Microsoft aposta no ChatGPT para roubar a coroa do Google em IA

Entre as principais empresas de tecnologia, a Amazon, o Facebook e, principalmente, o Google lideraram nos últimos anos pesquisas em inteligência artificial (IA) — isso sem contar os projetos da Bytedance (dona do TikTok), Spotify, Twitter e outras companhias menos conhecidas. Agora, porém, a disputa deve ganhar um rearranjo de forças com a retomada do protagonismo tecnológico de uma velha conhecida das massas: a Microsoft.

Não é que a empresa fundada por Bill Gates tenha ficado parada no segmento. Ao longo dos anos, a divisão de pesquisas da companhia desenvolveu de robôs de conversas (chatbots) a assistentes digitais, passando por soluções para alguns de seus produtos mais conhecidos, como Word e Excel. Mesmo assim, a Microsoft teve poucos resultados importantes e viu a distância entre alguns de seus principais rivais aumentarem durante a última década.

Foi um movimento feito em 2019 por Satya Nadella que parece ter alterado o cenário de IA nos dias atuais. Naquele ano, o CEO da Microsoft decidiu realizar um investimento de US$ 1 bilhão na americana OpenAI. Na época, o laboratório de pesquisas em IA, fundado em 2015, era apenas mais um nome tentando desenvolver algoritmos em ritmo de pesquisa básica — ou seja, sem aplicações práticas no horizonte.

Quatro anos depois, a OpenAI, já com uma visão comercial de seus projetos, tornou-se o nome mais empolgante do mundo da tecnologia. A companhia está por trás do ChatGPT, um chatbot capaz de gerar textos altamente sofisticados a partir de simples comandos escritos por um humano. De discursos de casamento a listas organizadoras, a capacidade do serviço colocou todo o segmento de IA em outro patamar – lançado em 30 de novembro, o robô atingiu em poucos dias 1 milhão de usuários.

O lançamento do ChatGPT não foi o único avanço da OpenAI em 2022. Em abril, a companhia tornou público o DALL-E 2, uma IA capaz de gerar imagens impressionantes a partir também de simples comandos de texto, o que inspirou o surgimento de outros modelos de IA do tipo, como o Midjourney e o Stable Diffusion. Antes disso, a OpenAI havia divulgado o GPT-3, um modelo capaz de gerar texto treinado com milhões de dados, que vão de artigos no Wikipédia a posts em redes sociais – ao final, o sistema tinha registrado 175 bilhões de parâmetros (representações matemáticas de padrões e tipos de texto). O ChatGPT usa o GPT-3 como “cérebro”.

Todo esse trabalho colocou a OpenAI na vanguarda de um segmento chamado “inteligência artificial generativa”, que significa que a IA não apenas consome dados e aponta tendências, como era feito até aqui. Os sistemas agora são também capazes de gerar conteúdo inédito, uma tendência que deve ganhar força a partir de agora. É a partir das IAs generativas da OpenAI que a Microsoft pretende encaminhar seus negócios.

Parceria

Na segunda 23, a Microsoft confirmou um novo investimento na OpenAI – embora o valor não tenha sido confirmado, a imprensa americana fala que serão desembolsados US$ 10 bilhões nos próximos anos. Com a popularidade do ChatGPT, a OpenAI passou a ser assediada por investidores, e analistas de mercado apontaram que isso poderia fazer a companhia ser avaliada em US$ 29 bilhões, tornando-a uma das startups mais valiosas dos EUA.

Porém, a Microsoft tem mais a oferecer do que dinheiro. No anúncio oficial da parceria, as empresas revelaram que a dona do Windows vai construir os supercomputadores e oferecer a infraestrutura de nuvem para que a OpenAI possa desenvolver seus modelos inteligentes. Em troca, a Microsoft poderá implementar as IAs da startup em seus produtos, como Teams e o Office.

“Na corrida da inteligência artificial, Nadella e companhia estão na frente das outras gigantes da tecnologia. Esse investimento é um grande movimento nesta disputa. O ChatGPT pode mudar o jogo para a Microsoft”, escreveu em nota a investidores o analista Dan Ives, da consultoria Wedbush.

