Apple, Google e a guerra dos apps

A Apple sempre retrata a App Store como a democratização do software. Desde 2008, desenvolvedores de todas as partes podem usar o código da Apple para criar novos aplicativos para smartphones e os usuários podem encontrá-los e testá-los lá, sabendo que a companhia verificou as ofertas. 

Agora, a App Store e sua concorrente Google Play estão sendo criticadas como monopólios implacáveis que prejudicam a competição e cobram comissões injustas. Na semana passada, a Coreia do Sul promulgou a primeira lei do mundo que permite aos usuários de telefones móveis ignorar os grupos de tecnologia e pagar diretamente aos desenvolvedores de aplicativos. Em um acordo recente com a Japan Fair Trade Commission, a Apple foi forçada a criar um desvio de pagamento para certos aplicativos de assinatura digital. A União Europeia (UE) e a Índia também estão investigando as vendas de aplicativos e a Austrália também poderá fazer o mesmo. 

Enquanto isso, um juiz dos Estados Unidos está analisando as alegações da Epic Games, criadora do game Fortnite, de que a comissão de 30% da Apple sobre as vendas e compras de aplicativos constitui um monopólio ilegal. O processo da Epic contra o Google está pendente e senadores dos EUA aguardam um projeto de lei que permitiria a desenvolvedores e clientes contornar as lojas oficiais de aplicativos. 

As reclamações contra as Big Techs não são novidade, então por que esse problema pegou fogo? Parte disso se deve à simplicidade. Em vez de novas questões jurídicas, a luta pela venda de aplicativos envolve dinheiro. Oponentes poderosos e endinheirados estão ajudando a defender a mudança. Tim Sweeney, presidente executivo da Epic, empreendeu uma cruzada contra a App Store durante anos, antes de entrar com a ação, e o interesse de Bruxelas foi despertado por uma queixa de 2019 do grupo de streaming Spotify. 

Há amplas evidências dos benefícios financeiros das cobranças de comissões. Em 2019 a Alphabet, controladora do Google, obteve estimados 20% dos lucros operacionais do Google Play, muito embora ele representasse apenas 10% da receita. A Apple agrupa a App Store em “serviços”, uma categoria que responde por um quinto da receita, um terço da margem bruta de lucro e quase todo o crescimento da margem, segundo afirma Joseph Evans da consultoria Enders Analysis. 

Autoridades reguladoras, parlamentares e juízes também se encontram em terreno conhecido quando consideram se a Apple e o Google usam injustamente o controle das lojas de aplicativos para isolar concorrentes. A alegação de empacotamento – o uso do domínio em um tipo de software para obter vantagem em outro – estava no cerne do caso de 1990 que tentou desmembrar a Microsoft. A companhia acabou fechando acordo, mas muitas vezes atribui-se a essa pressão a abertura de espaço para o Google e a Apple.

Lojas de departamentos de ponta proporcionam um paralelo. Marcas de luxo como Chanel e Hermès com frequência firmam contratos de concessão com elas. Embora as condições variem, a marca fornece o produto e a loja entra com o imóvel e as equipes de vendas, geralmente ficando com uma fatia de 25% a 40%. 

Com isso em mente, parece difícil justificar as comissões de 30% sobre os aplicativos. A Apple e o Google fornecem o código-fonte, a plataforma de vendas e a curadoria que incentiva os usuários a baixarem aplicativos. Mas seus custos são bem menores que os de uma loja porque o processo de venda é automatizado e eles vendem telefones, em vez de alugar ou comprar imóveis. 

As alegações de que o Google e a Apple precisam controlar suas lojas de aplicativos para proteger os usuários também parecem egoístas. Documentos do julgamento da Epic mostraram que os revisores da Apple passavam em média 13 minutos em cada aplicativo. A curadoria é outra oportunidade de receita: a Apple vende a primeira posição após uma pesquisa. Solicite o aplicativo de estacionamento Ringo e você terá o Uber. Digite Lyft e você verá Bolt. 

Isso pode explicar porque Google e Apple são passíveis de recuos estratégicos. As duas empresas já reduziram as comissões para 15% para os desenvolvedores menores. A Apple evitou uma briga com a Amazon ao isentar o aplicativo Prime de pagar comissão sobre as vendas de vídeos. Nas últimas duas semanas, ela afrouxou as regras mundiais de pagamento para alguns desenvolvedores, bem como para a Netflix, Spotify e outros aplicativos de “leitura” que permitem aos assinantes acessar conteúdo em várias plataformas. De forma notável, essas concessões excluem a Epic e outros grandes desenvolvedores de games que respondem pela maior parte da receita de aplicativos. O Spotify classificou as concessões de insuficientes. 

O Google insiste que os pagamentos de aplicativos permitem a ela manter o sistema operacional Android gratuito, enquanto a Apple afirma que permitir aos usuários “carregar” aplicativos comprados externamente é algo que levaria à anarquia. As Big Techs podem ter cedido em algumas batalhas, mas elas continuam empenhadas em uma longa guerra. (Tradução de Mario Zamarian). 

Brooke Masters é articulista do Financial Times 

https://valor.globo.com/opiniao/coluna/apple-google-e-a-guerra-dos-apps.ghtml

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