Três maneiras de reduzir o poder das gigantes de tecnologia

A temporada de caça às grandes empresas de tecnologia está aberta. Políticos e autoridades regulatórias deram início ao cerco do setor, e uma ideia até recentemente impensável começa a ser expressada de forma cada mais frequente: será que a divisão forçada de algumas das maiores empresas do mundo será parte do debate?
A ideia conquistou manchetes em março, quando a senadora Elizabeth Warren, de Massachusetts, aspirante à candidatura presidencial democrata em 2020, prometeu que promoveria a cisão das grandes empresas de tecnologia, se chegar à Casa Branca.
Nesta semana, a sombra de medidas regulatórias drásticas voltou a pender sobre o Vale do Silício quando surgiu a informação de que o Departamento da Justiça e a Comissão Federal do Comércio (FTC) dos Estados Unidos havia chegado a acordo sobre quem se responsabilizaria pelas possíveis ações antitruste.
Ao mesmo tempo, o Comitê Judiciário da Câmara dos Deputados anunciou que iniciaria um inquérito sobre a possível necessidade de um aperto na legislação anticoncorrencial do país, para que se torne possível controlar as big techs —Amazon, Apple, Facebook e Google.
O interesse encorajou críticos do setor e levou executivos e analistas a colocar em debate uma questão que até recentemente parecia inconcebível: se acontecer uma cisão forçada, de que forma seria?
As possibilidades mencionadas com mais frequência incluem proibir a atuação em determinados mercados; dividir as plataformas mais poderosas dessas empresas para que elas se tornem empresas de infraestrutura regulamentadas separadamente; e reverter aquisições que não despertaram preocupação no momento em que ocorreram.
Mas nem mesmo uma redução no tamanho dessas empresas e a dispersão de suas operações pode bastar para silenciar preocupações. “O resultado disso será dispersar o problema, não resolvê-lo. Se o Google for dividido em partes, você ainda terá 10 caras montando perfis de dados detalhados sobre os usuários de internet”, disse Roger McNamee, investidor veterano no Vale do Silício.
O apelo de Warren por ação drástica foi nada mais que “uma maneira retórica de atrair atenção política”, disse um crítico do Google em Washington. “É uma forma de provar que você está falando sério, disposto a comprar brigas e encarar os gigantes, no campo antitruste. Mas o pessoal da equipe de Warren sabe que chegar lá será difícil.”
Para as autoridades regulatórias, enquanto isso, os casos antitruste que podem resultar na maior das sanções possíveis —a divisão de uma empresa— são “horrivelmente dispendiosos, e as soluções ordenadas são quase sempre decepcionantes”, disse Herbert Hoverkamp, professor de leis antitruste na Universidade da Pensilvânia.
Ele aponta para o bem sucedido recurso da Microsoft contra uma ordem judicial que ordenou que a divisão Windows da empresa fosse separada de todas as suas demais atividades para que autoridades regulatórias hesitem em buscar medidas semelhantes agora.
Mas isso não impediu que o debate sobre a forma que uma cisão forçada tomaria, ou sobre outros limites estruturais para o setor de tecnologia, ganhasse ímpeto.
Uma abordagem seria restringir o número de mercados em que essas empresas podem operar. Isso representaria um recuo a um modo mais antigo de encarar a economia, sob o qual grandes áreas de atividade comercial estavam limitadas a um conjunto prescrito de empresas, disse Michael Cusumano, professor de gestão no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT).
Há um precedente para uma ação como essa, disse McNamee: um acordo judicial de 1956 envolvendo a AT&T. A intervenção autorizava a companhia, que detinha monopólio sobre as telecomunicações, a operar apenas em mercados regulamentados, o que a impedia de abusar de sua força em outros segmentos. Um arranjo semelhante poderia ser usado para limitar as atividades das empresas de tecnologia.
