Sobre a “Lei Geral da Copa” e a Copa sem povo

Marcos Maurício Alves da Silva

Em 30 de outubro de 2007, em Zurique, na Suíça, o Brasil foi oficializado como sede da Copa do Mundo – FIFA 2014. Nesse mesmo dia, o então presidente Lula afirma que todos os que ali estavam (presidente, governadores, ministros) assumiriam uma responsabilidade enquanto nação, enquanto Estado brasileiro. Mas não só o presidente assumia esse discurso, em muitos outros momentos, após esse dia ouvia-se quase como um mantra referências à “Copa do Povo”. No entanto, no documento oficial do governo brasileiro para a regulamentação da Copa não há nenhuma menção ao povo.

A Lei 12.663/12, mais conhecida como Lei Geral da Copa, está em vigor desde 5 de junho de 2012, quando foi sancionada pela presidenta Dilma Rousseff. A Lei tem caráter transitório, pois será aplicável apenas à Copa das Confederações FIFA de 2013 e à Copa do Mundo FIFA de 2014, e é uma das obrigações que o Governo Brasileiro assumiu quando o presidente Lula e o Ministro do Esporte assinaram a garantia máster em 15 de junho de 2007. A Lei Geral da Copa está dividida em 10 capítulos e 71 artigos. Trata, sobretudo, de proteção e exploração de direitos comerciais; visto de entrada e de trabalho; venda de ingressos; condições de acesso e permanência nos locais oficiais de competição; além de assuntos gerais sobre a organização dos jogos.

Durante todo o Processo Legislativo houve muita controvérsia. De um lado está a obrigação da elaboração e sanção da lei que estabelece os critérios para que a Copa possa ser realizada, do outro estão as leis brasileiras já estabelecidas que podiam entrar em choque com a elaboração dessa nova lei.

Alguns artigos polêmicos da lei que podemos aqui citar são as que estão no capítulo VIII – Disposições Penais. Nesse capítulo, estão os artigos de 30 a 36 e os três primeiros dizem respeito à: “Utilização indevida de Símbolos Oficiais, Marketing de Emboscada por Associação e Marketing de Emboscada por Intrusão”. As penas para estes crimes variam de 1 (um) mês a 1 (um) ano de prisão ou multa. Cabe ressaltar, que como afirma David Pimentel Barbosa de Siena “a objetividade jurídica tutelada nos crimes em estudo é a propriedade industrial” (Siena, 2012). Ou seja, preocupa-se com as possíveis perdas da FIFA e de seus colaboradores durante o período da Copa e não com a possibilidade de ganho de alguma empresa brasileira não vinculada diretamente aos jogos. Além disso, no texto do Art. 34 temos “Nos crimes previstos neste capítulo, somente se procede mediante representação da FIFA.” Dessa forma, é possível perceber que as autoridades brasileiras não podem punir alguém que cometa crimes previstos nessa lei a menos que haja uma representação formal da FIFA e no último artigo desse capítulo da Lei há a informação que os “tipos penais” estabelecidos ali têm vigência até dia 31 de dezembro de 2014.

Outra polêmica que suscitou muitas dúvidas e discussões na sociedade brasileira (e principalmente na mídia do país) foi a liberação de bebidas alcoólicas nos estádios e imediações durante os jogos da Copa. No relatório elaborado pelo deputado Vicente Cândido para a Comissão Especial destinada a proferir parecer ao Projeto de Lei 2.330/11 encontramos o seguinte esclarecimento para o artigo 29 que tratava sobre o consumo de bebidas dentro dos estádios: “julgamos oportuno esclarecer, no Substitutivo, que a venda e o consumo de bebidas, em especial as alcoólicas, nesses locais serão admitidos desde que o produto esteja acondicionado em copo de plástico, vedado o uso de qualquer outro tipo de embalagem”.

No entanto, esse artigo que tanta especulação gerou, foi cortado do texto final. Acreditamos que isso tenha acontecido, pois não há uma legislação específica sobre a proibição das bebidas nos estádios brasileiros. Encontramos, isso sim, um “Termo de adendo ao Protocolo de intenções celebrado entre o Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União e a Confederação Brasileira de Futebol” no qual estabelecem diretrizes que passarão a integrar os planos de ação visando a segurança dos torcedores que participam dos eventos esportivos coordenados pela CBF.

Nesse documento – disponível no site da CBF – com data de 25 de abril de 2008 e assinado pelo presidente do Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais e da CBF, pode-se ver o seguinte veto às bebidas alcoólicas nos estádios: “São vedados o consumo e a venda de bebidas alcoólicas no interior dos estádios que sediem eventos esportivos decorrentes de competição coordenada pela Confederação Brasileira de Futebol, antes e durante as partidas.”

Talvez por não ser uma lei nacional, a referência às bebidas nos estádios não apareça na Lei Geral da Copa. Assim sendo, podemos ver que uma das principais reclamações e um dos maiores argumentos da imposição da FIFA às leis brasileiras surge de uma “não-lei” e, como dissemos, antes, há muitas partes da Lei Geral da Copa que sim são prejudiciais à sociedade brasileira, mas a proibição ou não da venda de bebidas alcoólicas nos estádios não deveria ser uma destas discussões.

Comentários estão desabilitados para essa publicação