Descoberta com supercondutores pode revolucionar eletrônicos e usinas de energia

THE NEW YORK TIMES – Cientistas anunciaram no início de março um avanço impressionante em direção ao sonho de um material capaz de conduzir eletricidade facilmente nas condições encontradas no dia a dia. Tal avanço poderia transformar quase qualquer tecnologia que usa energia elétrica, criando novas possibilidades para o seu celular, trens de levitação magnética e futuras usinas de energia de fusão.

Normalmente, o fluxo de eletricidade encontra resistência conforme se desloca pelos fios, quase como uma espécie de fricção, e um pouco de energia é perdida na forma de calor. Há um século, físicos descobriram materiais, hoje chamados de supercondutores, nos quais a resistência elétrica parecia desaparecer magicamente. Mas esses materiais só perdiam sua resistência em temperaturas extremamente baixas, o que limitava as aplicações práticas. Durante décadas, os cientistas almejaram supercondutores que funcionassem à temperatura ambiente.

O anúncio do início de março é a mais recente tentativa dessa aposta, porém vem de uma equipe que enfrenta grande ceticismo porque um artigo dela de 2020, que descrevia um material supercondutor promissor, mas menos prático, foi retirado do ar depois que outros cientistas questionaram alguns dos dados.

O novo supercondutor é composto por lutécio, um metal do grupo das terras raras na tabela periódica, e hidrogênio com um pouco de nitrogênio misturado. Ele precisa ser comprimido a uma pressão de 145 mil libras por polegada quadrada antes de adquirir sua capacidade supercondutora. Isso é cerca de dez vezes a pressão que é exercida no fundo das fossas mais profundas do oceano.

Entretanto, também é menos de um centésimo do que a proposta de 2020 exigia, que era semelhante às forças de esmagamento encontradas a vários milhares de quilômetros de profundidade na Terra. Isso sugere que pesquisas complementares do material poderiam levar a um supercondutor que funcionasse à temperatura ambiente e à pressão atmosférica padrão de 14,7 libras por polegada quadrada, ou 1 atm.

“Este é o início do novo tipo de material que é útil para aplicações práticas”, disse Ranga P. Dias, professor de engenharia mecânica e física da Universidade de Rochester, em Nova York, para uma sala repleta de cientistas durante uma reunião da Sociedade Americana de Física (APS, na sigla em inglês) em Las Vegas.

Um relato mais detalhado das descobertas de sua equipe foi publicado na Nature, a mesma revista científica que divulgou e depois retirou do ar os achados de 2020.

A equipe de Rochester começou o experimento com uma pequena e fina folha de lutécio, um metal branco prateado que está entre os elementos mais raros do grupo de terras raras, e a pressionou entre dois diamantes interligados. Um gás de 99% de hidrogênio e 1% de nitrogênio foi então injetado dentro de uma câmara minúscula e comprimido a alta pressão. A amostra foi aquecida no decorrer da noite a noite a 65,5 °C e, depois de 24 horas, a pressão foi liberada.

Durante cerca de um terço do tempo, o processo produziu o resultado desejado: um pequeno cristal azul vibrante. “Adicionar nitrogênio ao hidreto de lutécio não é tão fácil”, disse Dias.

Em uma das instalações do laboratório da Universidade de Rochester usadas pelo grupo de Dias, Hiranya Pasan, estudante da pós-graduação, demonstrou a propriedade surpreendente de mudança de tonalidade do material durante a visita de um repórter à instituição. Conforme os parafusos eram apertados para aumentar a pressão, o azul se transformava em um tom rosado.

“É bem rosa”, disse Dias. Segundo ele, com pressões ainda maiores, “o tom muda para um vermelho brilhante”.Projetando um laser pelos cristais descobriu-se como eles vibram e foram conhecidas informações sobre a estrutura.

Em um ambiente diferente do laboratório, outros integrantes da equipe de Dias estavam realizando medições magnéticas em outros cristais. À medida que as temperaturas caíam, os garranchos esperados apareciam nos dados mostrados numa tela de computador, indicando uma transição para um supercondutor.

“Essa é uma medição em tempo real do que estamos fazendo agora”, disse Dias.

No artigo, os pesquisadores relataram que os cristais rosados exibiam propriedades-chave dos supercondutores, como resistência zero, a temperaturas de até 21,1°C.

