Polônia quer que a Europa inteira faça mais para se defender

Nas décadas seguintes ao colapso da União Soviética em 1991, a Polônia se tornou talvez o país mais pró-americano da Europa. Aderiu à Otan em 1999, abriga cerca de 10.000 soldados americanos e se beneficiou enormemente do apoio político e militar dos Estados Unidos.

Agora, em apenas alguns meses, a Polônia começou a enfrentar uma nova era, com novas ansiedades. O presidente Trump ameaçou abandonar o compromisso de longa data dos EUA com a segurança europeia e está implementando tarifas que colocam em risco a economia global. O presidente russo, Vladimir Putin, quer as tropas da Otan fora da Polônia e ameaçou novas agressões além da guerra na Ucrânia, vizinha da Polônia a leste.

A Polônia respondeu com firmeza. Está assumindo um papel de liderança na União Europeia, aumentando seus já significativos gastos militares e organizando um programa de treinamento de cidadãos comuns em defesa civil, ao estilo suíço. Também está alertando os países do restante da Europa para a necessidade de também eles pagarem mais por sua própria segurança, porque os Estados Unidos, sob o comando de Trump, não estão mais dispostos a arcar com grande parte dessa conta.

A segurança é talvez a única questão que une a Polônia antes das eleições presidenciais que começam em três semanas. De forma mais ampla, a localização da Polônia na fronteira leste da Otan a torna um baluarte crucial contra o avanço russo na Europa.

O primeiro-ministro polonês, Donald Tusk, declarou em março que, dada “a profunda mudança na geopolítica americana”, a Europa “seria mais segura se tivéssemos nosso próprio arsenal nuclear”. A declaração chocou muitos, pois implicava que a Polônia e a Europa não poderiam mais depender da proteção do guarda-chuva nuclear americano.

“Vemos a arquitetura da segurança global e da economia global tremendo sob nossos pés, e somos um país que se beneficiou enormemente tanto da globalização quanto da solidariedade ocidental”, disse Radoslaw Sikorski, ministro das Relações Exteriores e ex-ministro da Defesa da Polônia, em entrevista

Uma nova era de insegurança

A resposta mais consistente ao longo histórico de guerras da Polônia com a Rússia tem sido sua adesão à Otan e o apoio militar americano que ela traz. Os poloneses, em geral, veem os compromissos militares americanos como garantia de suas liberdades, disse Mark Brzezinski, ex-embaixador americano na Polônia.

Agora, países como a Polônia, especialmente vulneráveis por causa de suas longas fronteiras com a Ucrânia e a Bielorrússia, “enfrentam novos desafios que nos deixam nervosos”, disse Sikorski.

No centro da ansiedade polonesa está Trump, que falou em reduzir a presença de tropas americanas na Europa. O grupo na Polônia faz parte de cerca de 85.000 soldados americanos na Europa.

As preocupações da Polônia aumentaram no mês passado, quando o exército dos EUA anunciou que reposicionaria algumas tropas de uma base no sudeste da Polônia, perto da Ucrânia, como “parte de uma estratégia mais ampla para otimizar as operações militares dos EUA”.

Líderes europeus entendem que algumas tropas americanas podem ser transferidas para outros lugares, mas temem que uma redução muito grande transmita a Moscou uma mensagem de fraqueza. O Kremlin exigiu que a Otan retirasse suas tropas dos países que aderiram após 1997, incluindo a Polônia, mas, apesar das ameaças de fazê-lo, a Rússia não ousou atacar nem mesmo as bases usadas para apoiar a Ucrânia.

A saída das forças americanas “enviaria à Rússia um sinal de que esta é uma zona cinzenta para Washington”, disse Michal Baranowski, alto funcionário que trabalha com estratégia industrial de defesa no Ministério do Desenvolvimento Econômico e Tecnologia da Polônia. “E nós, poloneses, nunca mais viveremos em uma zona cinzenta. Simplesmente não deveria haver zonas cinzentas na União Europeia.”

Os poloneses veem a relação EUA-Europa como mutuamente benéfica e estão intrigados com o desprezo declarado do governo Trump pela Europa, que pode parecer uma traição para alguns. Durante décadas, os EUA ajudaram a proteger a Europa da Rússia e, em troca, a Europa cedeu à liderança americana em segurança e comprou armas de fabricantes americanos.

“É um acordo que funciona para ambos os lados”, disse Sikorski.

