Por que a China quer provar que não está blefando sobre Hong Kong

A China dependeu por muito tempo de Hong Kong para tudo o que ela não era. O capitalismo irrestrito e as liberdades pessoais, ausentes da China continental, a tornaram um dos centros financeiros mais importantes do mundo. Juntas, elas floresceram durante dezenas de anos.

Agora, a China está fazendo o que outrora era impensável: impondo a sua vontade a Hong Kong de uma maneira que poderá representar para sempre um prejuízo para a antiga colônia britânica em termos econômicos e políticos. Pressionando para a aprovação da nova lei de segurança nacional que muitos temem possa reduzir as liberdades da cidade, o Partido Comunista Chinês está calculando que o controle e a estabilidade superarão os benefícios que a cidade proporcionou por muito tempo a toda a nação.

Outro países estão ameaçando retaliar de maneiras que poderão tornar Hong Kong uma sombra do que foi. Os Estados Unidos prometeram acabar com o tratamento econômico especial que concederam há muito ao território. A Grã-Bretanha disse que poderá abrir as suas portas a três milhões de cidadãos do território, em uma grande operação de drástica evasão de cérebros.

Mas Pequim considera a própria posição igualmente forte em um momento em que o restante do mundo está dividido e ainda se recupera da pandemia do coronavírus. Os Estados Unidos se prejudicarão se adotarem medidas muito duras contra Hong Kong, acreditam alguns funcionários. O movimento de protesto de Hong Kong, pelo menos por enquanto, parece ter perdido o ímpeto.

E quanto à economia global, o Partido Comunista está apostando que o mundo necessita da China, com ou sem Hong Kong. Por enquanto, a comunidade de negócios não tem se manifestado. Mesmo que protestasse, os negócios sempre voltaram para a China, tanto na esteira da repressão da Praça Tiananmen em 1989 ou da devolução de Hong Kong pelos ingleses à China, em 1997.

“Por algum tempo, sempre haverá gente infeliz”, disse John L. Thornton, um ex-presidente do Goldman Sachs que mantém há muito tempo sólidos laços com a liderança da China. “Mas os tambores trovejam, os cães ladram, e a caravana passa. Este é julgamento político . Eles tiveram muitas provas empíricas de que as preocupações desaparecerão. “

Na quarta-feira 3, o HSBC informou que Peter Wong, seu diretor para a região da Ásia-Pacífico, assinou uma petição de apoio à lei de segurança Nacional.

Inquestionavelmente, a importância de Hong Kong diminuiu para a China enquanto a economia do continente crescia. Em 1997, quando a GB devolveu sua colônia à China, a produção econômica de Hong Kong equivalia a cerca de um quinto da produção do continente, o que a tornava um motor de crescimento necessário para Pequim. Deng Xiaoping, então líder supremo da China, concordara em permitir que Hong Kong preservasse as suas liberdades pelas décadas seguintes, e anos antes afirmara que “não havia nenhuma outra solução possível”.

Hoje, a produção de Hong Kong equivale a menos de 3% da do continente. Embora os investidores ainda apreciem o Estado de Direito, os baixos impostos e um ambiente de negócios que prima pela transparência em Hong Kong, eles se acostumaram a fazer negócios em cidades do continente como Xangai, onde o mercado acionário é maior do que o de Hong Kong em termos de valor.

Não obstante, Washington acredita que Hong Kong ainda é demasiado valiosa para que a China a prejudique.

Na semana passada, o presidente Donald Trump afirmou que retiraria o status especial de Hong Kong que lhe foi concedido por Washington. O que quer que ele faça, poderá sujeitar Hong Kong às mesmas tarifas e restrições comerciais impostas à China continental.

Se os EUA quiserem endurecer o tom abruptamente, poderão conter uma de suas principais forças: o papel vital do território no sistema financeiro global.

A China depende consideravelmente do acesso ilimitado de Hong Kong aos dólares americanos, que hoje, constituem a moeda, de fato, mundial. A China limita rigorosamente a quantidade de sua moeda que cruza suas fronteiras, tornando o renmimbi menos útil nos pagamentos e nos empréstimos globais, nos acordos ou na participação nas finanças internacionais. Cerca de três quartos de todos os pagamentos em renmimbi passam por Hong Kong. Segundo dados da Sociedade para as Telecomunicações Financeiras Interbancárias Mundiais, uma rede que facilita as transações financeiras globais.