Dias e seus colaboradores começaram com lutécio, combinando o metal com hidrogênio e nitrogênio para formar pequenos cristais azuis. Para criar os altos níveis de pressão necessários para a supercondutividade, eles encaixaram o composto entre dois diamantes, o que faz o cristal ficar rosa Foto: Ranga Dias/The New York Times

“Estou otimista de forma cautelosa”, disse Timothy Strobel, cientista do Instituto Carnegie, em Washington, que não participou do estudo de Dias. “Os dados no artigo parecem ótimos.”

“Se isso for verdade, é um avanço muito importante”, disse Paul C. W. Chu, professor de física da Universidade de Houston, que também não esteve envolvido com a pesquisa.

No entanto, a parte do “se” dessa opinião gira em torno de Dias, que tem sido perseguido por dúvidas e críticas, e até mesmo acusado por alguns cientistas de ter fabricado parte de seus dados. Os resultados do artigo da Nature de 2020 ainda não foram reproduzidos por outros grupos de pesquisa, e os críticos dizem que Dias tem demorado a permitir que outras pessoas verifiquem seus dados ou realizem análises independentes de seus supercondutores.

Os editores da Nature retiraram do ar o artigo anterior no ano passado, apesar das objeções de Dias e dos demais autores.

“Perdi um pouco da confiança em relação ao que vem desse grupo”, disse James Hamlin, professor de física da Universidade da Flórida.

Entretanto, o novo artigo passou pelo processo de revisão por pares na mesma revista científica.

“Ter um artigo retirado do ar não impede automaticamente um autor de enviar novos trabalhos”, disse um porta-voz da Nature. “Todos os artigos enviados são analisados de forma independente com base na qualidade e no momento oportuno de sua pesquisa.”

Na conferência de Las Vegas, compareceram tantos físicos, que eles lotaram uma sala de reuniões estreita e foi preciso que um moderador pedisse que alguns se retirassem para evitar o cancelamento da apresentação. Com o problema resolvido, Dias pôde apresentar suas descobertas sem interrupções. Enquanto ele agradecia aos presentes, o moderador lamentou que tivessem ficado sem tempo para perguntas.

Strobel reconheceu a controvérsia incessante em torno de Dias e as alegações extraordinárias anteriores que ainda não foram reproduzidas.

“Não quero fazer deduções demais em relação a isso, mas pode haver um padrão de comportamento aqui”, disse Strobel. “Ele poderia ser de fato o melhor físico com trabalhos sobre alta pressão do mundo, prestes a ganhar o Prêmio Nobel. Ou há algo mais acontecendo.”

A supercondutividade foi descoberta por Heike Kamerlingh Onnes, um físico holandês, e sua equipe em 1911. Os supercondutores não apenas transportam eletricidade com resistência elétrica praticamente zero, como também apresentam a estranha capacidade conhecida como efeito Meissner, que garante campo magnético zero no interior do material.

Os primeiros supercondutores conhecidos exigiam temperaturas apenas alguns graus acima do zero absoluto, ou – 237 °C. Na década de 1980, os físicos descobriram os chamados supercondutores de alta temperatura, porém mesmo esses se tornavam supercondutores em condições muito mais gélidas que as encontradas no dia a dia.

A teoria padrão que explica a supercondutividade prevê que o hidrogênio deveria ser um supercondutor em temperaturas mais elevadas se pudesse ser comprimido com força suficiente. No entanto, mesmo o mais resistente dos diamantes se parte antes de atingir pressões dessa magnitude. Os cientistas começaram analisando o hidrogênio misturado com outro elemento, supondo que as ligações químicas poderiam ajudar a comprimir os átomos do hidrogênio.

Em 2015, Mikhail Eremets, físico do Instituto de Química Max Planck em Mainz, na Alemanha, relatou que o sulfeto de hidrogênio – uma molécula que consiste em dois átomos de hidrogênio e um átomo de enxofre – virava um supercondutor a -70 °C quando comprimido por cerca de 22 milhões de libras por polegada quadrada. Essa era a maior temperatura já registrada para um supercondutor na época.

Eremets e outros cientistas descobriram posteriormente que o hidreto de lantânio – um composto contendo hidrogênio e lantânio – atingia uma temperatura supercondutora a -10 °C sob pressões ultraelevadas.

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