Índia vs. Paquistão também é um conflito entre EUA e China

The New York Times; Na última vez em que Índia e Paquistão se enfrentaram em um confronto militar, em 2019, as autoridades dos EUA detectaram movimento suficiente nos arsenais nucleares de ambas as nações para ficarem alarmadas.

Era o primeiro mandato de Donald Trump, e o secretário de Estado, Mike Pompeo, foi acordado no meio da noite. Ele conversou ao telefone “para convencer cada lado de que o outro não estava se preparando para uma guerra nuclear”, escreveu em seu livro de memórias.

Esse confronto esfriou rapidamente após as escaramuças iniciais. Porém, seis anos depois, os dois arquirivais do sul da Ásia estão novamente envolvidos em um conflito militar após um ataque terrorista letal contra turistas na Caxemira controlada pela Índia. E, desta vez, há um novo elemento de incerteza, já que as alianças militares mais importantes da região foram redesenhadas.

As mudanças nos padrões do fluxo de armas ilustram os novos alinhamentos nesse canto particularmente volátil da Ásia, onde três potências nucleares – Índia, Paquistão e China – estão em uma disputa incômoda.

A Índia, um país tradicionalmente não alinhado ao Ocidente que abandonou seu histórico de hesitação em relação aos Estados Unidos, tem comprado bilhões de dólares em equipamentos americanos e de outros fornecedores ocidentais. Ao mesmo tempo, a Índia reduziu drasticamente as compras de armas de baixo custo da Rússia, sua aliada da época da Guerra Fria.

O Paquistão, cuja relevância para os Estados Unidos diminuiu desde o fim da guerra no Afeganistão, não está mais comprando os equipamentos que os americanos antes o incentivavam a adquirir. Em vez disso, o Paquistão recorreu à China para a grande maioria de suas compras militares.

Essas conexões injetaram a política das superpotências no conflito mais longo e espinhoso do sul da Ásia.

Os Estados Unidos cultivaram a Índia como parceira no combate à China, enquanto Pequim aprofundou o investimento em sua defesa e patrocínio do Paquistão à medida que a Índia se aproximou dos Estados Unidos.

Ao mesmo tempo, as relações entre a Índia e a China se deterioraram nos últimos anos devido à reivindicações territoriais antagônicas, com confrontos entre as duas forças armadas em alguns momentos. E as relações entre as duas maiores potências do mundo, os Estados Unidos e a China, atingiram seu ponto mais baixo com o presidente Trump lançando uma guerra comercial contra Pequim.

Essa mistura explosiva mostra como as alianças se tornaram complexas e confusas à medida que a ordem global pós-2ª Guerra se fragmentou. A volatilidade é agravada pelo histórico de frequentes confrontos militares no sul da Ásia, com forças armadas de ambos os lados propensas a erros, o que aumenta o risco de uma escalada sair do controle.

“Os EUA agora são fundamentais para os interesses de segurança da Índia, enquanto a China desempenha cada vez mais um papel comparável no Paquistão”, disse Ashley Tellis, ex-diplomata que é membro sênior do Carnegie Endowment for International Peace.

Como a Índia agora toma medidas militares contra o Paquistão, ela tem tido os Estados Unidos ao seu lado com mais força do que nunca nos últimos anos.

O primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, conversou com Trump e com o vice-presidente JD Vance nos primeiros dias após o ataque terrorista de 22 de abril na Caxemira. O forte apoio dado pelas autoridades do governo Trump foi visto por muitas autoridades em Nova Délhi como um sinal verde para o plano da Índia de retaliar o Paquistão, mesmo que as autoridades dos EUA tenham pedido moderação.

Um indício da mudança na dinâmica foi a ausência notável do presidente Vladimir Putin, da Rússia, quando Modi recebeu telefonemas de mais de uma dúzia de líderes mundiais nos dias após o ataque terrorista.

O ministro das Relações Exteriores da Rússia conversou com seu colega indiano uma semana após o ataque, e Modi e Putin finalmente conversaram esta semana, segundo as autoridades.

Por sua vez, a China liderou o apoio público ao Paquistão, descrevendo-o como um “amigo férreo e parceiro de cooperação estratégica para todos os tempos”.

Essas tendências podem se refletir cada vez mais em conflitos militares. “Se pensarmos em como seria um futuro conflito entre a Índia e o Paquistão, cada vez mais a Índia lutaria com plataformas americanas e europeias e o Paquistão lutaria com plataformas chinesas”, disse Lyndsey Ford, ex-funcionária sênior de defesa dos EUA que atualmente é membro sênior da Observer Research Foundation America. “Os parceiros de segurança próximos de ambos os países evoluíram significativamente na última década.”

