A era do enorme conglomerado alemão, gerido por controle central, que enaltecia o tamanho e o poder corporativo, acabou. Essa mensagem ecoou por toda a região alemã do Vale do Ruhr no mês passado, quando o conselho supervisor da Thyssenkrupp, a gigante industrial secular que englobou, no passado, mais de 800 subsidiárias diferentes em 80 países, ejetou de repente seu executivo-chefe Guido Kerkhoff.
Sua substituta, a ex-diretora da Bosch Martina Merz – a terceira dirigente da empresa em 15 meses – tem pela frente a tarefa de desmembrar o grupo, altamente endividado, encargo recusado por vários outros experientes executivos alemães, que o rejeitaram por vê-lo como um “cavalo de Troia”.
“Não vai ser fácil”, disse Alan Spence, analista do banco de investimentos Jefferies, sobre a missão de Bosch. “A Thyssenkrupp está diante de um processo de reestruturação profundo e prolongado.”
A indicação de Martina, disse Spence, marca “reviravolta mais agressiva” da empresa, que entrou em espiral descendente após vários alertas de lucros sucessivos.
O desmembramento da empresa, que poderá determinar o desaparecimento de unidades inteiras, envolverá milhares de fechamentos de postos de trabalho e alinhará Martina firmemente em um dos lados de uma discussão que se alastrou na empresa desde a fusão das colossos da siderurgia Thyssen e Krupp, na virada do século.
Os defensores das tradições da Thyssen sempre preferiram uma estrutura menos centralizada do que seus colegas da Krupp. Nos últimos anos, as empresas de investimento ativistas americana e anglo-sueca Elliott Management e Cevian Capital aderiram a essa estratégia.
Isso marca um ponto de inflexão na história corporativa da Alemanha, a exemplo do que as quedas da GE e da United Technologies representaram para os EUA. Assemelha-se, pelo menos ideologicamente, à trajetória de outro grande conglomerado alemão, a Siemens, no qual o executivo-chefe, Joe Kaeser, se comprometeu a cortar bilhões de euros em custos numa reestruturação radical e a realizar o planejado desmembramento da divisão de gás e de energia elétrica.
Após ter de abandonar dois planos de recuperação da lucratividade – uma cisão e uma fusão na área de siderurgia com a Tata -, no começo deste ano, a Thyssenkrupp não pode se permitir qualquer novo adiamento.
Sua multiplicidade de ativos, que inclui usinas siderúrgicas, estaleiros e fabricantes de autopeças, quase reduziu à metade o lucro operacional da empresa, mal conseguindo extrair meros € 683 milhões em lucros conjuntos antes de juros e de impostos sobre € 31 bilhões em vendas líquidas nos últimos nove meses, enquanto acumulou mais de € 5 bilhões em dívida líquida.
A prioridade número um de Martina será desmembrar como empresa independente ou abrir o capital da divisão de elevadores o mais depressa possível – em contraste frontal com seu predecessor, que frustrou os membros do conselho supervisor ao lutar por manter o controle de uma participação majoritária.
Essa operação, dizem analistas, poderá arrecadar nada menos que € 20 bilhões, num processo em que as linhas de batalha estão ficando mais claras, num momento em que grupos de “private equity” formam times rivais para estudar ofertas de compra da divisão mais lucrativa da empresa. Os grupos de “private equity” americanos Blackstone e Carlyle se associaram para oferta de compra, no que foram imitados pelo Advent International, Cinven e o fundo soberano Abu Dhabi Investment Authority, segundo pessoas próximas.
Já a CVC Capital Partners está em conversações com a fabricante finlandesa de elevadores Kone, para uma potencial associação, disseram pessoas a par do assunto. A Brookfield Asset Management também estuda uma oferta de compra, disse pessoa bem-informada. As próprias empresas optaram por não se pronunciar.
Enquanto aliena a divisão de elevadores da empresa, Martina “tem de convencer os investidores de que o balanço está sendo corrigido”, disse Spence, do Jefferies, referindo-se ao fluxo de caixa negativo em vista da saída de cerca de € 1 bilhão.
A renda apurada com o desmembramento ou com a abertura do capital da divisão de elevadores é urgentemente necessária na sede do grupo em Essen, principalmente diante de novos desaquecimentos dos mercados siderúrgico e automobilístico.
Um equilíbrio que iludiu ex-executivos, cujas avaliações equivocadas ainda estão cobrando seu preço, entre as quais a ironicamente mencionada por Kerkhoff como a “aventura do aço nas Américas” – uma série de investimentos no Brasil e nos EUA que acabaram custando € 8 bilhões.
Um desmembramento do grupo poderá pôr a nu uma decadência mais profunda, isto é, os efeitos do apetite voraz da Thyssen e da Krupp por comprar empresas com a promessa de sinergias redutoras de custos, que acabaram não se concretizando. Muitas empresas adquiridas tinham pouco em comum além da marca.