Macron em um boteco de província? O presidente francês tenta se reaproximar do povo

The New York Times; “Bonjour, Macron!”

No Le Prem’s, um pequeno bar no oeste da França que vende bilhetes de loteria e tabaco, essa saudação virou piada desde que o presidente Emmanuel Macron apareceu sem aviso outro dia e ofereceu uma rodada de café para todos, exceto para os clientes que optaram por um sauvignon blanc revigorante no meio da manhã.

“Ele não veio para comprar uma raspadinha!”, disse Christophe Jacques, o animado dono do bar, aludindo aos jogos de apostas que oferece nas chamadas raspadinhas, em que os números vencedores são revelados ao raspar uma película opaca. “Ele veio para bater papo.”

O presidente conversou, por mais de uma hora, sobre saúde, empregos, salários e outras preocupações cotidianas de um povo francês ansioso. Empoleirado em um banco de bar, com maços de cigarros ao fundo alertando: “FUMAR DIMINUI A FERTILIDADE”, ele parecia feliz em jogar conversa fora. Foi uma pausa para Macron na construção da Europa como uma potência militar confiável, agora que os Estados Unidos muitas vezes parecem menos amigos do que inimigos.

Alguns frequentadores — e o bar tem muitos, especialmente aposentados — ficaram tão chocados que inicialmente pensaram tratar-se de um sósia de Macron.

“Eu estava estudando a ficha para uma aposta em corridas de cavalos, me virei e dei de cara com Macron!”, disse Jean-Claude Turpault, um fazendeiro. “Não conseguia acreditar. Eu o imaginava mais arrogante, mas era fácil conversar com ele.”

Uma tela mostrava corridas de cavalos. Havia jornais pendurados em um suporte, parecendo relíquias. Um jogo de raspadinha chamado “Carats” fazia sucesso. Cartões-postais em preto e branco estavam à venda. Macron tomou dois expressos sem açúcar no bar de zinco, onde as pessoas se demoravam. Ninguém estava com pressa; não havia motivo se apressar. O Le Prem’s parecia a França dos filmes, onde o romance é mantido aceso em bares decadentes, sem a fumaça.

Desde que assumiu o cargo, há oito anos, Macron tem lutado para superar a imagem de distanciamento altivo, que lhe rendeu o apelido de “Júpiter”. Ele tentou, mas sem sucesso, várias soluções, incluindo uma turnê de três meses de escuta e diálogo pelas províncias após os protestos dos Coletes Amarelos, desencadeados pelo aumento do preço dos combustíveis, que eclodiram em 2018.

Agora, dispensando a imprensa, as câmeras, sua comitiva e qualquer aviso prévio, Macron passou a aparecer sozinho em bares aleatórios, principalmente os chamados “PMU bar-tabacs”, os únicos lugares na França licenciados para vender tabaco e receber apostas. Eles se distinguem pelo símbolo laranja em forma de diamante em suas fachadas, coloquialmente conhecido como “a cenoura”.

Esses estabelecimentos para apostas em cavalos e muito mais, enquanto as pessoas tomam um drinque e desfrutam do que resta da camaradagem comunitária, estão frequentemente entre os poucos estabelecimentos comerciais sobreviventes em vilas e pequenas cidades por toda a França. Inúmeras padarias, cafés, correios, estações de trem, bancos e lojas de família fecharam, conforme o varejo online, os hipermercados de grande porte e a pressão sobre os orçamentos municipais cobraram seu preço.

A outrora movimentada Rue St.-Médard, no centro da cidade, agora é um desfile de lojas fechadas. Alexandre Fleveau, dono de um hotel, descreveu a praça principal como “um estacionamento de aeroporto” antes de o prefeito centrista, Bernard Paineau, embarcar em uma tentativa de “vegetalizá-la” com plantio de árvores e outras melhorias que, por enquanto, a transformaram em um canteiro de obras. Um novo centro cultural, com filmes e exposições, será inaugurado em breve.

“Eu pago impostos para todas as pessoas aqui que não fazem nada, e são muitas”, disse Jacques, o dono do bar. Ele pretende vender o bar e se mudar para a região de Camargue, no sul da França.

Macron, com dois anos restantes na presidência, quer finalmente se aproximar do povo francês, que às vezes o chama de “extraterrestre” por sua inclinação tecnocrática e intelectual. Os dois presidentes franceses mais lembrados nas décadas mais recentes são François Mitterrand e Jacques Chirac, porque demonstraram um vínculo com o povo — e o gado — da França. O atual presidente tem consciência disso.

“Ele busca mais proximidade, simplicidade, longe das câmeras e da mídia que tornam a sinceridade impossível”, disse um assessor próximo de Macron, que pediu o anonimato sob o qual as autoridades da presidência costumam falar. “As pessoas estão preocupadas com Putin, com Trump, com o custo de vida, e ele tem uma capacidade única de tranquilizar.”

Para os críticos de Macron, e são muitos, isso não passa de um “kit de autenticidade”, como afirmou recentemente o jornal de direita JDD Sunday.

Ainda assim, o Macron que aparece no Le Prem’s parece diferente, um homem que faz discursos mais curtos, projeta autoridade em tempos de crise e dedica maior atenção à “périphérie”, ou seja, ao interior remoto, onde uma sensação de abandono levou os eleitores a rejeitarem os partidos tradicionais. Visto como um fracasso no ano passado, após uma série de erros, incluindo uma dissolução abrupta do Parlamento que levou ao caos, Macron readquiriu sua razão de ser.

Duas pesquisas recentes, para os jornais Le Figaro e JDD, mostraram que a popularidade de Macron subiu quatro pontos percentuais, para quase 30%, um desempenho respeitável em um país de forte espírito igualitário, onde ataques mordazes ao presidente são um passatempo nacional e índices de aprovação de um dígito não são incomuns.

Embora seu mandato esteja limitado e próximo do fim da presidência, Macron assumiu um papel mais importante desde que o presidente Trump assumiu o cargo, pois é amplamente visto na França e em outros lugares como um dos orquestradores mais experientes de uma resposta europeia eficaz ao novo distanciamento e desprezo americano pelo continente. A busca de Macron por mais contato, como no caso de Thouars, faz parte de sua busca por um renascimento.

“Você sabe que um barman precisa ser um psicólogo, um confidente”, disse Nicolas Cossard, que trabalha no Le Prem’s. “Você ouve pessoas recém-viúvas, idosos falando sobre seus jardins, suas mesas de bilhar, seu bingo, seu carro. Macron parecia ausente para mim. Mas, quando apertei sua mão, senti que ele não estava apenas tentando ganhar crédito.”

Alain Duhamel, autor de um livro a respeito de Macron, disse que o presidente francês havia ajustado seu estilo, se não sua essência, para parecer “o sedutor sóbrio em vez do sedutor teatral”.

Em Thouars, o prefeito Paineau, que também é um empreendedor de sucesso, foi avisado da visita de Macron quando o presidente já estava no bar, e então correu para lá, adiando sua presença em um almoço para idosos. Ao sair do Le Prem’s, Macron insistiu em acompanhar o prefeito para se desculpar pelo atraso. Ele permaneceu durante toda a refeição.

“A banda começou a tocar a Marselhesa no final, todos se levantaram, foi um momento emocionante”, disse o prefeito. “Ele não precisava fazer isso.”

Macron seguiu para visitar a Asselin, uma empresa local que forneceu vigas para a reconstrução da Catedral de Notre-Dame. Thouars está em dificuldades, mas não moribunda.

No bar, a vida continua, embora um pouco diferente. Um expresso agora é conhecido como “petit Macron”.

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