que eles foquem em distribuir essas bolsas de estudo para jovens sempre usando critérios socioeconômicos.
É importante treinar jovens, mas vários países estão atentos a quem já está no mercado. Como requalificar esses profissionais?
A gente precisa dividir os impactos. Os estudos que estão aparecendo trazem três cenários. Primeiro, um cenário de atividades que são atividades repetitivas e que a IA vai substotuir essas pessoas. Você tem também um impacto em profissionais que de alguma forma vão ter o seu trabalho transformado por inteligência artificial, então vão ter que se adaptar ao novo modelo. Em terceiro lugar, você vai ter novas profissões que vão ser criadas a partir desse novo cenário. Então, obviamente, são vários impactos. A gente está monitorando esses impactos e o Google tem uma série de programas aqui no Brasil. Por exemplo, aqui a gente tem uma parceria tanto com o Senai quanto com 250 universidades brasileiras para treinar vários certificados diferentes. Você começa com o Cloud, chega em Security e chega em IA. Há pouco tempo, o Google anunciou globalmente US$ 15 milhões por meio do Google.org para suportar o treinamento de Skills de IA. Todo nosso trabalho envolve desenvolvedores, empreendedores e empresas, além da formação de profissionais em várias esferas.
Há especialistas em IA que acreditam que o Brasil já está atrasado nessa onda da tecnologia e que boa parte disso está ligado à cultura de dados. Como fomentar isso no País?
O Brasil passou por vários ciclos econômicos e vários momentos de volatilidade. Quando você tem volatilidade, as empresas têm a obrigação de buscar eficiência o tempo todo. E eu acho que o nosso trabalho digital no Brasil com as empresas aconteceu bem e a gente está muito satisfeito com isso. O que a gente precisa ver no Brasil são alguns elementos chave. O primeiro é que a gente tem pouca mão de obra qualificada. Isso é uma oportunidade para quem estiver trabalhando nessa área, para quem quiser trabalhar nessa área, mas o nosso pool não é grande. A gente está com muita vaga aberta, mais de 50 tranquilamente. Vaga de ponta, engenharia de ponta. A segunda questão é a regulação de IA.
Como o Google enxerga o texto proposto no Senado?
Temos tentado mostrar que esses assuntos são complexos, e que os impactos que às vezes não são compreendidos em determinadas decisões, podem ser prejudiciais não apenas para Big Techs, mas ao ambiente de negócios brasileiro e ao cidadão brasileiro. O nosso objetivo é sentar à mesa, dialogar e explicar o nosso ponto de vista. As minhas preocupações, eu já externei isso para pessoas de muito bom senso do governo, são as assimetrias. Qualquer assimetria tem que ser muito bem entendida. Eu estive em Washington duas vezes durante as discussões e pude acompanhar o assunto. Na segunda vez, foi coincidentemente no dia que o Sundar Pichai (CEO do Google) e os grandes CEOs estavam no congresso americano com o senador Chuck Schumer discutindo IA. Na primeira discussão, o Senado americano estava bastante preocupado. Na segunda discussão, os legisladores entendiam que a IA é uma arma geopolítica ou uma vulnerabilidade geopolítica. Eles estavam muito mais dispostos a abraçar a inteligência artificial porque entenderam que você tem que saber como criar a regulação. Mas é um negócio que se você não fizer provavelmente você vai perder competitividade para outra economia, no caso dos Estados Unidos a gente sabe muito bem.
Como o sr. vê o Brasil no cenário geopolítico de IA?
Vejo o Brasil no cenário geopolítico de uma forma mais abrangente com a oportunidade brilhante da gente injetar tecnologia em diversos setores. O Brasil está num momento único porque é o celeiro do mundo, tanto na produção quanto na exportação de alimentos, tem uma matriz energética espetacular e é o centro de atenções pela questão do G20. Além disso, temos a COP30 em Belém exatamente no momento em que consolidamos o nosso entendimento que estamos vivendo uma crise climática. Por que eu falo isso? Porque eu acho que a gente tem que transportar o que o Google fez no Brasil nesses 18 anos que a gente opera no Brasil. Injetamos eficiência e inovação no ecossistema de negócios, ajudamos a democratizar o acesso ao empreendedorismo, participamos do processo de inclusão digital dos cidadãos e ajudamos a participar do processo de democratização da mídia, que fez com que as pessoas pudessem não apenas ser audiência passiva, mas passassem a ser também partícipes desse processo e produtores de conteúdo. A gente tem trabalhado, e participando com o governo brasileiro, do desenho nas ações de sustentabilidade. A gente acredita que o Brasil tem condições nos próximos anos de dar um salto significativo, mas temos que trabalhar os outros pilares básicos da economia, que tem a ver com educação, tem a ver com melhoramento da saúde da população e tem a ver com toda a orquestração macroeconômica que os governos tentam fazer. O Brasil está em um momento único para fazermos um salto de qualidade, que se for bem planejado leva o País a um patamar diferente do patamar diferente de hoje.
