Fechamento do BuzzFeed News marca o fim de uma era para a mídia digital

Financial Times; Há apenas dois anos, o BuzzFeed News foi elogiado ao receber seu primeiro prêmio Pulitzer por uma reportagem investigativa na qual utilizou imagens de satélite para identificar as infraestruturas construídas pelo governo chinês para a detenção em massa de muçulmanos.

Mark Schoofs, então editor-chefe do site, descreveu o trabalho —parte de uma série de artigos premiados que valeram ao grupo uma reputação por trabalho de investigação pioneiro entre seus pares— como um “exemplo de análise forense inovadora e reportagem criativa”.

Schoofs nesta quinta-feira (20) tuitou uma resposta simples à notícia de que o BuzzFeed tinha fechado a sua antiga divisão de notícias, como parte de um plano drástico para reduzir os custos de toda a empresa e restaurar a lucratividade. “Dia terrível”, disse.

No mesmo dia, o grupo de mídia digital rival Insider também despediu 10% do seu pessoal em uma batalha para manter a empresa “saudável e competitiva”, segundo um email de Barbara Peng, presidente do Insider.

Antigos funcionários e analistas disseram que a decisão do BuzzFeed era um sinal da sorte cada vez mais desfavorável de um grupo de startups digitais que no passado chegaram a ter ambições de desordenar a maneira pela qual as pessoas recebem notícias.

Ben Smith, editor fundador do BuzzFeed News que agora dirige o grupo de media Semafor, descreveu o momento ao Financial Times como o fim de uma era da espécie de “jornalismo que foi construído para viajar através dos tubos das redes sociais, e para cobrir a internet como um lugar real e importante”.

Ele disse que “as pessoas ficaram fartas dessa forma de distribuição e das redes sociais em geral. O que elas querem agora é algo mais humano, mais curado, e algo que, ironicamente, foi construído para nos ajudar a navegar no caos da mídia social desgastada”.

No mesmo ano em que o BuzzFeed ganhou o seu Pulitzer, a empresa antecipava, em um momento anterior à sua oferta pública inicial de ações, ter uma avaliação implícita de US$ 1,5 bilhão. Depois do corte de custos na quinta-feira, a sua capitalização de mercado caiu para perto de US$ 100 milhões, levando os investidores a questionar o que virá a seguir para o grupo que no passado parecia viver uma ascensão incontrolável, graças às suas combinações, em cores doces, de emojis e “listicles”.

A última notificação do grupo, na quinta-feira, dizia: “O BuzzFeed News está saindo do ar com um lembrete de que o blippi fez cocô no seu amigo”, uma referência típica, destinada a gerar cliques, a uma investigação do site sobre uma estrela do YouTube.

A empresa de mídia digital reportou um prejuízo líquido de US$ 201,3 milhões no ano passado, comparado com um lucro de US$ 25,9 milhões no ano anterior.

O BuzzFeed não está sozinho em encontrar dificuldades na batalha para transformar notícias em lucros. A Vox demitiu cerca de 7% do seu pessoal no início do ano. A Vice está avaliando uma venda que provavelmente renderá um preço muito abaixo das elevadas avaliações atribuídas ao grupo nas rodadas anteriores de capitalização

Outras organizações noticiosas também despediram pessoal em todo o mundo à medida que o mercado da publicidade se tornou mais apertado e a economia desacelerou, enquanto o tipo de financiadores de capital de risco de que as empresas digitais em fase de arranque, e ainda deficitárias, dependem para obter dinheiro se tornou escasso desde a implosão do ano passado no setor tecnológico.

Jonathan Miller, presidente-executivo da Integrated Media, especializada em investimentos em mídias digitais, disse que os “modelos baseados no ‘hype’” de notícias digitais deixarão de funcionar, já que os investidores e acionistas precisam ver um caminho mais rápido para a rentabilidade.

“O que estamos vendo é que estas marcas de mídia digital se concentraram na construção de negócios em escala maciça, que sentiam ser necessária para competir por dólares publicitários —que é de onde vem todo o seu dinheiro— [mas] acabaram por transformar a sua oferta em algo genérico e perderam de vista o que as tornou diferenciadas e significativas para começar”, disse ele.

