Viagem de Nancy Pelosi a Taiwan abre novo capítulo da relação entre EUA e China

A viagem de Nancy Pelosi a Taipé é o começo de um novo capítulo, de desfecho incerto, nas relações entre China e EUA a respeito de Taiwan.

Analistas divergem sobre o saldo da visita. Muitos se apressam em classificá-la como um grande sucesso —e talvez a missão arriscada seja vista como uma estrela no currículo da deputada junto ao público interno dos EUA, cujo sentimento anti-China atinge níveis históricos.

No entanto, para além de eventuais ganhos pessoais para a poderosa presidente da Câmara dos Representantes, e mesmo de imagem para os democratas, cabe alargar os horizontes e avaliar o impacto da aventura para a estabilidade internacional.

A resposta imediata de Pequim veio na forma de medidas em oito áreas, incluindo exercícios militares com munição real, a suspensão do diálogo com os EUA em matéria climática e a interrupção das interações militares, prejudicando os valiosos canais de comunicação existentes.

Os ensaios militares, que Pequim prometeu manter, incluíram um cerco a Taiwan, sugerindo que poderia bloquear a ilha caso a situação se deteriore. Pequim agora se vê com uma justificativa — ou um pretexto — para legitimar seus avanços.

Nesta semana, ao fim das manobras, as autoridades chinesas publicaram um documento de posição, um “white paper”, sobre Taiwan, com sua visão sobre o assunto. Trata-se do terceiro documento dessa natureza sobre a ilha; o último datava de 2000.

Oficialmente, a China defende a reunificação pacífica, mas não abre mão da possibilidade de usar a força se necessário. Como maneira de combater resistências em Taiwan, Pequim promove a fórmula de “um país, dois sistemas”. “Após a reunificação pacífica, Taiwan poderá preservar seu sistema social atual e usufruir de um alto grau de autonomia, de acordo com a lei. Os dois sistemas sociais se desenvolverão lado a lado por um longo período”, consta do documento.

Compromissos parecidos foram assumidos quando houve a devolução de Hong Kong à China pelos britânicos em 1997. Hoje, no entanto, a fórmula padece de um déficit de credibilidade, depois de ter funcionado razoavelmente bem por mais de 20 anos. Para conter protestos que se estendiam por meses em 2019, Pequim suprimiu muitas liberdades existentes, com a ajuda de uma lei de segurança nacional.

O precedente de Hong Kong agora joga contra o esforço chinês de convencer Taiwan.
Além disso, diferentemente dos dois outros white papers sobre Taipé, o atual documento elimina referência à promessa de que Pequim não enviaria tropas para a ilha após a reunificação. Trata-se de recalibragem da oferta, à luz de um contexto que se complica. 

Ao mesmo tempo, as desconfianças afetam não apenas as promessas chinesas. As garantias de Washington padecem do mesmo mal. A saída desastrosa do Afeganistão, no ano passado, fez crescer as dúvidas sobre a credibilidade das promessas americanas na área de segurança. Aliados dos EUA comeram poeira no aeroporto de Cabul com a partida às pressas. Agora, no contexto da Guerra da Ucrânia, por mais imperfeita que seja a comparação, o apoio dos EUA a Kiev —com armas, mas não com tropas— também é objeto de preocupação em Taiwan.

A visita de Pelosi serviu para acirrar os ânimos, alimentar desconfianças eafetar um equilíbrio frágil que, por mais de 40 anos, conseguiu evitar a guerra na região do estreito de Taiwan. Quem avalia os resultados olhando apenas para a política doméstica americana só enxerga o que quer. Taiwan está mais segura por causa da visita? Os países da região? Quão mais estável está a ordem internacional depois do tour de Pelosi?

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/tatiana-prazeres/2022/08/o-saldo-do-tour-de-pelosi-em-taiwan.shtml

Comentários estão desabilitados para essa publicação