O Conselho de Segurança das Nações Unidas rejeitou nesta quarta (18) uma resolução proposta pelo Brasil, na qualidade de presidente do órgão, sobre o conflito entre Israel e o grupo terrorista Hamas. Houve 12 votos favoráveis, mas os EUA, que historicamente blindam Israel no conselho, vetaram a resolução.
A Rússia, que havia apresentado sua própria resolução e tentado fazer duas emendas ao texto brasileiro, se absteve, assim como o Reino Unido.
A embaixadora americana na ONU, Linda Thomas-Greenfield, justificou seu voto contrário à resolução pela ausência de uma afirmação do direito de Israel de se defender. “Não poderíamos apoiar essa resolução”, afirmou ela, dizendo ainda que o país está fazendo “diplomacia em campo”, citando a viagem do presidente Joe Biden a Israel nesta quarta.
“Nós estamos em campo fazendo o trabalho duro da diplomacia”, afirmou. “Nós acreditamos que precisamos deixar essa diplomacia se desenrolar.”
Diante da crescente pressão sobre o conselho para que reaja à escalada da violência na região, e do apoio majoritário ao texto brasileiro, o custo político do veto recai sobre os EUA. A posição de Washington não foi uma surpresa, diante do apoio contínuo do país a Israel no conselho, e os americanos vinham pressionando pelo adiamento da análise da resolução —que inicialmente deveria ter sido votada na segunda— justamente para não ter que se expor e vetar.
Os EUA agora terão dez dias úteis para justificar seu veto diante da Assembleia-Geral das Nações Unidas, onde poderão ser questionados pelos outros países —inclusive pela representação palestina.
A necessidade de explicação do veto por um membro do Conselho de Segurança foi introduzida após a eclosão da Guerra da Ucrânia. China e Rússia já tiveram que passar pelo processo, mas será a primeira vez dos EUA.
O embaixador chinês, Zhang Jun, classificou o resultado, consequência da posição de Washington, de “inacreditável”. A China apoiou a resolução brasileira.
“Nós acabamos de testemunhar, mais uma vez, a hipocrisia e a postura de dois pesos e duas medidas de nossos colegas americanos”, disse o representante russo no conselho, Vassili Nebenzia.
A França votou a favor do texto, e afirmou não ver nenhuma contradição entre a resolução elaborada pelo Brasil, elogiada pelo país, e a o apoio a Tel Aviv. Demais membros que votaram favoravelmente à resolução também agradeceram a missão brasileira pelo trabalho, considerado equilibrado.
Já a representação do Reino Unido também justificou sua abstenção pela ausência de uma afirmação clara ao direito de defesa de Israel.
Desde 2016 o conselho não emite uma resolução sobre o Oriente Médio. O fracasso se soma às críticas pela inércia em relação à Guerra da Ucrânia. Criado para ser uma espécie de guardião da segurança da comunidade internacional, a divergência entre os membros permanentes, com poder de veto —sobretudo entre EUA, China e Rússia— vem provocando uma imobilização do conselho.
“Tristemente, muito tristemente, o conselho mais uma vez não conseguiu adotar uma resolução. Silêncio e inação prevaleceram, para o interesse de longo prazo de ninguém”, disse o embaixador do Brasil na ONU, Sérgio Danese.
“Nos últimos dias, trabalhamos muito duro para engajar os membros do conselho [na resolução]. Fizemos um esforço para acomodar as posições diferentes, às vezes opostas. O realismo político nos guiou, mas nossa visão sempre esteve no imperativo humanitário”, afirmou o embaixador.
Depois da reunião, Danese disse que a justificativa americana para o veto “é a que se esperava”. Ele destacou que o documento teve apoio unânime dos dez membros não permanentes do conselho, e de dois permanentes, sendo um ocidental (França) e um oriental (China).
Em relação às críticas quanto à paralisia do conselho e as demandas por uma reforma —uma bandeira brasileira—, o diplomata disse o resultado mostra que há uma necessidade de aperfeiçoamento do mecanismo. “O veto mata a maioria.”
“Nós vamos voltar imediatamente a fazer consultas com os membros que estejam dispostos a retomar esse trabalho e ver se nós conseguimos algum resultado prático proximamente”, afirmou sobre os próximos passos. Ele disse ainda que vai aguardar instruções de Brasília.
“Muitos membros fizeram menção a missões que estão ocorrendo agora na região, com a visita de mandatários de alguns países. O próprio secretário-geral está se dirigindo à região, então é possível que isso traga alguns elementos novos e nós vamos tentar trabalhar também sobre esses elementos”, completou.
Apesar da derrota da resolução, membros da diplomacia brasileira avaliam que a iniciativa foi uma vitória, diante do apoio de 12 dos 15 membros do conselho —o que surpreendeu o país. Não fosse o veto americano, o texto teria sido aprovado.
O ministro de Relações Exteriores, Mauro Vieira, lamentou a rejeição. Ele disse ainda que o governo brasileiro fez todo o possível e que sua preocupação sempre foi humanitária quanto ao conflito no Oriente Médio. “Nossa preocupação sempre foi humanitária. Cada país terá tido sua inspiração própria”, completou.
“Considerando que o presidente Joe Biden está na região [nesta quarta], a posição americana é deixar qualquer ação da ONU em aguardo até ter uma chance de avaliar melhor a situação e enviar sua mensagem a Israel —e ter uma noção melhor de como Israel vai interpretar uma resolução nesse momento”, avalia Michael Barnett, professor de relações internacionais da Universidade George Washington.