O sr. afirmou que o Google ajuda a injetar inovação no País. Mas uma delas pode afetar negativamente o setor de mídia e notícias, que é a aplicação de IA generativa na ferramenta de buscas (o recurso se chama AI Overview). Como garantir que os veículos não serão sufocados?
Historicamente, a gente sempre olhou para ecossistemas. Nunca é só sobre o Google. A gente sempre está focada em levar tráfego de qualidade para os sites dos publishers e para os sites que estão na web, mas que não são de publishers. Os publishers são uma parte super importante desse ecossistema. Quando olhamos para a IA generativa na busca, que ainda está em testes, temos visto que estamos levando mais tráfego de qualidade para os sites. Na experiência que você vê, sempre tem um resumo acompanhado de uma série de links. Nos EUA, isso se chama “Go Deeper” para você se aprofundar naquele determinado assunto. Percebemos que estamos levando mais tráfego e que essa experiência gera um valor para a nossa comunidade de usuários. Queremos gerar valor para todo mundo, não só para a gente.
Tenho dúvidas se as pessoas realmente clicarão para ter mais profundidade.
Entendemos essa percepção, mas aconteceu a mesma coisa quando a gente teve a mudança do mobile. A gente tinha as pessoas com a mesma preocupação: “Agora é uma telinha pequena, então será que as pessoas vão rolar a tela da busca para entrar nos sites?”. O resultado não foi esse. Jornalismo de qualidade é importante para a gente, tanto é que a gente tem parceria com 170 veículos. É importante deixar claro que continuamos apostando e investindo em jornalismo de qualidade, pois isso é fundamental para ter uma democracia e um ecossistema de informação saudável. Além disso, Google sempre se pauta por soluções relevantes para o usuário. O que está acontecendo nesse momento são experiências nas quais mostramos como pode haver uma convivência com inteligência artificial. O AI Overview identifica a fonte. Eu adoro ler notícias com a perspectiva de direita, centro e esquerda, então, na verdade, a ferramenta é um investimento em jornalismo de qualidade e é um investimento em diversidade de perspectiva, porque o usuário vai escolher onde clicar. Nós vamos acompanhar e medir isso esse novo modelo para o ecossistema ser saudável.
Fora do Brasil, há um grande debate sobre pessoas não topando determinados empregos quando você é obrigado a ir para o escritório, mesmo no modelo híbrido.Vocês têm encontrado dificuldade de contratação no Brasil por causa do fim do home office?
Há vários anos, o Google é a empresa dos sonhos dos brasileiros. Não somos nós que dizemos isso. São 100 mil pessoas que elegem o grupo como melhor. Por um lado, é importante você conferir flexibilidade para as pessoas. Por outro lado, se você trabalha em ambientes que precedem colaboração, a colaboração ocorre de uma maneira muito mais fluida quando você está no presencial. A combinação de flexibilidade com habilidade de entendimento de construção de cultura e de cultura de colaboração fazem com que a gente tenha adotado um modelo que na maior parte dos grupos você pode vir para o escritório terça, quarta e quinta. Segunda e sexta você pode trabalhar de casa. Não temos visto nenhum problema de contratação de pessoas. Aqui em São Paulo somos uma empresa de negócios. A gente acredita que os nossos profissionais ou tem que estar aqui no Google gerando soluções para os nossos clientes ou tem que estar visitando os clientes. Mas isso não é uma discussão fechada.
Há possibilidade do Google voltar a ser 100% presencial?
Não vejo presencial 100%. Não vejo uma discussão maior quando a gente observa o mercado de trabalho como um todo. O profissional tem que ser avaliado na perspectiva de confiança, engajamento e entrega. Quando você tem um profissional que desengaja, você consegue ver a queda da entrega. Então, é questão de tempo pra você ou refazer esse compromisso com a empresa ou buscar outra coisa pra fazer.