Donald Trump fará sua estreia na Cúpula das Américas nesta semana com um discurso no qual acusará a China de “agressividade econômica” e defenderá que os EUA sejam o parceiro preferencial da região. Mas seu esforço de sedução deve ser prejudicado pelo anúncio de medidas protecionistas e sua guerra contra a imigração ilegal.
Dias antes de sua primeira viagem à América Latina, Trump reacendeu a retórica mais agressiva de sua campanha contra a imigração e anunciou o envio de tropas à fronteira com o México. Líder da maior economia do mundo, ele usará a cúpula no Peru para se queixar do que vê como desequilíbrios na relação comercial dos EUA. Fiel ao lema “América em Primeiro Lugar”, ele também promoverá os interesses econômicos de seu país.
O presidente vai buscar exportação e abertura de mercados para empresas e setores que garantam expansão de empregos para trabalhadores e fazendeiros americanos”, disse um assessor da Casa Branca, em conferência telefônica na quinta-feira. Segundo ele, a mensagem que Trump levará será compatível com sua estratégia de segurança nacional e destacará “a proteção da pátria” e do “modo de vida dos EUA”, uma referência à imigração ilegal e às drogas.
“Trump olha para a América Latina sob a óptica da ameaça e não da oportunidade”, disse Eric Farnsworth, vice-presidente do Conselho das Américas. Em sua opinião, seria importante que ele apresentasse uma “agenda positiva” para o relacionamento com os vizinhos, o que está longe de estar garantido. “Há grande preocupação com a direção dos EUA em relação ao comércio, à imigração e à segurança na fronteira.”
A retórica de Trump fez com que as Américas registrassem a maior queda na aprovação da liderança dos EUA entre todas as regiões do mundo – de 49%, no último ano do governo Barack Obama, para 24% em janeiro, ao fim do primeiro ano da nova gestão, segundo o Gallup. O levantamento mostrou que apenas 16% dos entrevistados em 20 países latino-americanos têm avaliação positiva de Trump. No mesmo estágio em seu mandato, Obama tinha aprovação de 61%.
O encontro de Lima terá como pano de fundo o aumento do protecionismo e o risco de uma guerra comercial com a China, que é o principal destino das exportações de vários países da região, entre eles o Brasil.
A tensão contrasta com o clima da Cúpula das Américas realizada há três anos no Panamá, marcada pelo otimismo em relação a uma nova fase no relacionamento regional. Raúl Castro fez então sua estreia no evento, marcado pelo seu aperto de mão com Obama. Quatro meses antes da cúpula, ambos haviam anunciado o reatamento de relações bilaterais após décadas de isolamento.
“Há um risco real de deterioração da relação dos EUA com a região que não vimos no passado”, disse o presidente do Inter-American Dialogue, Michael Shifter. “Os líderes latino-americanos aguardam Trump desorientados, confusos e preocupados.” Em sua opinião, o ambiente vai piorar se o protecionismo de Trump levar à desintegração do Nafta – acordo de livre comércio com México e Canadá.
“Se os EUA tentarem forçar os governos a escolher entre EUA e China, isso é uma receita para a deterioração e o aumento da desconfiança em relação a Washington”, declarou Shifter.
“A agressividade econômica da China não tem sido produtiva para a região”, disse o assessor da Casa Branca, segundo o qual Trump usará a cúpula para alertar contra “atores externos” na região. Mas o protecionismo de Washington pode reduzir o poder de sua retórica. No mês passado, os EUA anunciaram tarifas de 25% sobre a importação de aço que atingiram Brasil, Argentina, México e Canadá. Os países foram temporariamente excluídos da penalidade, mas poderão ser obrigados a aceitar cotas nas exportações do produto.
“As ameaças à China ignoram o fato de que muitos dos países da região veem “benefícios consideráveis em seu relacionamento com Pequim”, ponderou Margaret Myers, que estuda a presença econômica da China na América Latina no Inter-American Dialogue.
Além do comércio, ela lembrou que a China é uma fonte importante de financiamento, com desembolsos que superam os realizados pelas tradicionais organizações multilaterais, como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento.
Jason Marczak, especialista em América Latina do Atlantic Council, acredita que a Cúpula de Lima, que começa na sexta-feira, será uma das mais complexas e importantes desde 1994, em razão do agravamento da crise na Venezuela, do aumento da tensão no relacionamento da região com os EUA, da ameaça de uma guerra comercial e dos escândalos de corrupção que afetam vários países latino-americanos.