As grandes petroleiras foram sacudidas por um ajuste de contas climático. Nesta semana, os planos detalhados de redução das emissões de carbono propostos por elas sofreram derrotas atordoantes nas salas das diretorias e dos tribunais, que mostraram como forças poderosas na sociedade almejam mudanças mais rápidas.
Acionistas da ExxonMobil apoiaram uma campanha ativista para reformular seu conselho de administração, cujas chances até então eram consideradas mínimas, mas que agora deixou os novos diretores com a tarefa de levar adiante uma estratégia mais ambiciosa de redução das emissões.
É provável que hoje a francesa Total também sofra exigências dos acionistas na sua assembleia anual
A votação de escolha da nova diretoria, na quarta-feira, veio na sequência da decisão de um tribunal holandês que ordenou a Royal Dutch Shell a acelerar e aprofundar os cortes nas emissões. Na Chevron acionistas desafiaram os executivos em uma importante votação sobre questões climáticas, aprovando uma medida para que a empresa defina pela primeira vez metas rigorosas relativas às emissões dos produtos que vende.
Os acontecimentos evidenciam a crescente pressão sobre as petroleiras para que preparem respostas mais ousadas às mudanças climáticas, uma ofensiva que pode ter amplas consequências para o suprimento de fontes de energia e para os acionistas do setor.
Um rolo compressor vem passando por cima de suposições da indústria do petróleo que eram dadas como normais há poucos anos. Na semana passada, a Agência Internacional de Energia (AIE) informou em relatório histórico que seria necessário acabar com os investimentos em novos campos de petróleo e gás para que se atinjam as metas de emissão. Nesta semana, o grau de ameaça ao futuro da demanda por petróleo ficou em alta evidência com a recepção calorosa à nova versão elétrica da picape F-150, da Ford, o veículo mais popular dos EUA, de alto consumo de gasolina na versão tradicional.
Há cada vez mais holofotes apontados às grandes petroleiras, à medida que governos assumem metas de neutralidade nas emissões de carbono, antecipando-se às negociações internacionais sobre o clima marcadas para este ano. Embora a maioria das grandes petroleiras tenha incrementado políticas climáticas, elas ainda são insuficientes para atingir as metas do Acordo de Paris sobre o clima, segundo pesquisa do centro de estudos Carbon Tracker.
“Isso reflete uma grande virada de maré. Líderes políticos, líderes empresariais e investidores estão, todos, avançando para enfrentar esta emergência climática”, disse Liz Gordon, diretora-executiva do Fundo de Aposentadoria Comum do Estado de Nova York (NYSCRF, na sigla em inglês), que apoiou a campanha ativista contra a ExxonMobil. “É um grande dia.”
Foi uma derrota desconcertante para a ExxonMobil, que cedeu pelo menos dois assentos no conselho de administração para indicados por um minúsculo acionista chamado Engine No 1. O fundo hedge ativista lançou sua disputa por votos em dezembro, argumentando que o foco no desenvolvimento de petróleo e gás colocava a companhia em “risco existencial”.
“Foi uma votação histórica, que representa ponto de inflexão para as empresas que estão despreparadas para a transição energética mundial”, disse Aeisha Mastagni, gestora de carteiras de investimento do Sistema de Aposentadoria dos Professores do Estado da Califórnia (CalSTRS), um dos maiores fundos de pensão dos EUA.
“A eleição do conselho de administração da ExxonMobil é a primeira entre as grandes companhias dos EUA a ter se concentrado na transição energética global”, acrescentou. “Certamente não será a última.”
A campanha ativista se valeu da inquietação dos investidores com o fraco desempenho financeiro da ExxonMobil nos últimos anos, inferior ao dos rivais e ao do mercado como um todo. Durante a disputa por votos dos acionistas, o executivo-chefe da ExxonMobil, Darren Woods, preparou forte defesa da estratégia para a empresa. Argumentou que o mundo continuará consumindo altos volumes de petróleo por décadas e que a empresa pode atender a demanda de forma lucrativa mesmo enquanto governos tentam reduzir as emissões de carbono.
Ele também ofereceu concessões a algumas demandas dos ativistas, em uma tentativa para conquistar acionistas receosos. Acrescentou novos membros ao conselho, prometeu reduzir os investimentos em novos projetos de petróleo e gás e aumentar os destinados ao armazenamento e captura de carbono, além de revelar pela primeira vez as emissões da queima dos produtos da empresa.
Woods, que manteve seu assento na diretoria na votação de quarta-feira, reconheceu a derrota. Disse ao “Financial Times” que a empresa “ouviu os acionistas comunicarem o desejo de que a ExxonMobil incremente seus esforços” para melhorar o desempenho financeiro e enfrentar o risco climático.
A BlackRock, cujo chefe Larry Fink vem destacando ao longo do último ano a ofensiva da gestora de recursos rumo aos investimentos sustentáveis, apoiou três dos quatro indicados da Engine No 1.
A votação “refletiu nossa crença de que a estratégia de transição energética da Exxon não chega ao que é necessário para assegurar a resistência financeira da companhia numa economia de baixo carbono”, ressaltou a BlackRock em boletim explicando sua decisão.
A derrota da Shell na Justiça também poderia ter grandes consequências. De acordo com analistas, na prática, o veredicto cria um precedente segundo o qual um tribunal pode tomar decisões sobre a estratégia empresarial de uma grande emissora de gases causadores do efeito estufa e obrigá-la a reformular seus negócios.
“O tribunal está dizendo que não só a Shell, mas que a indústria de fontes de energia e as empresas poluidoras pelo mundo terão que reduzir as extrações de petróleo e gás e reduzir as emissões de dióxido de carbono”, disse Joana Setzer, especializada em direito climático e governança ambiental da London School of Economics.
A decisão representou um golpe para a Shell pouco mais de uma semana depois de sua assembleia anual. Embora a maioria dos acionistas tenha votado a favor de seu plano de transição energética, um número crescente de investidores quer que a companhia anglo-holandesa se empenhe mais.
Neste mês, a BP conseguiu repelir exigências dos acionistas para ampliar suas metas climáticas, mas também viu crescer o apoio a passos mais ousados. Hoje, é provável que a Total enfrente pressões na assembleia anual de acionistas.