Retratos da Real Auto-depreciação

Por Pedro de Santi
Professor ESPM
Circulando pelo Facebook, vi um post do Luis Fernando Garcia, cumprimentando o pessoal da agência que produziu a campanha “Retratos da Real beleza- Dove”. De fato, ela é muito bonita e delicada ao tocar num tema tão sensível quanto a auto-representação visual do rosto de mulheres.
O video é instigante, mesmo sem perder a perspectiva de que se trata de uma campanha e não de um estudo. Entenda-se por isto que se trata de um posicionamento de marca muito bem planejado e executado. A peça não tem o compromisso ou obrigação de ser ?verdadeira? em sua execução ou conclusão. Só haveria problema ético se o que fosse veiculado fosse frontalmente equivocado da perspectiva da psicologia. Não é o caso e acabo de usá-la justamente numa prova da disciplina de Psicologia II, em Comunicação Social (Propaganda e Marketing).
O que a campanha evidencia é o quanto, em geral, as pessoas têm intimamente uma representação muito ruim de si-mesmas. Pode parecer o contrário, na medida em que em nosso convívio presenciamos a vaidade expressa nas roupas, maquiagem, ostentação de bens de consumo e momentos de felicidade estampados em redes sociais. Mas, de fato, tudo isto é evidentemente uma reação e defesa contra o sentimento de base, que é justamente aquele que expresso na campanha.
Para o senso comum, narcisismo é vaidade e desinteresse pelos outros. Teoricamente, é algo muito distinto. Ele se aproxima mais do esforço (ou desespero) em tentar corresponder ao que conseguimos apreender sobre o desejo do outro, de quem dependemos. Somos seres relacionais, auto-insuficientes e estamos constantemente em busca de reconhecimento e espelhamento no olhar do outro. Não qualquer outro, mas aqueles que tomamos como referências; nossos pais, companheiros, aspirantes a companheiros, filhos, patrões, amigos, inimigos.
A autonomia absoluta é o sonho irrealizável de Narciso.
Partimos, assim, de um estado de ignorância e vazio sobre nós mesmos, temendo que não seríamos amados por nossas próprias características. Oferecemo-nos ao olhar dos outros (os outros externos do histérico, os outros internos do obsessivo, de forma simplificada) e nos alienamos nele.
Voltemos à campanha. Ela ilustra a representação de pouco valor intrínseco e o alívio catártico do confronto com a representação mais favorável vinda do outro.
Em geral, a mídia se apresenta como espelho rigoroso e impossível de satisfazer, uma vez que vende ideais de beleza garantido por pessoas belas, fotografadas e ?photoshopadas? por excelentes profissionais. É arrasador o confronto do rosto ou corpo reais com estes ideais apresentados como padrões. Arrasador e provocador de depressão, aliás.
Brincar e desfazer estes ideias sobre-humanos é o grande mérito da campanha Real Beleza.

Comentários estão desabilitados para essa publicação