O comunicado final da reunião de cúpula da Otan mantém as críticas direcionadas à China no documento da reunião de 2022, mas a pressão europeia evitou uma escalada e vetou a abertura de um escritório da aliança militar ocidental no Japão.
A representação era vista como uma certeza, tanto que foi anunciada informalmente pelo governo japonês. Tratava-se de uma “necessidade” porque o mundo “estava mais instável”, chegou a dizer em junho o chanceler Yoshimasa Hayashi.
O veto foi comandado pela França de Emmanuel Macron, que esteve recentemente com Xi Jinping em Pequim. Em lugar do escritório, o documento pede a ampliação dos contatos da Otan com o chamado AP (Ásia-Pacífico)-4, grupo composto por Japão, Coreia do Sul, Austrália e Nova Zelândia.
Os líderes desses países estão em Vilnius, na Lituânia, comparecendo à cúpula da aliança pelo segundo ano seguido. Isso foi visto como uma vitória dos EUA, que procura estruturar seu apoio no Indo-Pacífico dentro do escopo da Guerra Fria 2.0 contra a China.
Para tanto, estimulou a remilitarização de Tóquio, reforçaram o elo nuclear com Seul e trouxeram os australianos para um pacto militar inédito, que lhes garantirá submarinos de propulsão nuclear. De quebra, robusteceram o Quad, grupo com os mesmos Japão e Austrália, além da Índia.
Mas os europeus não queriam melindrar demais a China, ciosos de seus laços comerciais e posição de menos força em negociações bilaterais, em comparação com Washington. Cerca de 10% do que a Europa vende vai para a China, e os chineses vendem 20% do que os europeus importam.
Como os olhos do mundo estavam virados para o fracasso ucraniano em arrancar algo mais vistoso da Otan, além de mais armamentos para combater os russos que os invadiram ano passado, o tema da China acabou em segundo plano —favorecendo a posição europeia ante o sócio majoritário do clube, o americano Joe Biden.
Ainda assim, o espaço dedicado a Pequim foi um pouco maior —334 palavras— do que no ano passado (302). Novamente a Otan se diz que a China usa “políticas coercitivas” que “desafiam nossos valores e segurança”.
“A China está crescentemente desafiando a ordem internacional baseada em regras, recusando-se a condenar a guerra da Rússia contra a Ucrânia, ameaçando Taiwan e operando uma militarização substancial”, afirmou o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, em entrevista coletiva na qual destacou também a expansão do arsenal nuclear chinês.
É praticamente um resumo das queixas ocidentais contra os chineses nos últimos dois anos. A China respondeu de pronto, com sua missão junto à União Europeia divulgando uma queixa contra a “expansão da Otan” na Ásia-Pacífico, afirmando que o país seguirá priorizando sua segurança e que responderá de forma “resoluta”.
Pequim é a principal aliada de Moscou e, embora tenha trabalhando para tentar mediar algum tipo de paz na Ucrânia, nunca condenou a invasão em palavras ou nas duas votações sobre o tema na ONU. Ao contrário, desde 20 dias antes do conflito, promove uma escalada na sua cooperação estratégica com Vladimir Putin.
Analistas veem um jogo complexo para Xi, que precisa do apoio e da musculatura militar e de energia da Rússia, mas que também não quer se ver alienado completamente do Ocidente —tanto que ensaia uma reaproximação com Biden, após quase um ano de rusgas, por motivos basicamente econômicos.
Isso também pode ajudar a explicar o tom quase repetitivo das críticas à China no comunicado da Otan: os americanos talvez não queiram uma escalada de seu lado, tendo evitado insistir na agressividade.
Quem ficou a pé foi o Japão, que tem feito grande esforço para se colocar como a ponta da espada americana no Indo-Pacífico. Já a Austrália, outra candidata a estrela militar nas próximas décadas, prometeu reforçar seu apoio à Ucrânia —o país estuda enviar caças aposentados F-18 que tem em estoque.