Historicamente, a Índia, mesmo desempenhando um papel de liderança no movimento não alinhado, aproximou-se da União Soviética. As armas e munições de Moscou constituíam quase dois terços do equipamento militar da Índia.

O Paquistão, por outro lado, aliou-se firmemente aos Estados Unidos, tornando-se seu parceiro na linha de frente para ajudar a derrotar os soviéticos no Afeganistão. Na década de 1980, os militares paquistaneses aproveitaram esse relacionamento para reforçar seu arsenal, incluindo a aquisição de dezenas de cobiçados aviões de combate F-16, que ajudaram a reduzir o domínio aéreo da Índia.

Após a Guerra Fria, ambas as nações enfrentaram sanções americanas por testarem armas nucleares na década de 1990. Por mais de uma década, o Paquistão teve negada a entrega de dezenas de F-16s pelos quais havia pago.

Mas a sorte do país mudou novamente após os ataques de 11 de setembro de 2001 a Nova York e ao Pentágono, quando o país voltou a ser um parceiro de primeira linha dos Estados Unidos, desta vez na guerra contra o terrorismo.

Mesmo quando o Paquistão foi acusado de fazer jogo duplo, abrigando os líderes do Taliban em seu território e ajudando a presença militar americana no Afeganistão, o Exército dos EUA despejou dezenas de bilhões de dólares em assistência militar. Os Estados Unidos se tornaram o principal fornecedor de armas do Paquistão, com a China em segundo lugar.

Com o declínio da importância do Paquistão para os Estados Unidos, o país se voltou para a China, que há muito tempo está de braços abertos para receber as lideranças do país.

Pequim, que era a fonte de apenas 38% das armas do Paquistão em meados da década de 2000, forneceu cerca de 80% nos últimos quatro anos, de acordo com o Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo, que estuda de perto os fluxos globais de armas.

Ao mesmo tempo, a Índia reduziu sua dependência de armas russas em mais da metade. Entre 2006 e 2010, cerca de 80% das principais armas da Índia eram provenientes da Rússia. Nos últimos quatro anos, esse número caiu para cerca de 38%, com mais da metade das importações indianas vindo dos Estados Unidos e de aliados como França e Israel.

A única área de exceção para o congelamento das relações entre o Paquistão e os Estados Unidos é o programa F-16. O Paquistão expandiu seu arsenal de F-16 nas últimas duas décadas, e o governo Biden promoveu um contrato no valor de quase US$ 400 milhões para serviços e manutenção dos caças.

Em 2019, o Paquistão usou um F-16 para derrubar um jato indiano de fabricação russa. Nova Délhi protestou, dizendo que a ação constituiu uma violação do acordo de vendas dos EUA com o Paquistão, argumentando que ele permitia apenas missões de contraterrorismo.

Algumas autoridades americanas pareceram tentar aplacar a Índia, sugerindo que haviam advertido os paquistaneses. Mas os telegramas diplomáticos dos EUA há muito deixaram claro que eles sabiam a real intenção do Paquistão ao construir sua força aérea: para uso potencial em conflitos com a Índia.

O confronto de 2019 – no qual um dos helicópteros da própria Índia também foi abatido, matando meia dúzia de pessoas – expôs os problemas de suas Forças Armadas. Nos anos seguintes, Nova Délhi tem investido bilhões de dólares para modernizar suas forças. Enquanto a Índia agora enfrenta o Paquistão, uma ameaça maior, a China, não está apenas observando, mas também ajudando seu adversário.

Para muitas autoridades americanas que observaram de perto os acontecimentos de 2019, os erros humanos deixaram claro como a situação poderia sair do controle.

As autoridades americanas temem que, com o hiper-nacionalismo crescente na Índia e no Paquistão, onde duas forças armadas bem equipadas operam em um corredor aéreo apertado e em meio a suspeitas mútuas, até mesmo o menor dos erros ou o excesso de ordens poderia levar a escaladas catastróficas.

“Uma crise em que você tem ataques aéreos transfronteiriços e uma um confronto de caças, como vimos em 2019, acarreta riscos significativos de escalada”, disse Ford, ex-oficial de defesa dos EUA. “E isso é ainda mais problemático quando envolve dois vizinhos com armas nucleares”.

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