Exemplos óbvios de atividades das quais elas seriam excluídas, de acordo com McNamee, são os transportes e serviços financeiros, duas áreas em que empresas do setor já começam a deixar sua marca. A medida também forçaria as empresas a abrir mão de operações que já tenham nas áreas restritas.
Uma segunda ideia que vem ganhando apoio entre os críticos da tecnologia é a de promover a cisão de plataformas monopolistas. Os defensores dessa ideia, como Warren, dizem que ela resolveria um problema comum: o fenômeno de um vencedor que fica com todas as recompensas, e aproveita os efeitos de rede para produzir plataformas dominantes.
Entre as grandes empresas de tecnologia, as plataformas variam do serviço de buscas do Google às lojas de aplicativos da Apple e Google e ao comércio eletrônico da Amazon.
Tentar transformar as grandes plataformas de tecnologia em empresas separadas pode não ser tão simples. Uma complicação envolve os diferentes modelos de negócios que desenvolveram em torno de suas plataformas.
Por exemplo, o Google não cobra pelo sistema operacional Android para aparelhos móveis, e em lugar disso o usa para atrair usuários aos serviços bancados por publicidade. “Se for retirado, a empresa despenca”, disse Cusumano. “É a distribuição gratuita do Android que permite coisas como o Gmail e o serviço Maps.” 
Uma terceira opção para reestruturar as grandes empresas de tecnologia envolveria reverter aquisições, como a do WhatsApp e Instagram pelo Facebook, ou a do YouTube pelo Google. Essas operações continuam a ter identidades distintas dentro das duas empresas, o que tornaria mais fácil promover uma divisão.
No entanto, o presidente-executivo do Facebook, Mark Zuckerberg, declarou recentemente que planejava unir de maneira mais firme os diversos serviços do Facebook —o que muita gente interpreta como manobra preventiva para dificultar a cisão da empresa.
Mesmo alguns analistas que em geral se opõem à divisão de grandes empresas de tecnologia reconhecem que algumas aquisições podem ter criado problemas. Mark Mahaney, analista de internet na RBC Capital Markets, disse que as empresas de tecnologia propiciaram benefícios consideráveis aos consumidores, mas que a aquisição pelo Google da DoubleClick, uma empresa de publicidade digital, pode ser uma transação que deveria ser revertida, ainda que na época ela tenha sido aprovada por autoridades regulatórias.
Como as empresas de tecnologia se sairiam?
É difícil avaliar como possíveis cisões afetariam as empresas. Há quem argumente que elas seriam um completo desastre para os investidores. As operações de varejo da Amazon, separadas da Amazon Web Services (AWS), seriam expostas como cronicamente deficitárias, disse Bill Smead, que comanda a Smead Capital Management, uma administradora de investimentos sediada em Chicago.
De modo semelhante, se a Apple fosse forçada a separar suas lojas de apps e sua divisão de serviços, reduzindo-a às suas plataformas de hardware e software, duas áreas de baixo crescimento, a empresa ficaria privada de suas melhores perspectivas de crescimento.
“Se a Apple perder a capacidade de vender serviços, será um golpe devastador”, disse Cusumano. Mas em outros casos, cisões podem até beneficiar os acionistas. Negócios como o Instagram ou o YouTube, por exemplo, poderiam sair da sombra lançada por seus controladores e se tornar gigantes por direito próprio. 
Alguns analistas apontam também que os conflitos de interesses que existem dentro de algumas empresas de tecnologia hoje poderiam prejudicar suas perspectivas de negócios, o que tornaria uma cisão desejável.
O domínio da AWS sobre o mercado de computação em nuvem, por exemplo, deixou uma escolha difícil a outras companhias de varejo: devem ou não confiar em uma rival para suas necessidades básicas de computação? 
A frente de batalha quanto ao futuro das grandes empresas de tecnologia ainda está sendo definida. No entanto, a perspectiva de reestruturações empresariais significativas demorará alguns anos para se tornar clara.

https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/06/tres-maneiras-de-reduzir-o-poder-das-gigantes-de-tecnologia.shtml

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