Venezuela vota projeto polêmico para ampliar seu território

Venezuelanos fizeram uma votação incomum: dizer se querem redesenhar as fronteiras de seu país de modo que cerca de 2/3 do atual território da vizinha Guiana passem a ser considerados território da Venezuela. Essequibo, a região em questão, tem um histórico de questionamentos iniciados há quase 200 anos. Essa é a primeira vez que o tema será levado a referendo popular. 

Nenhuma das cinco perguntas que estarão no referendo faz menção a invasão militar, ocupação ou anexação da região de Essequibo. Mas a consulta em dois pontos questiona se os eleitores concordam que a Venezuela use “de todos os meios” para alcançar seu objetivo de criar o Estado da Guayana Esequiba em toda a atual faixa oeste da Guiana. 

O governo Maduro tem mesclado mensagens em prol de uma solução negociada com mensagens de tom bélico. Numa delas, um vídeo postado pelo ministro da Defesa, Vladimir Padrino, exibe cinco soldados subindo a pé uma colina, fuzis em punho, posição de ataque e embalados por uma trilha de filme de ação. Ao fundo, uma voz brada: “Essa terra nos pertence”. 

Analistas venezuelanos veem com grande ceticismo qualquer sugestão de que Maduro esteja em vias de enviar tanques, tropas e caças para a Guiana – no caso da vitória do “sim” no domingo. 

“Não acredito nisso. Até porque as alianças internacionais que se formariam em torno da Guiana seriam muito fortes”, disse ao Valor um veterano observador da política local, Luis Vicente Leon, da consultoria e empresa de pesquisas de opinião Datanalisis. Daniel Lansberg-Rodríguez, sócio da Aurora Macrostrategies e professor-adjunto da Escola de Administração da Northwestern University, em Chicago, resume com bom humor sua incredulidade em relação a uma ação militar: “É mais ou menos a mesma probabilidade de que um meteoro atinja a região”. 

Ambos avaliam que a decisão de Maduro de apostar em uma consulta popular sobre Essequibo é baseado em um cálculo de política interna. Seria uma forma de unir o país em torno de uma bandeira nacional e forçar até a oposição a concordar com o presidente, herdeiro de Hugo Chávez. A Venezuela tem eleições presidenciais programadas para 2024 e a oposição vem se mobilizando. 

Outra leitura feita por analistas na Venezuela: uma vitória do “sim” poderia dar munição para que Maduro decidisse por um decreto de emergência nacional – sob alegação de que uma questão de soberania está em jogo – e assim adiar as eleições. 

À parte as disputas políticas, a região de Essequibo – em grande parte coberta por floresta – passou a ser vista como um tesouro em potencial depois das descobertas feitas na última década de campos de petróleo offshore na Guiana. 

Às vésperas do referendo, o ministro da Defesa do Brasil, José Múcio, ordenou um reforço da defesa da fronteira na região. “As ações de defesa têm sido intensificadas na região da fronteira ao norte do país, promovendo maior presença militar”, disse a assessoria por meio de nota. 

Sob pressão do vizinho bolivariano, o governo do presidente guianense, Mohamed Irfaan Ali, tem procurado mostrar que conta com aliados de peso. Esta semana, tratou do tema em Dubai com o rei Charles, do Reino Unido, e com o ministro das Relações Exteriores britânico, David Cameron. A França também manifestou apoio à integridade territorial da Guiana. Em julho, o secretário de Estado dos EUA, Anthony Blinken, viajou para Georgetown. Mas na ocasião, publicamente, o tema da fronteira não teve destaque. 

Há gerações, venezuelanos aprendem na escola que a região é contestada pela Venezuela. Segundo Luis Vicente Leon, uma pesquisa de opinião realizada em novembro pela Datanalisis apontou que 93% dos entrevistados disseram ver Essequibo como um território venezuelano e que é responsabilidade do governo defender política e diplomaticamente a região. Mas esse apoio maciço à tese tende a não se traduzir em votos no domingo, segundo Leon, que citou que 41% dos entrevistados disseram não ver sentido em um referendo; 40% disseram aprová-lo; e 19% não responderam. “Muitos veem uma tentativa de manipulação política”, diz ele. 

O conflito envolvendo a fronteira entre Venezuela e Guiana remonta a 1824, quando o Reino Unido reconheceu uma linha que demarcava o limite leste da então Gran Colombia. Essequibo fez parte da Venezuela quando esta ainda era colônia. Mas, em 1899, uma arbitragem internacional colocou a região no território guianense. Os questionamentos prosseguiram por anos e em 1966 houve um novo acordo, que anulou o primeiro. O tema atualmente está na Corte Internacional da Haia – também sob contestação de Caracas. 

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2023/12/01/venezuela-vota-projeto-polemico-para-ampliar-seu-territorio.ghtml

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