Retirada dos EUA abre espaço para Rússia e China

A tomada do poder no Afeganistão pelo Talibã redesenha o mapa geopolítico da Ásia e dá à China e à Rússia – dois dos principais adversários estratégicos dos EUA – uma oportunidade para projetar seu poder na esteira da caótica saída americana. 

“A China beneficiou-se do comportamento irresponsável [dos EUA], que abalou profundamente a imagem internacional dos EUA e as relações entre Washington e seus aliados”, disse Zhu Yongbiao, assessor do governo chinês e professor da Universidade Lanzhou

Arkady Dubnov, analista político e especialista em Ásia central em Moscou, tem uma posição parecida. “Podemos alinhar nossos interesses [com a China] em oposição aos EUA”, disse ele. “O que é bom para nós é ruim para os americanos, o que é ruim para nós é bom para os americanos. Hoje a situação está ruim para os americanos e portanto está boa para nós.” 

Os primeiros sinais sugerem que a China – possivelmente apoiada pela Rússia, Paquistão e alguns outros países – adotará uma postura bem diferente, segundo diplomatas a especialistas. Pequim não deverá empregar força militar, buscando em vez disso a persuasão diplomática e econômica para atrair o Talibã para um caminho pacífico de reconstrução. 

“Esperamos que o Talibã do Afeganistão tenha unido todas as partes e estabeleça um modelo político que atenda as condições nacionais do Afeganistão e estabeleça as bases de uma paz duradoura no Afeganistão”, disse Geng Shuang, vice- representante permanente da China na ONU. 

Diplomatas asiáticos importantes que não quiseram ser identificados disseram que Pequim está disposta a desembolsar centenas de milhões de dólares para financiar a reconstrução de infraestrutura essencial no Afeganistão. Pequim estaria disposta a reconhecer formalmente o Talibã como governo legítimo do Afeganistão. Mas deixou muito claro que a concretização desses incentivos depende da adesão do Talibã aos principais objetivos da China. 

Fan Hongda, um especialista sobre o Oriente Médio na Universidade de Estudos Internacionais de Xangai, disse que depois das últimas reuniões de alto nível, o Talibã “deve compreender plenamente a posição da China”. A prioridade é garantir que o Afeganistão não se torne um “foco” de forças terroristas que ameaçam a China. 

Dentre as que mais preocupam estão grupos como o Movimento Islâmico do Turquestão Oriental, que é integrado por combatentes uigures que se opõem à repressão chinesa na fronteira noroeste de Xinjiang, onde Pequim prendeu em campos de internamento cerca de 1 milhão de uigures e pessoas de outras minorias muçulmanas. 

A China também tem buscado o apoio de outros participantes regionais, como Rússia e Paquistão, com os quais Pequim mantém relações sólidas. Mas a saída dos EUA mudou o cálculo estratégico tão drasticamente que novos ajustes desconfortáveis terão de ser feitos. 

Com os soldados americanos no Afeganistão, a Rússia não tinha de se preocupar com garantir as fronteiras de seus aliados da Ásia Central. Mas agora Moscou, que desfechou uma criticada invasão do Afeganistão em 1979, se prepara para adotar uma postura mais ativa. 

Do ponto de vista diplomático, a Rússia também precisa agradar ao Talibã e às partes que têm controle sobre o grupo, ou seja, a China e o Paquistão, disse Andrey Serenko, diretor do centro de Estudos Contemporâneos Afegãos. 

“[A Rússia] mais provavelmente terá de cooperar com a China. A China tem todos os trunfos na mão agora. A China influencia o Paquistão, a China mantém sua posição dentro do Afeganistão, cobra responsabilidade do Talibã”, acrescentou Serenko. 

“Portanto a estratégia russa com relação ao Afeganistão vai agora depender da China, vai se ajustar à China cada vez mais. O grande líder, Pequim, é quem dará as cartas nesse cenário.” 

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2021/08/19/retirada-dos-eua-abre-espaco-para-russia-e-china.ghtml

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