A Apple cancelou o esforço de uma década para construir um carro elétrico, abandonando um dos projetos mais ambiciosos da história da empresa, segundo pessoas com conhecimento do assunto.
A Apple fez uma divulgação interna nesta terça-feira (27), surpreendendo os quase 2.000 funcionários que trabalhavam no projeto, disseram essas pessoas, que pediram para não ser identificadas porque o anúncio não é público.
A decisão foi compartilhada pelo COO, Jeff Williams, e Kevin Lynch, diretor responsável pelo projeto.
Os dois executivos informaram aos funcionários que o projeto começará a ser encerrado e que muitos funcionários dessa equipe —conhecida como Grupo de Projetos Especiais, SPG na sigla em inglês— serão transferidos para a divisão de inteligência artificial sob o comando do executivo John Giannandrea.
Esses funcionários se concentrarão em projetos relacionados a IA generativa, que tem recebido prioridade cada vez maior na empresa.
A equipe por trás do carro da Apple também conta com várias centenas de engenheiros de hardware e designers de veículos. É possível que eles possam se candidatar a vagas em outras equipes da Apple. Haverá demissões, mas não está claro quantas.
Procurada, a Apple, que tem sede em Cupertino, na Califórnia, não se manifestou.
A decisão foi um alívio para os investidores, que fizeram as ações da Apple subirem nesta terça-feira (27) após uma queda no dia anterior. As ações tiveram uma alta de cerca de 1% após a Bloomberg publicar a notícia.
Elon Musk, CEO da Tesla, também comemorou a decisão. Ele escreveu no X uma publicação usando um emoji de saudação e um de cigarro.
A decisão de encerrar o projeto é um golpe para a empresa, encerrando um esforço multibilionário chamado Project Titan que teria colocado a Apple em um setor completamente novo.
A gigante da tecnologia começou a trabalhar em um carro por volta de 2014, mirando em um veículo elétrico totalmente autônomo com um interior de limusine e navegação por voz.
Mas o projeto enfrentou dificuldades desde o início, com a Apple alterando a liderança e a estratégia da equipe várias vezes. Lynch e Williams assumiram o comando do empreendimento há alguns anos —após a saída de Doug Field, agora um executivo da Ford.
A Apple também estava enfrentando um mercado em desaceleração para veículos elétricos. O crescimento das vendas perdeu força nos últimos meses com os altos preços e a falta de infraestrutura de carregamento desencorajarem compradores comuns de migrar para veículos totalmente elétricos.
A General Motors e a Ford decidiram produzir mais veículos híbridos após enfrentarem uma demanda fraca por veículos elétricos e gargalos na fabricação. Montadoras de todo o setor estão reduzindo preços, metas de produção e previsões de lucro de carros elétricos a bateria.
Mesmo a Tesla, pioneira da revolução dos veículos elétricos nos EUA, alertou que sua taxa de expansão será “notavelmente menor” neste ano. O crescimento das vendas de veículos elétricos desacelerará para 11% este ano, após uma taxa de crescimento estimada de 47% em 2023, de acordo com uma previsão da UBS AG.
Os executivos de alto escalão da Apple tomaram a decisão nas últimas semanas, segundo as pessoas familiarizadas com o assunto. Isso ocorre apenas um mês depois que a Bloomberg noticiou que o projeto havia chegado a um ponto crucial.
A ideia mais recente discutida internamente era adiar o lançamento de um carro até 2028 e reduzir as especificações de direção autônoma de tecnologia de Nível 4 para Nível 2+.
No novo arranjo, Lynch se reportará a Giannandrea. Anteriormente, ele se reportava a Williams, que também supervisiona a engenharia de software do Apple Watch.
A Apple já havia imaginado criar um carro sem volante e pedais, mas abandonou a ideia. A empresa também passou um tempo trabalhando em um centro de comando remoto que poderia assumir o controle para o motorista.
Mais recentemente, a Apple estimou que o carro teria um preço de cerca de US$ 100 mil. Mas os executivos estavam preocupados com a capacidade do veículo de fornecer as margens de lucro que a Apple normalmente obtém em seus produtos.
O conselho da empresa também estava preocupado em continuar gastando centenas de milhões de dólares por ano em um projeto que talvez nunca veria a luz do dia.
A Apple continua investindo pesadamente em outras áreas. A empresa gastou US$ 113 bilhões em pesquisa e desenvolvimento nos últimos cinco anos, com uma taxa média de crescimento anual de cerca de 16%.
A empresa também lançou recentemente o headset Vision Pro —seu primeiro produto em uma nova categoria em quase uma década— e estabeleceu esse novo braço.
A empresa já abandonou projetos antes, incluindo um plano para fazer uma TV que foi descartado por volta de 2015. Mas poucos empreendimentos duraram tanto tempo, envolveram tantos funcionários ou acumularam bilhões de dólares em despesas.
Até agora, a maior investida da Apple na indústria automobilística foi seu software CarPlay, que permite aos motoristas acessar recursos do iPhone como mapas e Siri. Ele está sendo redesenhado para se integrar mais profundamente com os controles do veículo e sistemas de entretenimento.
Ao não competir com os fabricantes de automóveis, a Apple poderia impulsionar esse software, ajudando a difundi-lo para mais modelos.
Focar em IA pode ser uma aposta melhor para a empresa, disseram os analistas da Bloomberg Intelligence Anurag Rana e Andrew Girard em nota.
“A decisão da Apple de abandonar carros elétricos e direcionar recursos para a IA generativa é um bom movimento estratégico, acreditamos, dado o potencial de lucratividade a longo prazo das receitas de IA em comparação com carros.”