Coronavírus agita cadeia de componentes na área de TI

Numa manhã normal, milhares de trabalhadores entram e saem pelos portões enormes do Parque Científico Foxconn Zhengzhou. No complexo de 1,4 milhão de metros quadrados localizado na província de Henan, no centro da China, uma média de 200 mil funcionários produzem milhões de smartphones e outros dispositivos eletrônicos. 

Mas na terça-feira havia apenas um homem nos portões: um oficial da alfândega montando guarda. Com as autoridades chinesas lutando para conter o surto do novo coronavírus, fábricas receberam ordens para permanecer fechadas até segunda-feira, depois do feriado do Ano Novo Lunar, paralisando o coração da cadeia de fornecimento tecnológica global. 

Os inspetores da alfândega normalmente facilitam para a Apple a exportação rápida dos smartphones fabricados ali todos os dias – ela é a maior fábrica de iPhones do mundo. Mas a autoridade em questão não sabia na terça-feira quando a fábrica voltará a operar. 

Com sua grande dependência das redes de produção da China e a terceirização orientada para as remessas “just-in-time”, o setor de tecnologia está entre os mais duramente atingidos pela ruptura na vida econômica normal. 

 “Como as províncias com os maiores números de infecções incluem Zhejiang, Guangdong e Henan, que são muito importantes para a produção tecnológica, obviamente há um grande problema”, diz Don Yew, analista da Morningstar em Cingapura. “Esse episódio vai deixar ainda mais claro para a Apple que há uma concentração excessiva na China e eles vão querer resolver isso.” 

Se a Foxconn não conseguir retomar a produção na segunda-feira, a Apple terá de adiar por várias semanas o lançamento de seu próximo iPhone, planejado para março, segundo Yew. 

A Foxconn não atendeu um pedido para entrevista sobre o impacto do surto do coronavírus sobre seus negócios “por causa de limitações de tempo”. A Apple não respondeu ontem a um pedido para comentar o caso. 

A Foxconn ainda espera retomar as operações na semana que vem, mas o governo municipal anunciou na terça-feira que todas as pessoas que chegarem à cidade, vindas de qualquer parte da província, terão de ficar em quarentena doméstica por sete dias. As que chegarem de províncias onde a epidemia se mostra mais grave, terão de se isolar por 14 dias. 

A empresa já reduziu sua previsão interna de crescimento da receita de até 5% para menos de 3%. 

Os complexos de apartamentos perto de Zhengzhou, ocupados por funcionários da fábrica, fecharam todas as portas com exceção de uma, que é monitorada por seguranças. Os trabalhadores que estiveram na província de Hubei, onde o surto começou, não podem sair. Outros podem sair e retornar, mas não têm permissão para se reunir em grupos, segundo Jin Boyang, um membro da comissão local de controle de epidemias. 

A Foxconn possui grandes fábricas em mais de uma dezenas de outras províncias chinesas, e empresas de tecnologia globais como a Apple, Huawei e Samsung têm várias outras parceiras de produção, como a Pegatron e a Wistron. 

A maior parte dessa capacidade está localizada em regiões que se encontram sob os mesmos tipos de restrições que Henan. Mesmo que os clientes quisessem transferir pedidos para outros países, isso levaria vários meses, segundo especialistas. “Isso exigiria que engenheiros das empresas clientes passassem algum tempo nos locais, mas no momento muitas estão retirando seu staff de engenharia e reduzindo as viagens”, diz um executivo de uma fabricante de componentes de Taiwan. 

A série de regras de quarentena e restrições ao transporte anunciadas pelas autoridades em diferentes esferas municipais, e as diferenças na maneira como estão sendo implementadas, vêm causando mais confusão. 

“Não está claro quando o trabalho será retomado e se poderemos retornar”, diz Li Yi, um funcionário da Biel Crystal, fornecedora de telas do iPhone sediada em Hong Kong. Segundo ele, a administração da subsidiária em Huizhou, na província de Guangdong, disse aos funcionários para não retornarem antes de 10 de fevereiro. 

“Não posso voltar nem mesmo nesse dia”, continua Li, que está preso em Jingzhou, sua cidade natal, uma das 15 províncias de Hubei que estão em confinamento. 

Algumas empresas estão menos vulneráveis no curto prazo. As fábricas de semicondutores e telas de cristal líquido (LCD) não param suas atividades durante os feriados devido aos grandes custos de desativação de alguns equipamentos. 

Mas a indústria de displays está muito exposta a Wuhan, onde se encontram cinco fábricas de produção de telas de cristal líquido. A BOE Technology, maior fabricante de painéis de LCD do mundo – responde por 17% da oferta mundial -, começou a expandir sua unidade de Wuhan em novembro. O plano da companhia de iniciar a produção em massa em janeiro foi frustrado pelo surto do vírus. 

Isso poderá ajudar a diminuir o excesso de oferta. “Veremos os preços aumentarem pelo menos US$ 1 a US$ 2 neste mês, para os painéis menores que 65 polegadas”, diz Eric Chiou, um especialista em displays da TrendForce, uma consultoria do setor tecnológico. 

Há quem acredite que a atual crise trará desafios muito maiores. Wilbur Ross, secretário do Comércio dos Estados Unidos, provocou controvérsia na semana passada ao afirmar que a crise poderá proporcionar um impulso à economia americana, uma vez que as empresas poderão transferir algumas operações e empregos de volta para os EUA. 

“Isso poderá ser a gota d’água”, diz Nick Vyas, um especialista em gestão de cadeias de fornecimento globais da Marshall School of Business da Universidade do Sul da Califórnia. “Como se trata da China e não há transparência, há uma maior incerteza. Como racionalizamos as coisas, reduzimos os estoques e estamos mais interligados globalmente, isso produz uma ruptura de ponta a ponta. Esse surto vai forçá-los a computar em seus cálculos o custo do fracasso e poderá muito bem reforçar os argumentos a favor de mais operações ‘onshore’ [dentro do país] e ‘near-shore’ [subcontratação ou terceirização em área fronteiriça]”, acrescenta 

https://valor.globo.com/empresas/noticia/2020/02/06/coronavirus-agita-cadeia-de-componentes-na-area-de-ti.ghtml

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