Aquisições no setor de tecnologia ganham fôlego

Depois de mais de um ano com pressão sobre os preços dos ativos em um cenário de juros elevados, as transações envolvendo empresas de tecnologia voltaram a ganhar fôlego. Neste ano até o fim de outubro, as operações de fusões e aquisições (M&A, na sigla em inglês) nesse mercado somaram R$ 13,7 bilhões, já superando o valor total de R$ 12,1 bilhões registrado ao longo do ano passado, considerado um ano muito fraco.

Os dados são da FZF Capital, butique de M&A especializada no setor de tecnologia.

Considerando os últimos 12 meses, o volume financeiro chega a R$ 14,3 bilhões, demonstrando a tendência de melhora.

A maior tração começou apenas a ser observada nos últimos meses, com operações de peso, como a venda da ClearSale para a Serasa Experian e a Contabilizei pela Warburg Pincus. Houve, ainda, a venda da Shopper para o iFood, segundo a FZF.

Uma operação bilionária do setor de tecnologia que está na mesa é a venda da Linx, pela Stone, que poderá ser concretizada no próximo ano (ver mais sobre esta operação na reportagem Linx ficou cara e Stone deve fechar sua venda em 2025).

O sócio da FZF, Kauê Pires, observa que depois dos preços exorbitantes negociados em 2020 e 2021 – período de juros baixíssimos em todo o mundo e de ampla liquidez global, em meio à pandemia da covid-19 -, o valor das startups começou, mais recentemente, a se ajustar, com maior equilíbrio entre o desejado entre compradores e vendedores.

Como consequência, depois de um hiato das negociações, as operações de compra e venda das empresas de tecnologia começaram a andar.

Muitos fundos dedicados ao setor, os “venture capital”, ficaram um período voltados para dentro de casa fazendo a lição de casa. Agora, com caixa, voltaram ao mercado buscando aquisições.

A novidade desse movimento é que, agora, esses fundos estão utilizando o valor acumulado em caixa para adquirirem empresas maiores e com negócios já provados. “Ainda existe uma fuga ao risco”, diz o executivo da FZF. Com isso, a retomada ainda está concentrada nos grandes casos, mas Pires prevê que, na segunda onda, as startups menores passarão a ser contempladas. Fora isso, à medida que as maiores empresas do setor são capitalizadas, elas mesmas podem começar a capitanear M&As, fazendo a roda girar.

O sócio da FZF, José Luiz Duarte, diz que a tendência de retomada também ocorre após um período em que as próprias companhias listadas, que demonstraram grande apetite na aquisição de empresas de tecnologia ao longo da pandemia, tiveram que se explicar sobre os preços pagos por ativos, após questionamentos de seus acionistas. Com isso, nesse processo esses players que foram relevantes para os M&A de tecnologia têm, até aqui, se mantido mais distantes de novos negócios.

O chefe do banco de investimento do UBS BB, Anderson Brito, diz que a demanda de investidores tem aparecido em nichos mais específicos como os de “fintechs” e empresas de software. “É onde estamos vendo demanda real de investidores”, diz Brito. Segundo ele, nesses setores, os fundos, por exemplo, já fizeram investimentos bem-sucedidos. Diz, ainda, que os novos investimentos seguem a lógica da busca por empresas com teses já comprovadas e geradoras de caixa.

E há outros sinais que indicam melhora. Humberto Gallucci, da Spectra, diz que uma das provas de reaquecimento no setor tem sido a volta de fundos de “venture capital” que estavam afastados do país nos últimos anos. Segundo ele, ao contrário do que era previsto por uma parte do mercado, não houve quebradeira no setor de tecnologia depois que a liquidez secou, já que essas empresas conseguiram ajustar a rota, privilegiando a geração de resultados.

O chefe para América Latina da Technology Holdings, Edoardo Freschet, diz que o segmento de varejo é um dos destaques neste momento, especialmente as plataformas de vendas on-line. Além disso, a demanda por empresas de saúde também está aquecida. Ambos nichos, segundo o executivo, representam hoje a maior parte dos mandatos de M&As. Dentre outros setores, ele aponta infraestrutura de dados e cibersegurança.

“O desenvolvimento lógico é que soluções e plataformas projetadas para aumentar a escalabilidade, proteger dados e melhorar a eficiência e automação estarão naturalmente bem posicionadas. Na próxima década, a produtividade dependerá cada vez mais da tecnologia e da transformação digital, com as avaliações refletindo essa tendência”, afirma Freschet.

O vice-presidente da 23s Capital, Ricardo Assef, avalia 2025 como “neutro positivo”, por conta da cautela com novas tecnologias, assim como seus desafios de implementação. “Na parte de ‘venture capital’ está bastante maduro. Existem diversas empresas e muitas ventures [fundos dedicados ao setor] com capital disponível”, diz Assef. “O que precisa amadurecer é essa ponte entre as ventures e o mercado de capitais. Ainda há poucos fundos que fazem esse investimento.”

No entanto, o pano de fundo econômico pode trazer gargalos. Questões macroeconômicas, como o ajuste fiscal, a reforma tributária e a alta da Selic podem afetar a retomada de M&As no país como um todo, incluindo as operações de tecnologia. “O ecossistema se beneficiaria muito com a situação fiscal melhor, juros mais baixos e fazer a lição de casa”.

Procurada, a Serasa Experian disse que a aquisição da ClearSale “está evoluindo conforme planejado” e que a aprovação pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) foi “um marco importante para o fechamento dessa transação”. A conclusão da operação, lembra a empresa, ainda está condicionada a condições precedentes. As demais companhias não comentaram.

https://valor.globo.com/empresas/noticia/2024/11/28/aquisicoes-no-setor-de-tecnologia-ganham-folego.ghtml

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