“Havia um temor também de que o pedido de pausas humanitárias [na resolução] poderiam prejudicar as estratégias militares de Israel”, completou.
Para ser aprovada, uma resolução exige a aprovação de 9 dos 15 membros do órgão, e nenhum veto dos cinco com assento permanente –EUA, China, Rússia, França e Reino Unido.
O Brasil foi incumbido dessa missão pelo conselho, por ocupar a presidência rotativa do órgão no mês de outubro. Assim, o documento brasileiro é uma construção feita a partir de consultas com os demais membros —diferentemente do texto da Rússia, rejeitado na segunda, que foi produzido unilateralmente pela diplomacia do país.
Depois da rejeição de seu texto, os russos se engajaram mais nas consultas do texto brasileiro. A China, que votou favoravelmente à proposta de Moscou, também se envolveu mais.
A Rússia criticou a proposta brasileira nesta quarta, e propôs duas emendas. Uma para incluir uma condenação a ataques a civis na Faixa de Gaza, citando o ataque ao hospital, e a segunda, para falar em cessar-fogo humanitário, em vez de uma pausa humanitária. A primeira parte teve 6 votos a favor, 1 contra e 8 abstenções, sendo derrotada. A segunda parte também fracassou, após novo veto dos EUA —o placar total foi de 7 a favor, 1 contra e 7 abstenções.
A escalada de violência, que chegou ao 12º dia, já soma mais de 4.000 mortos, sendo 3.000 palestinos e 1.400 israelenses. A maioria é civil.
O texto brasileiro, organizado em 11 pontos, rejeita os ataques promovidos pelo Hamas desde 7 de outubro, classificados como terroristas, exige a imediata soltura dos reféns civis, e condena “toda violência e hostilidades contra civis e todos os atos de terrorismo”.
No preâmbulo, o texto expressa “profunda preocupação com a situação humanitária em Gaza e seus graves efeitos sobre a população civil, em grande parte composta por crianças”.
Em referência ao ultimato dado pelo governo de Benjamin Netanyahu no final de semana, o documento “insta à imediata revogação da ordem para que civis e pessoal da ONU evacuem todas as áreas ao norte de Wadi Gaza e se realoquem no sul de Gaza”. Não há menção a um direito de defesa de Israel, como pedido por Tel Aviv.
A resolução pede ainda que todas as partes cumpram o direito internacional, destacando as obrigações de respeito e proteção a civis e de trabalhadores humanitários, como funcionários da ONU e da Cruz Vermelha, no contexto de conflitos armados.
Nessa linha, o documento pede o estabelecimento de pausas humanitárias no conflito, diferente do que defendiam os russos, que pediam um cessar-fogo, para permitir o acesso de agências das Nações Unidas e seus parceiros, e incentiva a criação de corredores humanitários para a entrega de ajuda a civis.
“A pausa humanitária é aquele tipo de solução engenhosa dos diplomatas para driblar um ponto de divergência. A ideia de cessar-fogo implica que Israel pararia sua ação militar, e não é essa a ideia, é só uma pausa, onde está subsumida a ideia de retomada da operação”, afirma Dawisson Belém Lopes, professor de política internacional e comparada da UFMG.
O especialista vê o trecho como um reconhecimento implícito do direito que Israel tem se defender —demanda que Tel Aviv vem fazendo ao conselho.
Diante do alerta de uma catástrofe humanitária em Gaza após o cerco imposto por Israel, que impede a entrada de itens de necessidade básica como água, combustível, alimentos e remédios, o texto “insta fortemente a contínua, suficiente e sem impedimentos provisão de bens e serviços essenciais para civis”.
Há ainda um apelo para que todas as partes “exerçam o máximo de contenção”, assim como àqueles com influência sobre elas, para evitar uma escalada do conflito na região. Embora o texto não nomeie, a referência é aos EUA, principal aliado internacional de Israel que já vêm disponibilizando recursos militares a Tel Aviv, e ao Irã, um apoiador histórico do Hamas.
Uma resolução do Conselho de Segurança tem caráter mandatório, ou seja, obriga os países a cumpri-la. Caso contrário, um membro pode sofrer punições por tribunais internacionais. No entanto, levar um descumprimento a essas últimas consequências exige vontade política, destaca Lopes.
“O caso mais extraordinário nesse sentido é o de Israel, é a grande exceção, por conta dessa aliança especial com os EUA”, afirma ele. “Israel consegue sistematicamente, embora tenha despeitado várias resoluções importantes das Nações Unidas, [se proteger], porque os EUA votam invariavelmente para vetar resoluções que ameaçam Israel.”
O Brasil, que ocupa a presidência rotativa do Conselho de Segurança neste mês, foi incumbido de apresentar um texto na reunião da última sexta (13), após a Rússia circular uma proposta rechaçada pelos demais membros.
Na segunda, o país de Vladimir Putin insistiu em apresentar uma resolução, a qual foi rejeitada por um placar de 5 votos a favor, 4 contrários e 6 abstenções.
A resolução russa não condenava explicitamente o Hamas por terrorismo, mas atos terroristas em geral, e pedia um cessar-fogo para proteger a população civil, bem como a abertura de corredores humanitários.
A representação palestina nas Nações Unidas apoiava a resolução, assim como diversos países árabes, entre eles Egito e Jordânia, além da Venezuela. Os EUA, a França, o Reino Unido e o Japão votaram contra o texto russo. O Brasil se absteve, assim como Suíça e Malta. A China votou a favor.