Há muitos benefícios para os produtos da Microsoft, que durante anos se consolidou como uma gigante de pouca inovação. “Precisamos de algo que realmente mude a curva de produtividade para que possamos ter crescimento econômico”, afirmou Nadella durante o último Fórum Econômico Mundial, em Davos. “Todos os produtos da Microsoft terão recursos de IA”, disse.

Pouco antes do anúncio da parceria, a Microsoft já havia anunciado que seu produto de nuvem, o Azure, e a sua ferramenta de buscas, o Bing, serão integrados aos algoritmos da OpenAI. Com o aprofundamento da parceria, é possível imaginar que Windows, Word, Excel, Xbox e outros tantos serviços da Microsoft sejam turbinados. Se tudo isso for realizado, a Microsoft deverá ser um dos principais nomes na massificação de IA no mundo — só o Windows 10 e o Windows 11 têm cerca de 1,4 bilhão de usuários.

“A próxima grande onda da computação está nascendo com a Microsoft Cloud, que está transformando os modelos de IA mais avançados do mundo em uma nova plataforma computacional”, escreveu Nadella no balanço da companhia divulgado na terça 24.

Rivais sentem a pressão

Publicamente, os rivais tratam com pouca importância os avanços da OpenAI. Na semana passada, Yann LeCun, principal pesquisador de IA do Facebook, afirmou para jornalistas que as técnicas aplicadas pela startup não são inovadoras. “A OpenAI não é um avanço em relação a outros laboratórios de IA”, teria dito ele, segundo o site americano Zdnet.

Embora tenha preferido o silêncio publicamente, o Google teria afirmado a seus funcionários que prefere ter cautela. “O custo seria alto caso algo desse errado”, teria dito Sundar Pichai, CEO do Google, de acordo com a rede americana CNBC. A companhia tem um chatbot similar ao ChatGPT, mas a empresa temia torná-lo disponível para um grande público.

O sistema do Google, o LaMDA, fez barulho no ano passado, quando um engenheiro da companhia afirmou que ele tinha desenvolvido consciência. O Google e outros especialistas em IA refutaram a ideia de uma “IA viva”, mas o episódio reforçou os temores da gigante. No passado, sistemas de IA disponibilizados abertamente ao público já protagonizaram episódios de racismo e antissemitismo – a questão de viés é um dos grandes desafios para todo o segmento de IA, já que as máquinas são treinadas a partir daquilo que aprendem de humanos.

Agora, porém, o Google parece estar disposto a colocar a cautela de lado – além de ótimos algoritmos, a OpenAI construiu uma reputação por ser boa de marketing, o que inclui tornar acessível os seus sistemas para o maior número possível de pessoas.

Segundo o New York Times, os avanços da OpenAI tiraram da “aposentadoria” Larry Page e Sergey Brin, os dois fundadores do Google. Fora da operação da companhia desde 2019, a dupla estaria acompanhando de perto o desenvolvimento em IA. A reportagem afirma que mais de 20 produtos com a tecnologia devem ser demonstrados.

“Esse momento da Microsoft vai fazer com que tudo o que esteja guardado nessas companhias seja acelerado e colocado em prática mais rapidamente,” diz Júnior Borneli, CEO da StartSe, escola digital de inovação e empreendedorismo.

O primeiro desses anúncios deve ocorrer em 8 de fevereiro. O Estadão apurou que o Google tem um evento marcado em Paris na data. Ainda não é possível saber os detalhes, mas o tema da apresentação será “IA e buscas”. Além de ser bom para escrever, o ChatGPT também apresenta informações e dá respostas, algo que acendeu a luz vermelha do Google em relação ao seu serviço mais conhecido.

“Com o ChatGPT, abre-se um mundo de oportunidades. Pode ser o primeiro grande desafiante do Google em 15 anos, porque o buscador da Microsoft (o Bing) ficaria muito melhor e mais inteligente. A ferramenta traria respostas complexas e mais amplas, além de uma aplicação prática”, diz Borneli.

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