Apesar da retórica protecionista de Joe Biden, o novo presidente dos EUA está se revelando uma bênção para o comércio global. O motivo é que muitos americanos estão se sentindo mais ricos devido ao pacote de estímulo do governo, de US$ 1,9 trilhão, parte do qual deverá ser gasto em produtos procedentes do exterior. Essa disparada já está acontecendo.
Há dois fatores que estão ajudando os países que exportam para os EUA. O primeiro é que a situação econômica americana melhorou rapidamente após chegar ao seu ponto mais baixo no segundo trimestre de 2020. O mercado de trabalho está mais sólido. A renda dos domicílios cresceu 21,1% em março, devido em boa parte aos cheques de US$ 1.400 enviados pelo governo. Foi a maior alta mensal da série (desde 1959). Isso está estimulando o gasto com consumo, que subiu 4,2% em março.
O segundo fator é que, com muitos negócios locais fechados, esses gastos migraram dos serviços (como bares e restaurantes) para bens de consumo duráveis.
O déficit comercial dos EUA em bens disparou em decorrência da pandemia. Subiu para US$ 91 bilhões em março, valor US$ 25 bilhões acima do registrado do mesmo mês do ano passado e recorde da série histórica, após a Segunda Guerra Mundial. O déficit comercial total, que inclui serviços, atingiu US$ 74,4 bilhões em março, segundo dados divulgados ontem.. Esse também é o maior déficit dessa série, que começa em 1992.
A maior parte disso se deve às fortes importações de bens, cujo valor inchou para US$ 234,4 bilhões em março, um aumento de dois dígitos na comparação com o mesmo mês de 2020. Embora março de 2020 tenha sido o mês em que os efeitos negativos da pandemia realmente começaram a bater, o nível atual de importações é bem superior à média de 2019-2018 de US$ 209 bilhões, segundo dados oficiais da semana passada.
Os grandes ganhadores dessa disparada de consumo de bens duráveis foram China, México e Canadá, segundo análise dos dados oficiais feita pelo “Financial Times”. O déficit com a China cresceu quase 20% em março, em relação a fevereiro, Esses três países há muito pertençam ao grupo dos maiores parceiros comerciais dos EUA. Mas países de menor porte também viram disparar o valor de suas exportações de bens para os EUA. O Vietnã continuou a ter um bom desempenho, beneficiando-se de algum desvio do comércio causado pela guerra comercial EUA-China.
A importação de produtos do Vietnã pelos EUA subiu ao dobro do ritmo total das importações nos últimos seis meses, em relação ao período de seis meses anterior. No total o país do Sudeste Asiático teve o maior ritmo de crescimento entre todos os principais parceiros dos EUA dos últimos três anos.
Os dados também dão uma ideia de como os pacotes de estímulo dos EUA serão distribuídos entre os exportadores mundiais.
Ludovic Subran, economista-chefe da seguradora Allianz, estima que o estímulo levará a um aumento das importações de bens e serviços de US$ 360 bilhões entre 2021 e 2022, num momento em que os consumidores americanos compram produtos como aparelhos de TV, eletrônicos ou automóveis, muitos dos quais importados.
Subran calcula que esse consumo extra nos EUA elevará em 1,4% ponto o PIB do Vietnã nesse período, já que os americanos estão comprando grandes quantidades de têxteis, computadores e outros produtos vietnamitas. O México receberá um empurrão estimado em 1,7 ponto do PIB.
Quando os EUA retomarem a atividade econômica normal, o déficit comercial tende a cair um pouco. Pooja Sriram, economista do Barclays, disse que a reabertura dos negócios nos EUIA poderá diminuir a demanda por bens, já que os consumidores voltarão a gastar mais em serviços, como academias de ginástica, em vez de produtos, como equipamentos de ginástica. Mesmo assim, com quase US$ 2 trilhões para distribuir do pacote de estímulo, a demanda dos consumidores americanos por bens duráveis tende a continuar “aquecida”. E o déficit comercial deve se manter alto nos próximos meses.