NEC planeja orquestrar rede 5G das teles

Com 75,7% dos seus negócios gerados no Japão no ano fiscal 2019 encerrado em março, quando obteve receita de US$ 28,4 bilhões, a NEC Corporation busca na quinta geração de serviços móveis (5G) uma janela para sair do mercado doméstico e crescer internacionalmente. A companhia tem experimentado alternativas para ir além da fatia de 24,3% que obtém de receita em outros países. Com um imenso mercado potencial de 5G, o Brasil ocupa um papel central nessa estratégia, que marca também o retorno da companhia japonesa ao mercado brasileiro de telecomunicações. 

O grupo japonês completa 52 anos no Brasil em novembro e foi muito forte na área de telecomunicações no país até a segunda geração de celular (2G) e início de 3G com a tecnologia CDMA. Quando o país optou por mudar para TDMA e voltar para GSM, a NEC não quis voltar para 2G e saiu desse mercado, mantendo negócios em outras áreas de comunicações e tecnologia. O CDMA evoluiu e a integração com GSM passou a ser um problema. Na Europa, a NEC foi relevante até a 3G. 

Desta vez, a NEC pretende não ser apenas uma fornecedora de rádios 5G para uso em rede celular, mas também integrar produtos pelo conceito de OpenRAN, que prevê o uso de protocolos de comunicações abertos, com padrões globais. Isso significa que a rede de uma operadora poderá ter diferentes fornecedores, tendo uma integradora, como a NEC, regendo a orquestra para que tudo funcione bem. É diferente do modelo atual, em que uma operadora tem vários fornecedores, mas cada um responde só pela parte da rede em que estão seus equipamentos e sistemas. 

“Temos três planos para o Brasil: crescimento até 2025 com 5G, com construção de redes, 4G e integração; identificação [serviço digital]; e controle ou gestão de centro de gerência de cidades inteligentes”, disse Angelo Guerra, vice-presidente da NEC no Brasil. 

A reentrada no setor vem acompanhada de mudanças que coincidem com os impactos da covid-19. A subsidiária não releva receita, mas sofreu efeito da crise. Fornece serviços de comunicação às operadoras, à área empresarial e ao setor público. Precisou renegociar contratos, mas a expectativa é de que o segundo semestre seja um pouco melhor, embora longe das metas. 

Nesse cenário, os 400 funcionários de São Paulo, do Rio de Janeiro e de Brasília foram colocados em “home office”. A companhia já decidiu que ninguém volta ao trabalho presencial neste ano. E como parte das decisões tomadas durante a pandemia, a NEC está mudando de casa. 

A empresa está devolvendo um prédio inteiro de 11 andares na avenida Angélica, em Higienópolis, bairro nobre da capital paulista. O novo endereço fica a pouco mais de 3 km do local, na avenida Francisco Matarazzo. É apenas um andar “grande”, com um escritório moderno e espaço agregado para um laboratório de tecnologia de ecossistema de OpenRAN 5G. A diferença de tamanho é explicada pelo novo modelo de trabalho que está sendo traçado, mas os detalhes ainda não foram liberados. 

Guerra disse que estão sendo contratados recursos humanos para montar o laboratório e que, além de parceiros, está buscando startups e universidades para trabalhar no local. O objetivo é montar um ecossistema de OpenRAN e conquistar a posição de integrador preferente das operadoras, afirmou o executivo. 

No Japão, o grupo não só integra, mas também tem seu laboratório, desenvolve e produz. Tem seu próprio rádio 5G, na faixa de frequência 3,7 gigahertz (GHz). No Brasil, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) designou a faixa de 3,5 GHz para a próxima geração de celular. 

Guerra disse que ainda não está definida a estratégia em relação aos rádios para o Brasil, se terão um produto próprio ou não, para montar um ecossistema como integrador preferente da operadora. Destacou que no Japão a NEC é a fornecedora de rádio e integradora de produtos de terceiros na rede da operadora virtual Rakuten, que é 100% aberta. Garantiu que não há conflito com os outros fornecedores porque o rádio é apenas uma peça dentre outras para fazer a rede funcionar, como antena, servidor, banda de base, processador etc. É como um “lego”, em que todas as peças se compõem e criam algo harmônico, compara Guerra, que vê o formato do OpenRAN exatamente como esse jogo. 

“O 5G não traz só velocidade de banda, mas outras vantagens. A NEC se posiciona como integrador, armador desse ‘lego’”, disse o executivo. Questionado se a operadora não ficaria também dependente desse integrador de OpenRAN, como já ocorre no modelo tradicional, Guerra reconhece que sim, mas afirma que, nesse caso, é fácil trocá-lo. 

Além disso, a NEC está buscando, com investimentos do governo japonês, oportunidades para fazer provas de conceito também com 4G no Brasil, porque OpenRAN não se aplica só a 5G. Guerra diz que tem três parceiros que poderiam ser fornecedores de rádio 4G, além de fornecedores de antena, de servidor e da banda base. Tem conversado com possíveis parceiros e aplicações, como no agronegócio, para fazer essas provas e mostrar às operadoras o OpenRAN em 4G. Nesse caso, o público-alvo também é o mercado empresarial. 

Em seu próprio mercado, o grupo NEC passa por transformação. Em junho, a operadora japonesa Nippon Telegraph and Telephone Corporation (NTT) comprou 5% do capital da NEC, por US$ 560 milhões, tornando-se o terceiro maior acionista da companhia. Com o aporte, a NTT fortalece a aliada para desenvolver o mercado e produtos em 5G para aplicar em sua operação e também levar ao mercado global, diz Guerra. 

“OpenRAN não vai ser 100% das redes, mas terá uma boa parte do mercado”, diz Wilson Cardoso, chefe de soluções da concorrente Nokia para América Latina. Com exceção da Telefônica, dona da marca Vivo, a companhia tem sua infraestrutura nas redes das demais operadoras no Brasil. A Nokia já está fazendo integração em OpenRAN no mercado mundial, inclusive no Japão. 

Mas Cardoso destaca que há algumas questões, inclusive regulatórias, a resolver antes de se aplicar o conceito amplamente. O modelo não foi criado para interligar as diversas gerações tecnológicas (2G, 3G, 4G). Então, um novo fornecedor que entrar com o conceito e, portanto, não tiver nenhuma infraestrutura anterior, não terá acesso ao resto da rede para fazer tudo funcionar em conjunto. 

A Vivo testou o modelo com eficiência, segundo Cardoso. A operadora confirmou os testes, mas não quis entrar em detalhes. 

O potencial de mercado para OpenRAN ainda não está claro, disse Cardoso. A Anatel, por exemplo, não permite que a estação radiobase da rede móvel só irradie o sinal para internet das coisas (IoT, na sigla em inglês), que tem um imenso potencial para 5G, explicou. Todas as licenças atuais são para voz e dados, a não ser no caso das redes privativas, o que seria uma alternativa de negócios. Para Cardoso, OpenRAN tem uso muito específico e maturidade prevista para 2023. 

Tudo que existe em 5G até julho de 2020 depende de 4G. Depois disso saiu o padrão “standalone” (SA), que opera por um núcleo 5G, sem depender da tecnologia LTE, de 4G. Nesse modelo, 5G não terá conexão tem todo lugar. Uma saída é fazer o “refarming”, ou reúso da faixa de frequência, de 4G para 5G. Ou ainda o 5G DSS, que utiliza outras frequências, o que já foi anunciado pelas operadoras no Brasil. 

https://valor.globo.com/empresas/noticia/2020/09/17/nec-planeja-orquestrar-rede-5g-das-teles.ghtml

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