A retaliação americana poderá bastar para muitas empresas saírem. Em uma pesquisa divulgada na quarta-feira pela Câmara de Comércio Americana em Hong Kong, mais de 25% das empresas ouvidas afirmaram que estudam a possibilidade de se mudarem para outro país.

Os indivíduos também talvez partam. O governo britânico, segundo o qual a lei de segurança nacional viola o acordo de devolução, disse que oferecerá um caminho para conceder a cidadania a quase 3 milhões de residentes de Hong Kong – cerca da metade da população – se a China for em frente com sua determinação.

Os moradores de Hong Kong também exploraram outras opções, como o Canadá, a Austrália e a Irlanda. Sua partida poderá privar a cidade de muitos talentos e embaraçar Pequim, e provavelmente é este o motivo pelo qual a China reagiu furiosamente ao anúncio da Grã-Bretanha.

“Todos os compatriotas chineses residentes em Hong Kong são cidadãos chineses,”  afirmou em uma coletiva à imprensa Zhao Lijian, um porta-voz do Ministério do Exterior chinês, acrescentando que a China poderá tomar contramedidas não especificadas.

Os funcionários chineses também acreditam que a elite dos negócios de Hong Kong, historicamente uma força moderadora em relação a Pequim, foi convencida ou pressionada a ir em frente. Muitos dos seus membros são donos de amplas holdings no continente.

“Provavelmente não deveremos exagerar na interpretação desta mensagem”, disse Li Ka-shing, o homem mais rico de Hong Kong, falando da lei em um comunicado.

Alguns dos maiores investidores da cidade afirmam que os negócios continuarão como sempre fizeram.

Weijian Shan, um importante investidor em private equity de Hong Kong, escreveu recentemente um livro de memórias detalhando as lembranças de sua infância difícil sob as duras políticas de Mao Zedong. Em uma carta aos seus clientes, esta semana, ele manifestou pouca preocupação com a nova lei de segurança nacional de Pequim para Hong Kong.

“Não haverá nenhuma mudança no governo da lei, no sistema judiciário independente, ou na liberdade de expressão”, afirmou.

A China decidiu agir em um momento de força política. Ela conteve o coronavírus em suas fronteiras, uma façanha que poucos outros países conseguiram. O momento pode ter encorajado o líder supremo, Xi Jinping, a tomar medidas que os seus antecessores jamais ousaram tomar.

Outros rivais se enfraqueceram. Trump luta para transferir a culpa pelos erros dos EUA na gestão da epidemia e está sendo cada vez mais prejudicado pela agitação interna.

Outras democracias ocidentais, aliadas históricas do movimento pró-democracia de Hong Kong, estão preocupadas com suas próprias crises. Os EUA, com sua retirada da liderança global no governo de Trump, não estão em posição de encorajá-los, afirmam tanto os partidários dos manifestantes quanto os de Pequim.

“ ‘Nós esperamos que a condenação externa por todo o que fazemos’ seja basicamente a sua atitude”, disse Andrew Nathanm professor de ciências políticas da Columbia University – “ ‘Vocês podem ladrar o quanto quiserem, mas não podem morder, por isso nós não nos importamos”

A jogada de Pequim já produziu ganhos em uma das principais arenas: a supressão dos protestos que a inspiraram a agir. Embora alguns manifestante tenham prometido uma luta ainda mais determinada contra a nova lei de segurança nacional, outros admitem que o movimento se rompeu, pelo cansaço e do pessimismo.

Os protestos pacíficos foram barrados por leis que visavam conter o coronavírus. Os participantes são presos em massa por uma polícia cada vez mais agressiva. Muitos dos manifestantes das linhas de frente que se chocaram, muitas vezes com violência, com a polícia fugiram de Hong Kong ou forma presos.

Uns poucos ativistas se uniram na esperança de que a China ainda precise e queira a aprovação do mundo.

“Se o restante do mundo não confiar na China, terá de se unir contra ela. Será este o caminho para frente para a China e Xi Jinping?”. Indagou Martin Lee, famoso defensor da democracia. “Precisamos convencê-los de que é absolutamente e principalmente no interesse da China que eles precisam ganhar a confiança do resto do mundo”.

Não está claro se Pequim concorda com esta postura. Lee, de 81 anos, às vezes chamado o “Pai da Democracia” em Hong Kong, foi preso em abril por participar de protestos no ano passado. 

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