Nacionalismo na Índia cresce e maioria da população já vê China como inimiga 

Os dois países com as maiores populações do mundo possuem uma relação multifacetada e complexa. Por um lado, Índia e China têm laços econômicos fortes e uma parceira no grupo dos Brics, junto com BrasilÁfrica do Sul e Rússia. Por outro, Nova Délhi e Pequim possuem uma disputa territorial histórica que vem escalando nos últimos anos, fazendo com que a Índia se esforce para reforçar a segurança do país e reduzir a influencia chinesa no Indo-Pacífico.

As nações compartilham uma fronteira de mais de 3.440 quilômetros. A demarcação nunca foi delineada propriamente e tem reivindicações de territórios de ambos os lados, que levou a uma guerra em 1962.

Pequim e Nova Délhi viveram momentos de relativa estabilidade nas fronteiras até junho de 2020, quando as potencias asiáticas se enfrentaram no primeiro confronto com mortes entre os dois países em 45 anos no Vale de Galwan, na região indiana de Labakh, que é reivindicada pela China. Segundo o governo indiano, 20 soldados da Índia foram mortos. Do lado chinês, o número de mortes não é certo, mas diversos veículos relatam que quatro soldados da China vieram a óbito. Após este incidente, outras escaramuças na fronteira entre os dois países ocorreram, mas sem relatos de mortes.

As relações vêm se deteriorando e a Índia já sinalizou que está tentando reduzir a influencia de Pequim em seu território. Após o incidente mais grave em 45 anos na fronteira entre os dois países, o governo indiano anunciou uma proibição a aplicativos chineses que já chega a mais de 200, com a justificativa de que promovem desinformação e uma ameaça a segurança indiana.

De acordo com uma pesquisa encomendada pela empresa de consultoria Morning Consult, a maioria da população indiana enxerga a China como maior ameaça a segurança do país. 43% dos votantes optaram por Pequim, enquanto apenas 13% citaram o Paquistão, país que também tem disputas territoriais com Nova Délhi.

Para Nishant Rajeev, pesquisador indiano do centro de relações internacionais da Universidade de Nanyang, em Singapura, a chegada de Narendra Modi como primeiro-ministro da Índia em 2014 fez com que o país fosse mais duro com a China na fronteira.

Histórico

Os dois países tem uma disputa histórica nas fronteiras e divergência sobre os territórios. Depois da partilha da Índia feita pelo império britânico em 1947, que levou a independência da Índia e Paquistão, a China passou a questionar a fronteira existente na região, principalmente após a anexação do Tibete por Pequim em 1950.

Após reprimir a revolta do Tibete em 1959, as escaramuças ficaram mais recorrentes na fronteira com a Índia, levando a uma invasão do exército chinês em 1962. Os confrontos resultaram em uma derrota expressiva de Nova Délhi até o cessar-fogo unilateral anunciado pela China, principalmente por conta de pressões dos Estados Unidos.

Após a derrota dos indianos, a China confirmou o seu controle sobre a área de Aksai Chin, que fica no lado oeste da fronteira e tem uma importância estratégica porque liga a província chinesa de Xinjiang ao oeste do Tibete. A Índia reivindica estes territórios, assim como a China reivindica o estado indiano de Arunachal Pradesh, região chamada de “Tibete do Sul” por Pequim.

Fronteiras

Os dois países discordam sobre a delimitação territorial da chamada Linha de Controle Real, que é a fronteira entre as duas potencias asiáticas. Essa demarcação foi feita após o cessar-fogo da guerra travada pelos dois países em 1962.

Apesar do acordo costurado entre Índia e China pelo reconhecimento da fronteira em 1993, a área é questionada principalmente por ser de difícil acesso, com grandes altitudes, rios e picos nevados, o que dificulta uma demarcação e possibilita que ambos os países tenham a sua própria versão sobre onde termina a soberania territorial de cada país.

“Esse conflito das fronteiras acaba sendo uma herança da colonização britânica, as fronteiras foram mal delineadas e como é uma região de montanhas, sem população, ficou difícil de conversar. Para a China, a visão da Índia sobre esta questão é colonialista”, aponta Renato Peneluppi, pesquisador brasileiro associado do Centro para a China e Globalização, um think thank chinês. Peneluppi aponta que a escalada dos atritos na região começou com o inicio do governo de Narendra Modi, que foi eleito com uma retórica nacionalista e quis ser mais duro com a China. “Os governos anteriores eram mais próximos da China, Modi foi eleito na onda de direita que elegeu Bolsonaro no Brasil, ele quis sinalizar uma postura firme contra Pequim”, completa o analista.

Os conflitos mais recentes ocorreram por conta de construções de infraestrutura de ambos os países em regiões próximas da fronteira, além de exercícios militares chineses em áreas que Nova Délhi considera como seu território.

Para o coordenador do curso de relações internacionais da ESPM-SP, Alexandre Uehara, os investimentos feitos por ambos os governos nas fronteiras estão sendo feitos para reforçar as reivindicações e que a participação da Índia no Diálogo de Segurança Quadrilateral, conhecido como Quad, junto com Estados Unidos, Japão e Austrália, é uma forma de se defender da China.

A China tem buscado se posicionar de maneira mais firme em relação aos demais países na região asiática. As próprias ações de Pequim no mar do Sul da China mostram essa disposição”, acrescentou o professor.

Estados Unidos

O avanço nas relações entre os Estados Unidos e a Índia tem sido importante no esforço mutuo de reduzir o papel de Pequim no Índo-Pacífico.

“Nova Délhi se preocupa com a dominação chinesa na Ásia e o relacionamento com os Estados Unidos e com o Quad é uma forma de equilibrar o poder”, aponta Nishant Rajeev. “Os EUA estão dispostos a apoiar a Índia e fornecer equipamento militar que o país necessita”, completou o pesquisador.

A Índia tem se tornado cada vez mais atraente aos Estados Unidos. Washington enxerga em Nova Délhi um enorme potencial de crescimento e com muita mão de obra. Em 2023, a Índia passou a China com o país mais populoso do mundo e é a quinta maior economia do mundo.

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