Tornar carro elétrico tão essencial como celular é o desafio das montadoras 

Os fabricantes de veículos sabem que para tornar o carro 100% elétrico cada vez mais atraente não basta apontá-lo como uma solução para a causa ambiental. Nos Estados Unidos, equipes de pesquisa e desenvolvimento usam a criatividade para tornar o automóvel cada vez mais conectado e útil na vida das pessoas, a ponto de fazê-las acreditar que aquele objeto é quase tão essencial quanto o telefone celular. 

Se hoje encontrar pontos de recarga ainda é uma preocupação em alguns lugares, em outras situações o veículo pode funcionar como uma espécie de gerador para quando faltar energia em sua casa. 

No chamado sistema bidirecional, já disponível nos Estados Unidos, o carregador serve não apenas para “abastecer” a bateria do veículo como também fazer o caminho oposto: enviar a energia armazenada na bateria do carro para a rede. 

O sistema bidirecional já está disponível na F-150 Lightning, picape de grande porte da Ford, vendida nos Estados Unidos. “Se a energia cair, a picape passa a alimentar a sua casa. “Com a incidência de desastres climáticos, como furacões, isso tem sido muito valorizado por aqui”, destaca o gerente de marketing da Ford, Michael Sego. Segundo ele, a bateria do veículo é suficiente para abastecer uma casa durante pelo menos três dias. 

O sistema bidirecional também ajuda a reduzir o custo com energia. Em Nova York, uma empresa de compartilhamento de veículos começou a usar essa tecnologia em sua frota há um ano. O projeto é da Fermata Energy, startup de energia. 

Levar a energia do carro para a rede ou aproveitá-la em outras coisas que usam eletricidade é mais um passo que os americanos dão para mostrar que o uso do veículo elétrico está prestes a ganhar novas dimensões. 

Mas é na conectividade que a indústria mais trabalha para levar o consumidor para dentro do carro e fazer com que ele não tenha vontade de sair dele. 

Um grande aliado das montadoras nesse processo é o telefone celular e não é à toa que há um ano a Ford contratou Doug Field, executivo da Apple, para chefiar a área de desenvolvimento de produtos da montadora. 

Por meio do smartphone o proprietário consegue hoje saber onde seu veículo está, ligá-lo à distância ou regular o ar- condicionado antes de entrar. Se for um modelo elétrico é possível controlar o carregamento das baterias. Nos novos modelos, você não precisa nem lembrar de carregar a chave. Seu celular poderá destrancar a porta do carro. 

Segundo o vice-presidente da Ford Brasil, Rogelio Golfarb, quando se fala em carro conectado, o que o consumidor de fato quer é um veículo conectado com o celular que está sempre ao seu alcance. “Na indústria automobilística, hoje, o diferencial competitivo virá do software. Por isso, vamos cada vez mais nos aproximar de uma empresa de tecnologia”, destaca Goldfarb. 

“Se você pretende fabricar produtos de tecnologia, precisa de programadores de software e de profissionais da área que sejam os melhores do mundo”, completa Darren Palmer, vice-presidente global para veículos elétricos da Ford e integrante da equipe de Field. Segundo ele, na Ford trabalham hoje profissionais que já passaram por empresas como Google. “Todos eles estiveram envolvidos em produtos que você tem na mesa”, destaca o executivo. 

E é nos modelos elétricos que se baseia todo o desenvolvimento tecnológico de conectividade. “Acreditamos que o lado tecnológico é tão ou mais importante que o trem de força do veículo elétrico”, afirma Palmer. 

“Nossa F-150 Lightning (picape elétrica vendida nos EUA) tem melhor off-road que a versão a gasolina. Mas você não vende por isso. Trata-se de um produto tecnológico. É preciso despertar a imaginação das pessoas”, afirma. 

“Dirigir com viva-voz no Blue Cruise (sistema de comando para direção semiautônoma da Ford) é uma daquelas coisas que você no começo diz: ‘não preciso disso’. É como os bipes de sensor ou câmera de ré. Inicialmente você diz: eu não preciso disso. Mas uma vez o tenha, nunca mais vai comprar um carro sem isso”, completa Palmer. 

Segundo o executivo, quando a tecnologia se difunde todos passam a desejá-la. “Eu adoro dirigir carros, mas não gosto de dirigir em engarrafamentos. Ninguém gosta, certo?”, destaca. 

O executivo conta sobre a experiência da direção autônoma, que tem várias fases: “No começo você pode se sentir nervoso. Depois, solta um pouco a direção, em seguida coloca as mãos ao volante um pouco, novamente. Vinte minutos depois você diz: sim, isso dirige o carro sozinho. Você se acostuma com o quão bom e confiável é”. 

Palmer é um executivo inglês que há seis anos participou na Ford de um programa criado exclusivamente para o desenvolvimento de veículos elétricos. O Mustang Mach-E, que será lançado no Brasil em outubro, é um dos frutos desse trabalho de fazer carros “que nascem elétricos” e que inicialmente era chamado de Team Edison. O nome era alusivo à amizade entre Henry Ford e Thomas Edison. No início do século passado, os dois amigos inventores americanos chegaram até a fazer alguns experimentos envolvendo carros elétricos. 

Apesar dos avanços na eletromobilidade, carregamento público ainda é um problema nos Estados Unidos. Há poucos dias foi motivo de interesse de jornais e canais de TV americanos uma história envolvendo o secretário do departamento de Transportes dos Estados Unidos, Pete Buttigieg. O secretário de Transportes relatou que ele próprio enfrentou dificuldades para encontrar um ponto de carregamento em funcionamento. O governo americano anunciou um plano extra de investimentos de US$ 100 milhões para melhorar a infraestrutura de carregamento no país. 

O plano de descarbonização do governo Joe Biden inclui bônus na compra do carro elétrico. Para cada veículo, o governo oferece um abatimento de US$ 7,5 mil. 

Mesmo assim, o mercado dos carros totalmente elétricos nos Estados Unidos ainda é pequeno quando comparado a alguns países da Europa e com a China. Mas está em crescimento. Representou 7,1% das vendas no primeiro semestre ante 4,9% no mesmo período de 2022, segundo dados da “Insideevs”, publicação americana especializada. 

Apaixonados pelos “carrões”, os americanos tendem a se interessar mais pela eletrificação à medida que a tecnologia começa a ser incluída em modelos de grande porte e, principalmente, nas grandes picapes, que conseguem manter potência e autonomia, apesar do tamanho. Rodam até 500 quilômetros com uma carga de bateria. 

Encerrado no domingo, o salão do automóvel de Detroit deste ano foi transformado em pistas de teste drive e com muitas picapes elétricas à disposição do público. Há pouco para ver do lado de fora dos carros hoje. O mais interessante é a experiência na direção. 

https://valor.globo.com/empresas/noticia/2023/09/26/carro-eletrico-tao-essencial-como-celular-e-o-desafio-das-montadoras.ghtml

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