Sob o comando do ex-presidente Joe Biden, os Estados Unidos estabeleceram uma presença militar permanente na Polônia em março de 2023. O quartel-general avançado do V Corpo do Exército dos EUA fica no chamado Camp Kosciuszko, em homenagem a um general polonês que lutou pela independência americana contra a Grã-Bretanha.

Outra base americana na Polônia, uma instalação de defesa antimísseis Aegis que serve como parte da defesa americana contra mísseis balísticos, foi transferida em julho passado para o comando da Otan como parte do escudo de defesa antimísseis da aliança. Essa mudança foi mais um esforço para transferir o ônus da defesa da Europa e aliviar os Estados Unidos, mesmo antes da posse de Trump.

Karolina Wigura, historiadora e filósofa polonesa, foi direta: “Os poloneses estão ansiosos”, disse ela, principalmente depois que Trump elogiou Putin e humilhou o presidente ucraniano Volodmir Zelenski no final de fevereiro no Salão Oval.

“As pessoas se sentem inseguras, sente-se a um passo de Ialta”, disse ela, referindo-se à famosa conferência de 1945, onde o presidente americano Franklin D. Roosevelt, moribundo, e o primeiro-ministro britânico, Winston Churchill, entregaram a Europa Oriental ao ditador russo Josef Stalin.

“Ressurge o velho medo”, disse Karolina, ”de que seremos atacados pela Rússia e traídos pelo Ocidente”.

A resposta da Polônia

Tusk, ex-presidente do Conselho Europeu em Bruxelas, tem sido um forte defensor de maiores gastos militares por parte dos países-membros da UE, tanto coletiva quanto individualmente, para apoiar a Ucrânia e fortalecer a capacidade militar da Europa.

A Polônia já gasta 4,5% de seu Produto Interno Bruto (PIB) em defesa — o maior valor entre as principais nações europeias — e quer chegar a 5%, a exigência de Trump para os países da Otan. Os Estados Unidos estão gastando 3,4%.

Tusk está tentando formar uma coalizão de países europeus que compreendam a profunda ameaça à segurança europeia representada pela Rússia de Putin e estejam dispostos a gastar mais para construir uma capacidade europeia de dissuasão menos dependente de Washington. Os prováveis candidatos, disse Baranowski, são Polônia, França, Grã-Bretanha, Itália; os países nórdicos e bálticos, que também são geograficamente próximos da Rússia; e, mais importante, a maior economia da Europa: a Alemanha. Seu novo chanceler conservador, Friedrich Merz, planejava visitar a Polônia diretamente na sequência de sua primeira visita ao exterior, à França.

A Polônia já identificou projetos militares no valor de até € 40 bilhões, ou US$ 46 bilhões, que poderiam ser financiados como parte de um novo programa de empréstimo de € 150 bilhões da UE para defesa, disse Baranowski.

Na Polônia, Tusk defendeu um rápido aumento no treinamento para a defesa civil. Ele pediu treinamento militar por um mês, com salário, para qualquer cidadão que o deseje. Baseado nas lições de combate aprendidas na Ucrânia, o programa deve receber 100.000 voluntários por ano até 2027. Tusk também propôs legislação para agilizar o investimento e a construção militar.

Unidos para a segurança

A Polônia enfrenta uma eleição presidencial crucial, com o primeiro turno em três semanas. O país permanece polarizado entre o partido de Tusk, a Plataforma Cívica, e o do antigo governo, o partido nacionalista de direita Lei e Justiça.

Mas, em relação aos gastos militares e à defesa, o país está amplamente unido, disseram especialistas.

O número de poloneses que acreditam que os EUA virão em seu socorro está diminuindo, disse Wojciech Przybylski, editor-chefe do Visegrad Insight, um centro de estudos estratégicos independente com foco na Europa Central. “Portanto, estamos em um momento crucial para a nossa própria segurança”, acrescentou.

Em um sinal da ânsia da Polônia em solidificar os laços com os Estados Unidos, o governo endossou um acordo anterior feito pelo Lei e Justiça com a Westinghouse e a Bechtel, duas grandes empresas americanas, para construir a primeira usina nuclear da Polônia.

A invasão da Ucrânia mostra que a Europa, 10 vezes mais rica que a Rússia, precisa investir em sua própria segurança para impedir que Moscou arrisque “um ataque igualmente irracional” em outras partes da Europa, disse Sikorski.

“A Europa não pode construir o que os EUA têm, que é a capacidade de atingir qualquer alvo em qualquer lugar do mundo”, disse ele. “Mas não precisamos disso. Não precisamos ser tão bons quanto os Estados Unidos. Precisamos apenas ser melhores que a Rússia.”

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