Populismo húngaro

A Comissão Europeia, especialmente o seu chefe, Jean-Claude Juncker, dormiram mal nos últimos dias. Em seus sonhos, multidões de húngaros ridicularizavam as instituições comunitárias de Bruxelas. Na segunda-feira, 9, o real coincidiu com seus sonhos – e até os superou. 
Mas, já que Orban estava na direção do governo da Hungria, por que devemos nos inquietar? A diferença é que, ao contrário de ser desconsiderado por suas provocações contra a Europa, Orban foi reeleito por uma margem nunca vista, com quatro pontos porcentuais a mais do que na eleição anterior, o que lhe assegurou uma maioria de dois terços no Parlamento de 199 lugares. E como venceu as eleições pela terceira vez consecutiva, parece revestido de uma couraça invulnerável. 
Com essa forte maioria, ele poderá levar a cabo sua ambição: mudar a Constituição. Bruxelas poderá lançar gritos, reprovar energicamente, mas Orban fará o que bem quiser, sem o mínimo obstáculo. O porta-voz do seu partido, Zoltan Kovacs, com aquele lirismo que o povo húngaro esbanja, declarou: “Agora, temos elementos para escrever a história”.
Essa história, nós sabemos de que cores será pintada, pois Orban jamais ocultou suas posições, considerando a União Europeia uma utopia nefasta e perigosa. Terá ele intenção de deixar a UE como fez a Grã-Bretanha? Não é o seu plano. Ele prefere agir do interior, ou seja, criticá-la cruelmente, ridicularizar a UE e seus princípios humanitários e democráticos, mas sempre recebendo os benefícios por ela distribuídos: subvenções para a pecuária, para a indústria, etc. 
Ainda mais: a Hungria, que é um país pequeno, poderá aumentar sua influência no grupo de países do Leste da Europa, unidos na desconfiança dos princípios europeus. Este grupo, chamado Visegrad, abrange Hungria, Polônia, República Checa e Eslováquia. Assim, a leste da UE, se consolida uma coalizão de países antieuropeus.
Que ideias comuns unem esses países? Basicamente, o horror pelo islamismo e o desprezo pela política de Angela Merkel, que pertence a essa mesma direita que inspira Orban – o premiê odeia a chanceler alemã e jamais aceitou o fato de que, graças a ela, a Europa abriu, em 2015, suas fronteiras às “hordas” vindas da Ásia e da África.
Percebo que acabo de utilizar o termo “horda”, que não costumo usar, sobretudo ao me referir a imigrantes. Estaria eu contaminado pela eloquência desse pessoal do Visegrad? A capital húngara no domingo, às margens do Danúbio, ofereceu aos amigos de Orban uma festa suntuosa. Na noite sublime de Budapeste, oradores, cantores e dançarinos se sucederam para saudar “a primavera dos povos”, libertada de seus intrusos, retomando as antigas fobias da Europa da Idade Média aterrorizada com a chegada dos guerreiros de Átila, Tamerlan ou Gêngis Khan, que vinham festejar sobre as ruínas do Império Romano. 
Mas não é apenas o grupo de Visegrad que utiliza essa retórica irresponsável. Também é o caso da compassiva Europa Ocidental, na qual proliferam partidos antieuropeus, todos decididos a “expulsar as hordas de assassinos do Oriente”.
Não espanta o fato de Marine Le Pen ser a primeira a se alegrar ao ver suas ideias aplicadas em um membro da UE. E não é apenas ela. Os populistas percorrem o espaço europeu com o desejo de derrubar o edifício de Bruxelas, cujos tijolos vêm se soltando lentamente.

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