Como os superfãs viraram um problema para a Disney

Nos Estados Unidos, os fãs mais devotados de Walt Disney são conhecidos como “adultos Disney”. Este é o grupo que gasta milhares de dólares todos os anos em visitas a seus parques, e fica extasiado com o cheiro característico da água na atração Piratas do Caribe. Para quem está de fora, sua devoção a uma marca voltada para crianças é embaraçosa. Até os sentimentos da Disney em relação a eles são complicados.

Em entrevista à revista Hollywood Reporter este mês, o executivo-chefe da Disney, Bob Chapek, deu a entender que os fãs que pagaram por passes anuais caros faziam visitas com tanta frequência que estavam sobrecarregando os parques: “Nós adoramos os superfãs, obviamente. Mas também gostamos dos fãs que não expressam sua lealdade de forma tão intensa… temos de garantir que haja espaço para a família de Denver que vem ao parque a cada cinco anos.” O acesso a vários tipos de passe anual foi suspenso. Além disso, agora o agendamento das visitas é obrigatório. 

Isso permitiu que a empresa se expandisse de férias centradas na família para experiências mais caras, como navios de cruzeiro. 

Não são muitas as empresas que podem se gabar de ter superfãs como clientes. A Tesla talvez. Talvez a Apple. Na Disney, a devoção dos fãs fez o público dos parques temáticos dos Estados Unidos voltar aos níveis anteriores à pandemia. 

No último trimestre, as receitas de Parques, Experiências e Produtos da Disney subiram para US$ 7,4 bilhões, em comparação com os US$ 4,3 bilhões do ano anterior. Eliminar um produto favorito pode ser uma jogada arriscada. 

Eu só vi adultos Disney de perto uma vez. Quando me mudei para a Califórnia, há alguns anos, convenci um amigo a ir comigo à Disneylândia, para que eu pudesse ver o que perdi enquanto crescia na Inglaterra. Fomos de carro de Los Angeles até Anaheim em uma terça-feira tranquila no início de dezembro para visitar o parque original, construído em um antigo laranjal em 1955. Como era um dia de semana, em que as crianças tinham aulas, supus que teríamos o lugar só para nós. Eu estava errada Milhares de adultos de folga se aglomeravam ao nosso redor, engalanados com produtos da marca Disney. Todas as atrações tinham longas filas. Assim como todos os restaurantes. 

A hiper-realidade dos parques temáticos da Disney fez deles os complexos turísticos mais populares do mundo. Colocar uma mansão assombrada ao lado da terra do faroeste selvagem e à vista de um castelo encantado e cercá-los com barracas de pretzel e cachorro- quente cria uma sobrecarga sensorial. Para muitos visitantes, o vínculo com a infância significa que os parques da Disney têm um sentido mais profundo do que lugares turísticos comuns. E isso significa que vale a pena pagar mais por eles – os aumentos dos preços dos parques superam a inflação. Assim, mesmo quando outros gastos com lazer caem, os fãs da Disney continuam a comprar ingressos. 

O problema é que os superfãs não gastam tanto por visita quanto os visitantes ocasionais do parque. Existe um limite para o número de tiaras da Minnie que uma pessoa pode usar. Para alguns, o passe anual que permite que seus compradores visitem os parques da Disney durante todo o ano também tem um excelente custo-benefício. Um passeio de um dia na Disney World na Flórida custa US$ 109. O Incredi Pass anual custa US$ 1.299 mais impostos. 

Visite o parque uma vez por mês e você já recuperou seu gasto. Vá toda semana e você economizará mais de US$ 4 mil. A disparidade tem nuances do fiasco do MoviePass, em que os assinantes pagavam menos de US$ 10 por mês para ir várias vezes ao cinema. O MoviePass achava que eles usariam o passe uma ou duas vezes por mês. Mas sua vontade de assistir a filmes dia após dia deixou a empresa falida. 

A Disney precisa que seus parques a ajudem a subsidiar seu enorme investimento na área de streaming. Em agosto, a empresa superou a Netflix em número de assinaturas de streaming, o que provocou um pânico existencial entre os investidores desta última. Com 221 milhões de espectadores pagantes, o Disney+ é um sucesso. Sua decisão de cobrar um preço inferior ao dos concorrentes pelo serviço estimulou as adesões. A expectativa é de que as assinaturas combinadas para Disney+, Hulu e ESPN+ registrem perto de US$ 12 bilhões em receitas este ano, de acordo com a Insider Intelligence. 

A capacidade da Disney de fazer vendas cruzadas de sua propriedade intelectual a diferencia de serviços como a Netflix – que tenta vender produtos promocionais, mas não tem nenhuma fonte de receita expressiva além das assinaturas de streaming. 

Mas criar conteúdo suficiente para manter a fidelidade dos espectadores é algo caro. A Disney já tem um catálogo impressionante e explora com sucesso franquias como Star Wars e Marvel para produzir novos programas de TV. Mas os custos são altos. A empresa registrou um prejuízo operacional de US$ 1,1 bilhão no terceiro trimestre — três vezes mais do que no mesmo trimestre do ano anterior. 

Garantir que os visitantes do parque continuem a voltar e a gastar mais é, portanto, essencial. Há informações de que a Disney estuda a possibilidade de adotar um programa de adesão nos moldes do Amazon Prime, que abarcaria streaming, parques e produtos da marca. 

Os fãs não estão satisfeitos. Na recente D23 Expo, um evento anual para os entusiastas mais ferrenhos da Disney, houve reclamações de que os passes anuais ainda estavam suspensos. Infelizmente para eles, Chapek costumava gerir a divisão de parques. Ele sabe que a demanda é muito maior do que a oferta e é sem sentimentos o suficiente para tirar proveito disso. Os preços dos passes poderiam dobrar e os visitantes os comprariam. Os fãs da Disney podem resmungar, mas continuarão a voltar. 

https://valor.globo.com/empresas/noticia/2022/09/26/como-os-superfas-acabaram-sendo-um-problema-para-a-disney.ghtml

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