Miller acrescentou que “uma alta conscientização mas um menor engajamento não pode ser um modelo de negócios sustentável, especialmente em um ambiente econômico que se tornou mais difícil. Já não existe almoço grátis, tudo deve ser merecido”.

Os analistas dizem que o BuzzFeed se enganou quanto à economia do mercado de notícias. Joseph Teasdale, vice-presidente de tecnologia da Enders Analysis, disse que o BuzzFeed apostou que o jornalismo gratuito distribuído por grandes plataformas tecnológicas, com o seu público mais vasto, traria lucros, mas em vez disso, o dinheiro da publicidade permaneceu com os seus rivais de maior porte.

“Estamos no fim da virada da maré para esses grupos. Foram avaliados, incorretamente, como grupos tecnológicos —produzir conteúdo noticioso é caro”, ele disse.

Embora Jonah Peretti, um dos fundadores do BuzzFeed, tenha assumido pessoalmente a responsabilidade pelas perdas, ele também responsabilizou os grupos tecnológicos, que diz terem usado conteúdo do BuzzFeed sem remunerá-lo.

Em uma mensagem aos empregados na quinta-feira, Peretti disse que era culpado de ter investido demais no BuzzFeed News “porque gosto demais do seu trabalho e missão”, mas que isto “me fez aceitar que as grandes plataformas não forneceriam a distribuição ou o apoio financeiro necessários para apoiar o jornalismo de alta qualidade e gratuito —construído propositadamente para a mídia social”.

O BuzzFeed News foi um dos primeiros veículos noticiosos construído para depender largamente das grandes plataformas tecnológicas como fonte de tráfego e encaminhamento de usuários, tirando partido da estratégia social sobre a qual o grupo em si foi estruturado, e concebido para maximizar o alcance junto a uma geração mais jovem.

Mas a empresa descobriu que, em vez disso, as grandes plataformas reduziram as prioridades e mudaram as estratégias de pagamento por notícias, enquanto o mercado mudava novamente com a chegada de outras plataformas, como o TikTok, que desordenaram a maneira pela qual as audiências mais jovens encontram e se envolvem com os assuntos correntes.

Essa mudança veio diante de um abrandamento mais amplo no mercado de anúncios digitais, outro aspecto apontado por Peretti em sua mensagem, juntamente com “uma queda do mercado Spac que produziu menos capital, uma recessão tecnológica, uma economia dura, um mercado de ações em declínio”.

O HuffPost, que foi adquirido em 2020, continuará como o site de notícias digitais da BuzzFeed.

O BuzzFeed se esforçou por salientar que esses cortes de empregos não estavam ligados a qualquer mudança para conteúdo baseado em inteligência artificial. A empresa disse que não usava inteligência artificial para gerar conteúdo noticioso, embora a use, bem como equipes humanas, para desenvolver “conteúdo de entretenimento”.

Os analistas dizem que o futuro das notícias lucrativas provavelmente envolve o uso de “paywalls”. “É possível bancar uma redação digital apenas através de publicidade digital? As provas sugerem que não”, disse Teasdale.

Outros canais de notícias, tais como Semafor, destinados a grupos específicos de usuários de notícias, também entraram no mercado.

Miller, que investiu no site de entretenimento e jogos Fandom e no site de esportes Footballco, diz que as plataformas digitais terão de se concentrar na construção de um negócio direcionado que sirva a um nicho ou comunidade de interesse específico.

Mas na opinião de outros, o BuzzFeed News simplesmente não conseguiu se mover com rapidez suficiente para se adaptar às mudanças no mercado digital. “O BuzzFeed News e sua editora Karolina Waclawiak fizeram progressos rumo a modelos diferentes, mas o prazo deles se esgotou”, disse Smith.

https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2023/04/fechamento-do-buzzfeed-news-marca-o-fim-de-uma-era-para-a-midia-digital.shtml

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