O governo brasileiro está preocupado com a possibilidade de que seja afetado por eventuais barreiras que a Europa adote como retaliação aos EUA, inclusive sobre suco de laranja.
Bruxelas indicou que está examinando uma lista de produtos que seriam alvos de uma retaliação, depois que o governo americano de Donald Trump indicou que poderia aplicar uma tarifa extra sobre o aço e alumínio. O problema é que, pela lei, a imposição de uma salvaguarda exigirá que a UE aplique a mesma tarifa para todos os governos, inclusive o Brasil.
O Estado apurou que, dentro do governo, técnicos começam a avaliar qual seria o impacto de uma medida europeia em determinados setores. Diplomatas brasileiros também já deixaram claro de maneira informal aos europeus sua preocupação com o impacto em cascata que retaliações poderiam ter.
A Europa é, por exemplo, o principal comprador do suco de laranja brasileiro, respondendo a cerca de 70% das vendas nacionais ao exterior.
Por enquanto, o governo brasileiro está apenas aguardando o que de fato será anunciado pela Casa Branca. A ordem em Brasília é a de adotar um perfil baixo e tentar evitar ser alvo das barreiras.
Mas, teoricamente, um produto “ideal” para retaliar os americanos no caso do Brasil seria o etanol. Os exportadores dos EUA são os únicos que vendem o produto hoje ao Brasil e ele entra isento de tarifas. Mas, hipoteticamente, isso poderia mudar se Trump acabar incluindo o Brasil na lista dos países que serão penalizados.
Roberto Azevedo, diretor-geral da OMC, alertou no início da semana que uma estratégia de “olho por olho” apenas deixaria “todos cegos” e jogaria a economia mundial em uma “profunda recessão”.
Na Europa, um dos caminhos avaliados é o de impor tarifas extras sobre produtos agrícolas americanas, além de grandes marcas americanas como Levi’s e motocicletas. Num discurso na OMC nesta quarta-feira, 7, porém, o bloco alertou que não se pode focar agora nas respostas que outros governos darão e sim em exigir que os americanos cumpram as regras.
Bruxelas insistiu que sua resposta vai ocorrer de forma “legal e consistente” com as regras internacionais. Mas os europeus também voltaram a pedir que os americanos reconsiderem sua decisão e que entrem em diálogo. Se isso não ocorrer, ela poderia considerar abrir uma queixa nos tribunais da OMC ou mesmo adotar retaliações cruzadas.
Keith Rockwell, porta-voz da OMC, indicou que “não há definição do que é guerra comercial”. Mas ele lembrou que Azevedo indicou que está “preocupado com uma escalada e pede que mantenha cabeças frias e não deixe que as coisas saiam de controle.
Nos bastidores, o brasileiro procurou delegados americanos nos últimos dias para falar sobre sua preocupação, além de buscar o diálogo com outros governos para apontar para as consequências que retaliações poderiam ter.
Na história da OMC, apenas em outras duas ocasiões o diretor-geral interveio para alertar os membros sobre os riscos que o sistema atravessava. A primeira foi em 1998, durante a crise asiática. A segunda ocorreu diante da quebra do Lehman Brothers, em 2008.
Nesta quarta-feira, pela segunda vez nesta semana, as maiores economias do mundo usaram uma reunião da OMC para criticar as medidas prometidas por Trump, alertando que elas poderiam fazer eclodir uma “guerra comercial”. Todos, sem exceção, apelaram para que a Casa Branca abandone a ideia.
Mas, pela segunda vez nesta semana, o governo americano ignorou as críticas e sequer deu uma resposta às pressões.
O encontro, porém, marcou uma elevação do tom das críticas internacionais. No total, 17 países apontaram para o risco de um colapso do sistema, além das 28 economias da Europa também alertando sobre o momento considerado como “perigoso”. A lista incluiu China, UE, Canadá, Taiwan, Turquia, Rússia, Hong Kong, Austrália, Noruega, Coreia, Japão, Paquistão, Suíça, México, Uganda, India, Brasil e Venezuela.
Em todos os discursos, o tom era de “preocupação comercial” e de alerta sobre os riscos sistêmicos.
Defesa. Um dos alertas lançados pelo Brasil se refere à fragilidade dos argumentos usados por Trump, alegando que as tarifas poderiam ser elevadas por conta de “segurança nacional”.
Mas, ao oferecer excluir certos países das tarifas, diplomatas passaram a considerar que a referência à segurança nacional não seria o real motivo da barreira. O Brasil, no caso, alertou para o “uso elástico” do argumento de segurança nacional.
O mesmo alerta foi feito pela Europa, que apontou para o fato de que o protecionismo estar sendo “camuflado” de um argumento de segurança nacional.
Para o Canadá, maior exportador de aço aos EUA, é “inconcebível” que a venda ao mercado americano representa uma ameaça à segurança nacional. Ottawa destacou que os americanos podem estar abrindo uma “caixa de Pandora que depois não conseguirão fechar”.
Para a China, haverá um impacto no mercado mundial de aço se Trump for adiante com sua agenda. De acordo com Pequim, 200 medidas protecionistas foram adotadas pelo governo americano apenas em 2017 e mais barreiras não irão resolver o problema de competitividade da siderurgia americana.