Lucas Alves Guarany
Estudante do NENAF
Natalia Fingermann
Coordenadora do NENAF
A Nigéria vive um paradoxo agrícola. O país possui mais de 70 milhões de hectares de terras aráveis, mas apenas cerca de 40% são efetivamente cultivados. Embora seja um dos maiores produtores africanos de mandioca, milho e arroz, ainda depende de importações de alimentos básicos para abastecer sua população de mais de 220 milhões de habitantes. A insegurança alimentar é um problema estrutural. Segundo as estimativas da FAO e do Programa Mundial de Alimentos (WFP), cerca de 25 milhões de nigerianos convivem hoje com algum grau de insegurança alimentar, e mais de 2 milhões enfrentam situação de insegurança severa, principalmente nas regiões Norte e Nordeste, marcadas por conflitos e mudanças climáticas.
É nesse cenário que emerge no ano de 2019 o Green Imperative Project (GIP), a maior iniciativa de cooperação Sul–Sul entre o Brasil e a Nigéria. Com o objetivo de modernizar a agricultura nigeriana, promovendo a mecanização, a capacitação de agricultores e a criação de cadeias produtivas sustentáveis, o GIP almeja transformar a Nigéria em um hub regional da agricultura de forma que reduza as vulnerabilidades de segurança alimentar em todo continente africano. Para alcançar essa ambiciosa meta, o GIP conta com a colaboração de diversos stakeholders do Brasil, além de recursos de US$ 1,1 bilhão, captado por diferentes fontes de financiamentos, tais como bancos multilaterais de desenvolvimento, agências de crédito à exportação (ECAs) e contrapartidas do governo nigeriano.O papel do Brasil nesse projeto é destacado pela atuação direta do Governo Federal, da FGV Europe, e do Centro Internacional de Inovação e Transferência de Tecnologia Aplicada à Agricultura (CIITTAA). Do lado nigeriano, o principal ator é o Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural da Nigéria, que estabelece o diálogo com governos estaduais, associações de agricultores e empresas privadas. Essa articulação institucional entre os atores locais é chave, uma vez que a espinha dorsal do GIP é a criação de uma rede nacional de centros de serviços agrícolas, seguindo inspiração no modelo brasileiro de centro locais. Segundo o CIITAA, a proposta do GIP é descentralizar nos centros os serviços agrícolas de mecanização, oferecendo assistência técnica que auxiliem em todas as etapas da produção, indo desde o preparo do solo, irrigação, colheita, armazenamento, processamento até logística de escoamento.
É evidente que o GIP é um programa ousado, de maneira que os seus desafios são constantes. Entre os principais desafios destacam-se: a continuidade nos fluxos de financiamento internacional e local e a adaptação tecnológica dos processos de mecanização. Pois, embora as máquinas brasileiras sejam referência, a sua eficácia depende de ajustes às condições da Nigéria, além da oferta de treinamento contínuo para operadores e agricultores.
Apesar das dificuldades inerentes de projetos dessa amplitude, é importante destacar que a Cooperação Sul-Sul entre Nigéria e Brasil cria muitas oportunidades para ambas as partes. Ao adotar os princípios de reciprocidade e horizontalidade da cooperação brasileira, o GIP pretende reposicionar a Nigéria como uma exportadora agrícola regional, enquanto ao Brasil busca resgatar o soft power da sua CSS, além de consolidar laços econômicos e estratégicos com a maior economia da África. Em um cenário global marcado por incertezas climáticas, econômicas e geopolíticas, o Green Imperative Project se destaca como um exemplo de inovação, solidariedade e pragmatismo no campo da cooperação Sul–Sul.
